Um grupo de legisladores franceses enviou uma carta aberta ao presidente Emmanuel Macron exigindo uma revisão da política da França para a África e alertando que a crise do Níger mostra que Paris está sendo expulsa da África por outras potências mundiais, incluindo Rússia, China e Estados Unidos.
"Níger hoje, Mali, República Centro-Africana e Burkina Faso ontem rejeitaram a França, as forças francesas, as empresas francesas", reclamou a carta, assinada por 94 legisladores, incluindo o presidente do Comitê de Relações Exteriores e Defesa do Senado, Christian Cambon.
Citando o fracasso da Operação Barkhane – a intervenção militar francesa de 3.000 soldados na região do Sahel ostensivamente contra grupos islâmicos entre 2014 e 2022 –, a carta alertava que a intervenção de empreiteiros militares russos prontos para apoiar os líderes africanos que procuram "unidade [de] suas populações contra o antigo 'poder colonial'" ameaçou a posição de Paris.
"Este movimento na África subsaariana está se espalhando com manifestações e atos antifranceses até mesmo em países conhecidos por serem próximos a nós, como a Costa do Marfim ou o Senegal", diz o apelo dos legisladores.
Também no norte da África, os legisladores franceses citaram uma série de "decepções" – desde as difíceis relações com a Argélia e seu presidente, Abdelmadjid Tebboune, que alterna entre a reaproximação e apelidar Paris de o "'Grande Satã' responsável por todos os males contra as pessoas na Argélia". No Marrocos, "a procrastinação francesa sobre o Saara [...] está levando o Palácio Real a procurar outros parceiros militares e econômicos".
O mesmo acontece na Tunísia, onde "o errático Presidente Kais Saied recorre alternadamente aos Estados Unidos, à União Europeia [UE], ao Mundo Árabe, e cada vez menos à França, que já não tem um papel privilegiado", aponta o documento.
"Hoje", afirma a carta, "a Françafrique [a chamada esfera de influência da França no norte e no oeste da África] de ontem foi substituída por uma Russafrique militar, uma Chinafrique econômica ou uma Americafrique diplomática".
Lembrando a Macron que o Senado o havia alertado sobre esse lamentável estado de coisas na primavera (Hemisfério Norte), os legisladores sugeriram que era "hora de revisar nossa visão da África e sua ligação com a França".
"Provavelmente é hora de fazê-lo, quando a França, um continente amigo, não parece mais entender a França e está contestando cada vez mais seu papel e presença. De nossa parte, não nos conformamos com nosso gradual desaparecimento de todo o continente", acrescenta a carta.
A nação do Níger, sem litoral, foi abalada por uma derrubada militar de seu governo no final de julho, gerando preocupações em Paris de que a França, que continua a exercer influência econômica significativa sobre o Níger, poderia perder 17% do urânio que alimenta sua rede de usinas nucleares, que fornecem à nação europeia até 70% de sua eletricidade.
A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), uma união política e econômica de 15 nações da região, ameaçou intervir militarmente para depor o novo governo militar, tendo Paris manifestado o seu apoio à iniciativa militar. Mali e Burkina Faso expressaram solidariedade com o Níger, alertando contra qualquer intervenção militar estrangeira e provocando temores sobre a possibilidade de um grande conflito regional caso a CEDEAO cumprisse sua ameaça de intervir.