O pesquisador sênior associado do Instituto para o Diálogo Global e membro do think tank South Africa BRICS Network, Ashraf Patel, disse à Sputnik na terça-feira (11) que "as fraturas geopolíticas estão se tornando cada vez mais pronunciadas. O mundo pós-COVID-19 e o conflito Ucrânia-Rússia viram uma espécie de 'nova Guerra Fria' e muitas nações optando pelo não alinhamento também".
"As 'guerras comerciais' dos EUA com a China, as sanções russas e o impulso do G7 [grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido] para 'desvincular e reduzir riscos' mostram uma política ocidental formal de 'contenção, muito parecida com o período da Guerra Fria'. Caso os países do BRICS estabeleçam uma nova moeda de reserva, isso provavelmente afetaria significativamente o dólar americano, potencialmente levando a um declínio na demanda, pois isso significaria cestas de moedas regionais e negociações que podem ser desvinculadas do dólar. Por sua vez, isso teria implicações para os EUA e para as economias globais."
Patel observou que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva expressou recentemente seu apoio a uma moeda do BRICS, perguntando: "Por que uma instituição como o Banco do BRICS não pode ter uma moeda para financiar as relações comerciais entre o Brasil e a China, entre o Brasil e todos os outros países do BRICS?"
O funcionário afirmou que, atualmente, 89% do comércio e das finanças globais estão "dolarizados", criando um enorme desequilíbrio. "E esse modelo de comércio internacional é financeirizado. Isso significa que os mercados de ações e títulos, e instrumentos financeiros como derivativos, são ferramentas que dominam o comércio e o mercado de câmbio", disse ele.
"Isto cria grandes problemas para o Sul em desenvolvimento – volatilidade e mais dívidas, por isso é essencialmente explorador. Portanto, o ouro é uma mercadoria sólida que tem sido usada há séculos para o comércio mundial e um 'investimento seguro' ao longo dos tempos. Portanto, o padrão ouro alinhado à moeda do BRICS+ é possível e potencialmente viável", afirmou.
"Uma nova moeda do BRICS também fortaleceria a integração econômica dentro dos países do BRICS+; reduziria a influência dos EUA no cenário global; enfraqueceria a posição do dólar americano como moeda de reserva global; encorajaria outros países a formar alianças para desenvolver moedas regionais; e mitigaria os riscos associados à volatilidade global devido a medidas unilaterais e à diminuição da dependência do dólar", explicou. "Mas o verdadeiro desafio para a África é a enorme crise da dívida atualmente."
"A maioria dos países em desenvolvimento de baixa renda já está hoje em situação de superendividamento ou próximo a isso. Enquanto isso, espera-se que as duas grandes economias do mundo, os EUA e a China, vejam um salto em sua dívida pública em níveis mais altos do que antes da pandemia de COVID-19", observou Patel. "Gana e Sri Lanka deixaram de pagar suas dívidas externas em 2022, dois anos depois da Zâmbia. Paquistão e Egito estão à beira da inadimplência. No dia 30 de junho, o Paquistão garantiu um acordo provisório de financiamento de US$ 3 bilhões [cerca de R$ 14,4 bilhões] com o Fundo Monetário Internacional [FMI] prometendo alívio potencial de curto prazo."
"Os níveis de dívida pública global permanecem altos – em 92% do produto interno bruto [PIB] no final de 2022. As nações do BRICS podem vir com um modelo de gestão de dívida melhor em comparação com as nações do G7", disse Patel. "No início deste ano, o FMI, o Banco Mundial e o G20 criaram a Mesa Redonda da Dívida Soberana Global [GSDR, na sigla em inglês] para corrigir a estrutura comum e acelerar a reestruturação da dívida que já enfrentava atrasos. É muito cedo para dizer se esta solução do G20 terá sucesso ou não."
Patel acrescentou que, como "uma aliança político-militar enraizada na visão de mundo ocidental e no domínio da ordem neocolonial, e um pilar da Guerra Fria", a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) "deveria ter sido reduzida há muito tempo".
"O atual conflito na Ucrânia viu mais membros da União Europeia [UE], como Finlândia e Suécia, buscarem a adesão e a Ucrânia, então o perigo é uma nova Guerra Fria", disse ele. "O BRICS é muito diferente e o foco é a promoção do multilateralismo, o sistema da ONU e reformas sólidas das finanças, comércio e investimento globais. Busca uma 'ordem de prioridades' mais inclusiva e talvez alternativa e um acordo melhor para o Sul Global."