Analistas: aliança militar Argentina-Brasil precisa de novo rumo em tempos de crise geopolítica

As dificuldades de Argentina e Brasil para fechar a venda de 156 blindados brasileiros colocam pedras no caminho de uma associação estratégica que, para especialistas ouvidos pela Sputnik, pode ser crucial para a região e um "projeto geopolítico continentalista".
Sputnik
Apesar da incerteza que parece envolver a venda do Brasil de 156 blindados Guarani para o Exército argentino, fortalecer a cooperação militar com o gigante sul-americano pode ser muito benéfico para a Argentina, segundo dois analistas de defesa ouvidos pela Sputnik.
A compra dos blindados de combate de seis rodas Guarani, fabricados pela empresa Iveco no Brasil, havia sido acertada em janeiro de 2023, quando os presidentes Alberto Fernández e Luiz Inácio Lula da Silva se reuniram em Buenos Aires. O acordo previa a compra de 156 unidades divididas em 120 viaturas de transporte de pessoal com torre de metralhadora, 27 viaturas de combate de infantaria com torre de canhão e nove viaturas de posto de comando.
No entanto, a operação pareceu se complicar no final de julho, quando a mídia brasileira indicou que o Ministério da Fazenda brasileiro teria intercedido para, pelo menos, atrasar a venda. Uma matéria do jornal Estadão afirma que foi o próprio ministro Fernando Haddad quem convenceu Lula dos riscos de a Argentina não conseguir pagar a operação milionária, que custaria R$ 10 milhões por cada veículo.
Apesar de o cancelamento da operação não ter sido confirmado nem desmentido pela mídia oficial, a reportagem despertou na Argentina a preocupação com a possibilidade de as dificuldades financeiras que o país atravessa prejudicarem uma parceria com o Brasil em questões de defesa que poderia ser favorável.
"A Argentina e o Brasil devem se aprofundar e ter maiores iniciativas para serem parceiros estratégicos em matéria de defesa, algo que tem variado ao longo do tempo e de acordo com as sintonias dos diferentes governos", disse o político e analista de defesa, Daniel Blinder, à Sputnik.
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O especialista lembrou que Lula já havia promovido uma aproximação em matéria de defesa durante seus primeiros governos (2003-2010), quando coincidiu com o homólogo argentino Néstor Kirchner (2003-2007).
Blinder também destacou que, embora o Brasil não tenha o mesmo peso no mercado de armas que tem em outras áreas, o país teve "uma evolução interessante nas últimas décadas" que o levou, por exemplo, a se tornar um fabricante mundial de armas de classe como os caças F-39 Gripen.
O analista geopolítico e diretor do Dossier Geopolítico, Carlos Pereyra Mele, disse à Sputnik que a colaboração militar entre Argentina e Brasil "é muito importante do ponto de vista de um projeto geopolítico continental" que permite à América do Sul "tornar-se um novo esquema continental" em um mundo em que são os conglomerados continentais que fazem valer o seu peso.
Pereyra Mele observou que para a Argentina "seria muito mais útil" ter "países vizinhos com interesses geopolíticos bastante semelhantes" como fornecedores de suprimentos militares, como o Brasil.
O analista contextualizou o interesse argentino em adquirir os blindados Guarani em um processo de "reequipamento e reestruturação de sua indústria militar" após um desmonte durante a década de 1990 marcado por privatizações e uma menor importância da questão militar na sociedade argentina por conta da Guerra das Malvinas de 1982. Para Pereyra Mele, é preciso que a Argentina recupere o potencial de suas Forças Armadas porque "é o oitavo maior país do mundo e não pode ter o privilégio de ser desmantelado na área de defesa e segurança".
Esse conflito pelas Malvinas é o que continua gerando problemas para o abastecimento militar argentino, já que o Reino Unido reivindica o direito de vetar a venda à Argentina de qualquer equipamento militar que inclua componentes britânicos. Essa particularidade complicou, por exemplo, as chances da Argentina de colocar novos aviões de combate no mercado.
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"Sempre temos a espada de Dâmocles sobre nós para impedir que reequipemos nossas Forças Armadas", lamentou Pereyra Mele, lembrando que os blindados Guarani não só não tinham componentes britânicos como também incluíam peças fabricadas na Argentina.
Mas às restrições que a Argentina já tem começam a se somar os problemas financeiros do país. Para Blinder, fica claro que a situação financeira argentina "afeta profundamente as possibilidades de aquisição de meios ou de modernização".
Pereyra Mele destacou que a crise argentina "é financeira e não econômica" e está relacionada com a dívida milionária que a Argentina contraiu com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Por isso, qualificou de "terrorismo midiático" a ideia de que vender material militar para a Argentina é arriscado por suas dificuldades de pagamento, já que o país é capaz de "reestabelecer fortemente sua produção em dez anos".
Embora a transação para os Guarani pareça atrasada, os blindados participaram da Operação Arandu, uma operação militar conjunta entre os Exércitos argentino e brasileiro que ocorre anualmente desde 2020.
Em 2023, o exercício — que ocorre entre os dias 30 de julho e 4 de agosto — incluiu 300 soldados brasileiros e 322 argentinos que foram destacados para o Campo de Instrução General Ávalos na cidade de Monte Caseros, na província argentina de Corrientes, no nordeste do país.
O exercício inclui atividades no terreno que serão executadas de forma conjunta entre ambas as forças, como lançamentos e ataques de tropa paraquedista, deslocamento de blindados, ataque aeromóvel e outras mobilizações de tropa. A operação vai contar ainda com o emprego de aeronaves e veículos blindados de ambos os países.
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