O anúncio da saída de Aleksei Reznikov, ministro da Defesa da Ucrânia, por Vladimir Zelensky destaca os problemas internos da liderança militar do país em meio à inexistência de progresso em sua contraofensiva contra a solidez das linhas de defesa da Rússia.
"Diante dos fracassos da contraofensiva, Zelensky está se tornando cada vez mais paranoico e prefere cortar cabeças agora, enviando uma mensagem de que está de olho em todos", avaliou Alejandro Valencia, acadêmico da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e especialista em geopolítica do Oriente Médio e conflitos internacionais contemporâneos, em entrevista à Sputnik.
"Porque já há dissidência [nas elites militares ucranianas] entre aqueles que buscam uma paz negociada e aqueles que claramente querem continuar [o conflito] até o último ucraniano", continuou.
Ele concorda que a contraofensiva ucraniana é um "fracasso total", pois disse que ela só conseguiu recuperar alguns quilômetros em apenas três meses e ao custo de milhares de baixas.
Valencia, que já publicou artigos para o Colégio do México (Colmex), um dos mais renomados centros acadêmicos da América Latina, também lembra que as tensões no Leste Europeu foram alimentadas, em grande parte, pela insistência de Washington em continuar o conflito, independentemente das mortes nas fileiras ucranianas.
"Essa é a posição de Zelensky, mas há generais dentro da Ucrânia que acham que esse conflito já passou", observa o especialista.
'Ponto culminante de um problema muito sério'
Na opinião de Javier Posadas, especialista em segurança nacional e política de defesa, com estudos de pós-doutorado no Instituto de Estudos Políticos, em Paris, França, trata-se de uma crise interna, "uma situação muito delicada, dado o contexto do conflito em andamento. Recentemente, houve a demissão de vários comandantes militares intermediários nos centros de recrutamento ucranianos porque eles encobriram casos de tráfico de influência e corrupção".
"Parece-me que [a saída de Reznikov] é o ponto culminante de um problema muito sério no nível da elite militar administrativa e logística do Exército ucraniano. Digamos que esse é o ponto mais óbvio e mais crítico", disse à Sputnik, citando a "corrupção e tráfico de influência" dentro do Exército.
Além disso, continuou, "a neve jogará a favor [...] das posições que o Exército russo consegue manter".
De junho até o início de agosto, as forças ucranianas perderam mais de 43.000 efetivos, de acordo com dados do Ministério da Defesa russo.
E o apoio ocidental?
Em julho, Ben Wallace, então secretário de Defesa do Reino Unido, criticou os pedidos contínuos da Ucrânia por armas dos EUA e de seus aliados europeus.
"Não somos a Amazon", disse ele, em uma comparação ao serviço de entregas norte-americano.
Nas semanas recentes, Washington tem admitido que a contraofensiva das tropas ucranianas não produziu os resultados esperados, apesar dos suprimentos de armas ocidentais, algo que Zelensky também reconheceu.
Assim, "o colapso e a má administração da contraofensiva não são culpa de um general específico, mas do fato de que os russos têm um Exército muito poderoso", da morte de muitos militares ucranianos bem treinados, das armas ocidentais serem poucas e inadequadas para o conflito, sublinha Valencia. Ele também deu a entender que o fato de o Ministério da Defesa ucraniano estar "sob a batuta" dos EUA é outro ponto fraco.
'O dinheiro tem de continuar fluindo'
O Congresso dos EUA aprovou quase US$ 45 bilhões (R$ 222,66 bilhões) em ajuda para Kiev em dezembro de 2022, fundos que devem durar até o final de setembro deste ano, o mês em que termina o ano fiscal de 2023.
O Instituto Kiel para a Economia Mundial alemão estima que a Ucrânia tenha recebido mais de US$ 100 bilhões (R$ 494,8 bilhões) em ajuda humanitária e apoio militar de mais de 40 países, sendo cerca da metade da quantia só de Washington.
Com todo esse dinheiro, os EUA estão tentando manter o governo de Zelensky em pé, sem o risco de que os generais ucranianos possam desestabilizar sua administração a ponto de depô-lo, vê Alejandro Valencia.
"Há uma série de interesses feitos com o complexo militar-industrial, onde o dinheiro tem de continuar fluindo, ou seja, eles têm de continuar enviando armamentos porque isso significa contratos para as corporações [de armas]", conclui.