Segundo o analista Pepe Escobar, o economista brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr., antigo diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) que esteve profundamente envolvido com os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) de 2007 a 2015, observou como uma discussão sobre a moeda de reserva entre os cinco membros originais já era demasiado difícil. Com 11, será ainda mais.
Uma moeda deve ser emitida por um governo soberano. O indispensável economista norte-americano Michael Hudson foi direto ao assunto para se concentrar no que o presidente Putin sublinhou na cúpula de Joanesburgo: o que é necessário é um meio de acordo entre os bancos centrais para manter sob controle os desequilíbrios do comércio e do investimento na sua balança de pagamentos.
Isto não implica nenhuma moeda supranacional do BRICS apoiada pelo ouro, explica Pepe.
O professor Hudson observou que "ninguém usa ouro como moeda. Você não vai ao supermercado ou não compra ações e títulos ou mesmo casas com ouro. Você não conseguirá fazer isso com nada parecido com uma moeda do BRICS no futuro".
Então, a possível "moeda do BRICS" no futuro será "apenas uma moeda estreita que apenas os governos podem gastar uns com os outros, e é criada em um computador. Não é nada que você possa guardar no bolso para gastar", explica Hudson.
Você não pode pagar pelo seu café com isso
Pepe também cita o consultor sênior do Banco da Inglaterra (banco central do Reino Unido), Michael Kumhof, acrescentando mais alguns elementos à compreensão.
"Uma moeda não precisa ser emitida por um único Estado, em vez disso a sua emissão pode ser delegada por um grupo de Estados a uma instituição comum, veja o BCE [Banco Central Europeu]. E embora seja pouco provável que essa moeda seja utilizada pelas pessoas para comprar um café [embora, quem sabe, com tempo suficiente], poderia ser utilizada pelas empresas para faturação no comércio transfronteiriço."
Kumhof projeta um futuro diferente ao imaginar que 50-100 países aderissem ao BRICS, alguns deles com moedas bastante pequenas e marginais. Segundo o economista, eles talvez pudessem gostar de faturar e liquidar em uma moeda comum forte, em vez de apenas poder escolher entre dólar e, digamos, o yuan considerando toda a complexidade em se tentar substituir a moeda norte-americana pela chinesa.
O que é certo por agora é que no centro do que está por vir estará um papel reforçado para o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do BRICS, sediado em Xangai e agora presidido pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, argumenta o analista.
O ministro de Macroeconomia da Comissão Econômica da Eurásia, Sergei Glaziev, tem sido muito crítico em relação ao NBD, explicando como os estatutos bancários estão ligados ao dólar americano e que esta seria a razão pela qual o banco está agora semiparalisado, com medo de sanções secundárias dos EUA.
Isto traz à tona outra questão sublinhada por Kumhof: a ligação BRICS-FMI. Kumhof observa que "parece que o NBD é basicamente um Banco Mundial, embora tenha ouvido muito pouco sobre o Arranjo Contingente de Reservas, que a certa altura foi mencionado como uma espécie de BRICS-FMI embrionário."
O que a China realmente quer
Esta análise, que chamou a atenção de Glaziev, investiga a razão pela qual o BRICS não será capaz de se tornar concorrente das moedas de reserva – especialmente o dólar americano e o euro – e lançar imediatamente a desdolarização total de sua economia.
A essência do argumento é que apenas a China "pode reivindicar a criação de uma moeda de reserva", uma vez que "a escala, a profundidade da diversificação e o nível de desenvolvimento da economia chinesa são suficientes para competir com os EUA e a zona euro".
O problema, segundo a análise, é que "o estatuto de reserva não pode surgir sob condições de restrições aos fluxos de capitais", avalia Glaziev.
Isto nos leva ao uso restrito do yuan convertível, uma vez que existem "limites para câmbio estrangeiro que variam de acordo com a região e os destinos de investimento"; limites à "repatriação de capital através de dividendos e juros"; "cotas de retirada de capital industrial para indústrias sensíveis"; e "requisitos rígidos para registro de empresas estrangeiras", entre outras questões.
Portanto, a análise se resume, de fato, ao capitalismo bruto, ou seja, "não há concorrentes do dólar e do euro no mercado de capitais internacional e não se espera nenhum deles em um futuro próximo, porque para que o yuan saia das sombras a China deve liberar a política financeira e remover as restrições ao controle de capitais."
Logo, "qualquer colapso da ordem mundial existente no mercado monetário deve ser visto exclusivamente através do enfoque da China".
No entanto, Pepe lembra que a questão é que Pequim não está interessada em que o yuan assuma o papel de moeda de reserva mundial e nem era o plano do BRICS, mesmo antes do BRICS 11.
Segundo o analista, o foco chinês é aumentar primeiro o comércio de yuans e as operações de numerário e de liquidação (cerca de 4,5-5% do volume de negócios global neste mês).
Em uma próxima fase haverá mais financiamento transfronteiriço (como nos empréstimos em yuan) e mais atração de capital internacional em instrumentos financeiros denominados em yuan. Ainda não chegamos lá.
Pepe argumenta que a análise de Glaziev está correta ao identificar as prioridades da China como "expandir a presença do yuan no mercado externo e redefinir a entropia interna através da descentralização e da difusão internacional da oferta monetária do yuan".
Não vamos aguentar mais
Para Escobar, a visão de Michael Hudson é muito mais sofisticada e vai muito além da internacionalização do yuan ou da necessidade de uma moeda BRICS. Ele toca no cerne do problema para o Sul Global/Maioria Global.
"Os países do Sul Global têm um cateter econômico na sua corrente sanguínea monetária, drenando os seus excedentes da balança de pagamentos para pagar o fardo pós-colonial — ou talvez devêssemos dizer neocolonial — dos 'atrasados de dependência' dolarizados, impedindo-os de equilibrar seu comércio exterior e investimento."
Difícil será dizer que as forças imperiais, mesmo na sua atual desordem, vão aceitar todas essas mudanças. Ainda assim, o professor Hudson é implacável ao denunciar como o FMI e o Banco Mundial "empurraram a alocação de recursos da produção doméstica de alimentos para a produção agrícola de exportação, e da substituição de importações para a dependência de importações – tudo limitado pela venda e privatizações de infraestruturas básicas aos estrangeiros para imporem preços de monopólio e fuga de capitais em vez de fornecerem serviços básicos a preços subsidiados para tornarem as suas economias mais competitivas, como os EUA e a Europa estavam fazendo com as suas próprias economias".
O analista conclui com o pensamento do professor Hudson, de que a discussão política deve se concentrar na criação do BRICS 11, algo muito mais relevante do que especular sobre uma moeda distante do bloco do Sul Global.