Ao comentar as posições do mandatário brasileiro a respeito do conflito na Ucrânia, Zelensky afirmou que somente a "Rússia, Lula e Putin falam sobre a segurança da Rússia [...] sobre as garantias que precisam ser dadas para a segurança da Rússia".
Segundo ele, Lula deveria ter pensamentos próprios e não seguir exatamente a mesma linha de raciocínio empreendida por Vladimir Putin. Não obstante, Zelensky também se mostrou decepcionado por não enxergar no presidente brasileiro "uma compreensão mais ampla do mundo".
Após essas declarações, parte da mídia brasileira – alinhada ao eixo atlanticista – correu em acolhimento às visões de Zelensky (o vulgo "Herói do Ocidente"), criticando ao mesmo tempo as posições do governo brasileiro, que, segundo se discute, teria escolhido o lado errado do conflito.
Na verdade, para alguns veículos de mídia no Brasil qualquer lado onde a Rússia não esteja será automaticamente considerado o lado correto, uma espécie de alameda dos anjos. As posições de Lula, segundo essa interpretação, estariam, portanto, afastando o Brasil do chamado "Ocidente de princípios e valores" (por mais risível que seja esse termo).
Lula, por sua vez, não embarcou nesse tipo de interpretação simplista e porque não dizer simplória dos eventos. Em sua entrevista à Time de 2022 antes mesmo de voltar à presidência, Lula já demonstrava certa desconfiança quanto à cobertura da mídia internacional em torno de Zelensky, que passou a aparecer frequentemente nas TVs e parlamentos de todo o mundo "como se estivesse festejando" (nas palavras do presidente brasileiro), como se estivesse participando de algum tipo de "espetáculo".
Para Lula, Zelensky deveria estar "mais preocupado com a mesa de negociação", o que claramente não era o caso, motivando o mandatário brasileiro a apelidá-lo inclusive de "rei da cocada".
Mais recentemente, vale lembrar, tivemos também o episódio envolvendo a ida de Zelensky à reunião do G7 em Hiroshima. Ora, a presença de Zelensky no evento tinha o intuito de pressionar Estados neutros como o Brasil a tomarem o lado do Ocidente (vejam bem, estamos falando aqui do "lado do Ocidente"!) com relação ao conflito.
Lula, entretanto, se mostrou firme e indicou que não cederia à pressão dos países ocidentais, que viram na Ucrânia uma oportunidade de realizar uma nova cruzada contra a Rússia. Fato é que o presidente brasileiro vem causando desgosto em Zelensky por não permitir que o Brasil envie armamentos e munições à Ucrânia.
Afinal, Kiev tem gastado suas munições muito rápido, fazendo com que os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) encontrem dificuldade em acompanhar o ritmo de produção necessário para alimentar o Exército ucraniano.
Como Lula não tem interesse no prolongamento do conflito, mas sim em sua resolução, essa atitude provoca diferenças irreconciliáveis entre os dois líderes. Aliás Lula tem indicado que o Brasil (como uma das principais lideranças do Sul Global) pleiteia o papel de possível mediador do conflito, algo que por si só é digno de nota.
Ainda assim, quando esteve na cúpula dos países do G7, Lula tentou se encontrar com Zelensky por duas vezes, o que acabou não acontecendo devido a um desencontro de agendas por parte da delegação ucraniana.
Seja como for, fato é que, por conta de toda a ajuda fornecida pelo Ocidente à Ucrânia desde o começo das hostilidades, o presidente Zelensky não possui quase que nenhuma autonomia política para decidir os rumos do país. Isso porque o Ocidente (capitaneado pelos Estados Unidos sobretudo) interviu de modo claro no processo negociador que vinha tendo lugar nos primeiros meses de 2022 entre russos e ucranianos, impedindo com isto o fim rápido do conflito.
Ora, conforme indicou em entrevista o ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett em meados de 2022, no começo das hostilidades pareciam existir reais perspectivas de um acordo entre Rússia e Ucrânia. De início, Zelensky demonstrou-se propenso a negociar com Putin uma saída para a crise.
No entanto, compete repetir, conforme a participação — direta e indireta — do Ocidente no conflito foi aumentando ao longo do tempo, a disposição do presidente ucraniano em negociar foi sendo paulatinamente minada, e o conflito tomou os contornos de uma guerra por procuração contra a Rússia.
Além disso, as promessas de ajuda feitas a Kiev por europeus e americanos motivaram a Ucrânia a colocar em marcha um processo radical de rompimento com a Rússia, processo esse que conta com a contribuição ativa do próprio Zelensky.
Não por acaso, Lula, assim como seu assessor especial para assuntos internacionais Celso Amorim, entendem que nem a Ucrânia nem o Ocidente tentaram de fato alcançar a paz com Moscou, por conta justamente da falta de diálogo entre as partes e pelo fetiche da OTAN em tentar aplicar uma derrota militar à Rússia. Infelizmente faltou, segundo Lula, paciência para se encontrar uma solução mais adequada.
Afinal, Lula afirmou repetidas vezes que está interessado na paz e não na guerra, e que o Brasil é um país que dialoga com todos os lados. Ocorre que, como demonstrado na cúpula do G7 no Japão, hoje a Ucrânia parece não ter interesse em ouvir países que façam um apelo à paz, paz essa que colocaria um ponto final ao conflito e à tragédia humanitária dele resultante.
A Ucrânia, inadvertidamente ou não, tornou-se não mais que uma peça no jogo geopolítico dos Estados Unidos na Europa, envolvendo sobretudo o afã expansionista da OTAN para o leste em direção às fronteiras da Rússia.
Diante desse quadro, conforme interpretou Lula, o conflito poderia ter sido evitado, caso os formuladores de políticas em Washington tivessem tomado uma posição firme de não aceitar em nenhuma hipótese a adição da Ucrânia na Aliança Atlântica.
No momento em que estamos hoje, Zelensky declaradamente abandonou a possibilidade de discutir uma possível neutralidade da Ucrânia perante a OTAN, afastando em definitivo as perspectivas em torno de uma retomada das negociações.
Sem negociações, continuarão as hostilidades e continuarão também as diferenças políticas entre Lula e Zelensky. Afinal, se um lado deseja a paz e o outro deseja a guerra, como poderiam concordar entre si?
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.