De início, após os americanos terem demonstrado o poder colossal da bomba atômica, o mandatário soviético Josef Stalin logo encarregou Lavrenty Beriya (chefe da polícia secreta) de reunir, organizar e coordenar os melhores cientistas da URSS no intuito de atingir o quanto antes a paridade nuclear com os Estados Unidos.
O plano acabou dando certo e com o desenvolvimento bem-sucedido da bomba nuclear pelos soviéticos em 1949, ambos os governos em Washington e em Moscou atingiram certa condição de "estabilidade estratégica".
No decorrer da Guerra Fria, outras potências também acabaram desenvolvendo suas próprias armas nucleares, como foi o caso do Reino Unido e da França nos anos seguintes. Naquele momento do tempo, ficava claro que a aquisição de poderio nuclear se tornava uma condição sine qua non para que um Estado fosse reconhecido como uma Grande Potência no Sistema Internacional.
Diante desse cenário, a acentuada elevação nas despesas com defesa e tecnologia nuclear por parte de ambos os blocos deu início ao que ficou chamado de "corrida armamentista". Entretanto, quando a União Soviética e os Estados Unidos entenderam ser capazes de destruir um ou outro completamente em caso de uma guerra nuclear direta, teve início um movimento de desescalada das tensões, fundamentado sobretudo na assinatura de tratados e acordos internacionais de limitação de armas estratégicas.
Contudo, desde o início dos anos 2000, o Balanço de Poder entre Moscou e o Ocidente começou a ser paulatinamente sabotado pelos americanos. Em 2002, na esteira dos ataques terroristas de 11 de setembro, os Estados Unidos anunciaram sua saída unilateral do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM), decisão essa bastante protestada pela Rússia. Esse tratado, assinado em 1972, previa que nenhum dos lados deveria implantar sistemas de defesa antimísseis em território europeu que prejudicassem a dissuasão nuclear do outro e, assim, induzi-lo a um ataque preventivo.
Curiosamente (ou não), após a segunda expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 2004 mísseis antibalísticos foram implantados em países como Polônia e Romênia sob os auspícios de Washington, que alegou que esses sistemas eram destinados a proteger a Europa do Irã, argumento que não convenceu os russos.
A Rússia, por sua vez, encarou a situação como um sério fator desestabilizador que teria um impacto significativo na segurança regional e global. Segundo o Kremlin, tais equipamentos poderiam facilmente ser convertidos em aparatos de lançamento ofensivo dirigidos contra a Rússia; logo, autoridades em Moscou começaram a acreditar que os Estados Unidos estavam na verdade desfazendo o "Equilíbrio de Poder" (ou Paridade Estratégica) estabelecido entre o Ocidente e a Rússia durante a Guerra Fria.
No plano das relações internacionais existe o entendimento de que a agressão é vista como menos provável quando os Estados equilibram suas capacidades ofensivas com as de seus potenciais adversários. A Rússia, portanto, procurou aprimorar sua capacidade dissuasória nuclear, expandindo o alcance operacional de seus mísseis balísticos intercontinentais, que passaram a vir acoplados com um maior número de ogivas.
Em outubro de 2018, por fim, após repetidas polêmicas, o presidente americano Donald Trump anunciou que os Estados Unidos planejavam retirar-se em definitivo do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (assinado em 1986 e conhecido como INF). Frustradas as tentativas de negociação entre Rússia e Estados Unidos nos meses seguintes, os americanos finalmente formalizaram sua retirada oficial em fevereiro de 2019, decisão que obteve pleno efeito seis meses depois.
Na oportunidade, Putin enfatizou que a Rússia não seria o primeiro país a implantar mísseis de médio alcance na Europa, acusando mais uma vez os Estados Unidos de prejudicarem a paridade estratégica no continente. De modo geral, o abandono desses tratados pelos americanos trouxe uma nova situação de tensão para as relações entre a Rússia e a Europa, uma vez que o território europeu se tornou o principal palco da disputa em torno do "Balanço de Poder" envolvendo Moscou e o Ocidente.
Todas essas questões mostram que a Rússia continua sendo a principal preocupação dos planejadores de política em Washington e sobretudo na OTAN. Desde então, o Kremlin passou a recear a instalação de mísseis de médio alcance no Leste Europeu, o que representaria uma clara ameaça para a Rússia, sobretudo se tais sistemas fossem deslocados no território da Ucrânia, por exemplo.
Seja como for, a Rússia não ficou parada. Em 2018 ainda, Putin anunciou que os russos tinham desenvolvido uma nova linha de armas nucleares capazes de superar os sistemas antimísseis ocidentais implantados na Europa. Isso porque esses novos mísseis podiam atingir uma velocidade de Mach 10 (dez vezes a velocidade do som), movendo-se em trajetória não balística em direção ao seu alvo.
Na época, o anúncio de Putin desencadeou preocupação nos círculos políticos europeus quanto ao início de uma nova "corrida armamentista" no continente, similar à da Guerra Fria. Para Moscou, essa foi uma medida necessária em vista da "quebra" do balanço estratégico, resultante da retirada unilateral dos Estados Unidos de diversos tratados assinados durante a Guerra Fria.
Putin, portanto, considerou esses acontecimentos uma demonstração do desejo americano de ampliar sua dominação militar global, culminando na piora das relações entre a Rússia e os Estados Unidos. Tudo o que a Rússia tem feito desde meados dos anos 2000 relaciona-se com suas necessidades de segurança.
Não fosse a quebra sistemática pelos americanos dos antigos acordos firmados entre os Estados Unidos e a União Soviética, o mundo hoje viveria uma condição bastante mais estável e equilibrada.
Atualmente, são discutidos (ainda que em tom de exagero) determinados cenários em torno de uma eventual guerra nuclear entre a Rússia e o Ocidente (liderado pelos Estados Unidos), sobretudo levando-se em conta a possibilidade de uma escalada (sem controle) do conflito na Ucrânia. Em verdade, independentemente dos erros cometidos no passado, fato é que o mundo não precisa passar por isso. A torcida deve ser sempre pelo bom senso. Afinal, ainda estamos lidando com um Armagedom evitável.
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