A instabilidade da economia argentina e de sua moeda tem levado casas de câmbio e outros estabelecimentos de países vizinhos a recusarem ou reduzirem a aceitação do peso argentino. No comércio ou no setor de serviços de cidades do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, a moeda argentina é cada vez menos bem-vinda, devido à dificuldade de trocá-la por outras moedas.
Embora o problema seja mais visível nas regiões de fronteira, seu impacto pode ser verificado também em outras partes. Em uma casa de câmbio do Rio de Janeiro, por exemplo, o fluxo de entrada do peso tem sido muito maior do que a saída, já que a procura por essa moeda não é mais a mesma.
"Tem dias que não consigo comprar, porque se não sai, não adianta ficar só entrando peso, que vou ter que me desfazer", afirma o diretor da Casa Aliança Câmbio e Turismo, Carlos Dalbone.
O operador conta, em declarações à Sputnik Brasil, que a saída do peso já vinha abalada desde a pandemia, já que o volume de turistas brasileiros na Argentina foi reduzido. E, com a volatilidade atual, tem sido muito difícil operar com essa moeda.
"A volatilidade dificulta operar com ele, porque não pode ficar estocado. Porque corre risco de perda, e me parece também que o mercado lá, não sei exatamente como está, mas parece que tem um mercado paralelo muito forte, e não conseguimos atender nesse sentido. Vemos na Internet que o peso lá está 350 no oficial [350 pesos por dólar], mas, pelo mercado informal, acabam pagando mais, e o nosso preço de venda aqui não fica interessante."
A volatilidade limita a aceitação do peso em diferentes esferas, conforme explica o professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Fábio Pereira de Andrade, especialista em economia e administração pública.
"Na prática, ela pode diminuir os ganhos de exportadores para a Argentina, bem como ampliar os custos de empresas que operam na Argentina e dependem de importação", diz Andrade em entrevista à Sputnik Brasil.
Apesar da crise, a aceitação ainda ocorre, inclusive no Brasil. Porém, segundo o professor, é baixa e custosa. Pois, nos casos em que ela ocorre, está condicionada a contratos que fixam a taxa cambial do peso.
"É importante destacar que a aceitação se deve ao elevado volume de negociações entre Brasil e Argentina, uma vez que a volatilidade da moeda e as incertezas da vida política na Argentina contribuem apenas para diminuir a aceitação do peso", ressalta.
Nas últimas semanas, o governo brasileiro tem conversado com autoridades argentinas a fim de encontrar meios para reduzir as dificuldades nas trocas comerciais entre os dois países. Recentemente, o ministro argentino da Economia, Sergio Massa, se reuniu com seu homólogo brasileiro, Fernando Haddad, e com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, para tratar de um impasse em torno de garantias de exportação.
O encontro, realizado na última segunda-feira (28), terminou com um acordo envolvendo o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), que se comprometeu a analisar um plano de US$ 500 milhões (R$ 2,47 bilhões) a US$ 600 milhões (R$ 2,96 bilhões) em garantias para a Argentina, dados os baixos níveis das reservas cambiais do país.
Me reuni, no Brasil, com o presidente Lula e o ministro da Fazenda Fernando Haddad, com quem dialoguei sobre o enorme passo que demos internacionalmente com o convite para que a Argentina integre o grupo BRICS.
Para especialistas, a reunião na capital brasileira também serviu para marcar o apoio do Brasil à Argentina neste período pré-eleição presidencial, na qual Massa será o candidato do atual governo argentino em uma corrida apertada contra o direitista Javier Milei, que lidera as pesquisas de intenção de voto.
Questionado sobre o impacto do apoio do presidente Lula ao governo de Alberto Fernández, Fábio Pereira de Andrade disse que uma aceitação maior do peso no Brasil dependerá mais do volume de trocas entre os dois países na prática.
"O apoio em si não altera nada, mas a ampliação do volume comercial entre os dois países pode criar um cenário em que a ampliação da aceitação seja inevitável."