A título de exemplo, em setembro de 2021, o ex-primeiro-ministro australiano Scott Morrison, na presença de Joe Biden e Boris Johnson, anunciou o estabelecimento de uma aliança trilateral estratégica de segurança entre a Austrália, os Estados Unidos e o Reino Unido, denominada de AUKUS.
O principal objetivo dessa parceria era promover a presença anglo-saxã no entorno chinês, compreendendo o leste do oceano Índico, o sul do Pacífico e o mar do Sul da China. Ficava claro, portanto, que a aliança visava na verdade combater a contínua ascensão da China em sua zona de interesses legítimos.
Pequim, por sua vez, criticou a criação do agrupamento regional e acusou os Estados Unidos de desestabilizar a região – esse era exatamente o ponto, aliás – por meio de múltiplas coligações minilaterais no intuito de enfraquecer a posição da China em seu exterior próximo.
Não obstante, autoridades chinesas também fizeram menção de que a cooperação entre o Reino Unido, os EUA e a Austrália no sentido de fornecerem à última submarinos nucleares intensificará a corrida armamentista na Ásia. Contrariando o bom senso, no entanto, Estados Unidos e Reino Unido se comprometeram a auxiliar a Austrália no desenvolvimento de pelo menos oito submarinos com propulsão nuclear durante os próximos anos.
Notadamente, a China apelou à aliança para que deixasse sua mentalidade típica da Guerra Fria e pediu ao Ocidente que deixasse de desestabilizar a segurança regional. Toda essa situação veio a lembrar justamente os apelos que a Rússia vinha fazendo ao Ocidente em meados dos anos 2000, para que não interferissem nos assuntos domésticos dos Estados do espaço pós-soviético.
A China, aliás, já testemunhava um relacionamento suficientemente tenso com os membros do AUKUS antes mesmo da criação da aliança, relacionamento esse que se tornou ainda mais perigoso em função de mais essa provocação de origem anglo-saxã.
Em um famoso trecho de uma notícia do Global Times, jornal porta-voz do Partido Comunista Chinês, fora publicado um presságio de que as tropas australianas seriam as primeiras a desperdiçar a vida num eventual embate com Pequim pelo mar do Sul da China.
Fato é que os chineses estão tentando evitar um cenário de "ucranização" da Austrália, ou seja, impedir com que australianos percam suas vidas em função de objetivos geopolíticos de atores externos à região, leia-se: dos Estados Unidos.
Para além do AUKUS, no entanto, outra preocupação chinesa tem sido a movimentação americana, tanto de forma isolada como por meio da OTAN, envolvendo outros dois importantes países vizinhos à China.
Em meados de agosto, por exemplo, no âmbito da Cúpula de Camp David, os líderes dos Estados Unidos, da Coreia do Sul e do Japão reuniram-se para discutir questões de segurança, notadamente dando a entender sua percepção comum quanto a uma suposta ameaça chinesa.
Já nos primeiros meses de 2023, o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, visitou Japão e Coreia do Sul, destacando a importância de a Aliança Atlântica trabalhar em estreita parceria com a região do Indo-Pacífico. Não só Stoltenberg deixou claro que a OTAN vê com preocupação a ascensão chinesa nos últimos tempos, como afirmou que Pequim representa um desafio aos valores, aos interesses e à segurança do Ocidente coletivo.
Acusando a China de não acreditar na "democracia" e na "liberdade de expressão", o secretário-geral da OTAN demonstrou de forma clara a atitude de patronagem que europeus e americanos continuam exercendo com relação a países insubmissos aos seus ditames.
Ademais, aquela velha política de contenção usada por Washington contra a União Soviética no período da Guerra Fria voltou com ainda mais força, concentrando-se agora na China como sua principal rival.
Nada disso é exatamente novo. Afinal, essa percepção negativa quanto à China já estava presente na Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos ainda em 2017, percepção essa fortemente influenciada pelos pensadores realistas e neorrealistas americanos.
Para eles, uma China rica não estaria satisfeita com a distribuição de poder na atual ordem mundial, o que faria Pequim mudar as regras do sistema em seu próprio favor. Parte daí o principal medo de Washington, a saber, o medo de perder a sua hegemonia e sua predominância tanto econômica quanto militar no sistema.
Foi justamente por conta desse medo que o "pivô para a Ásia" anunciado durante a presidência de Barack Obama (2009-2017) já apontava para uma tentativa americana de conter o crescimento e a influência chinesa na Ásia-Pacífico.
Nesse ínterim, os aumentos nos gastos com defesa por parte do Japão – sobretudo sob a égide de Shinzo Abe – não só contaram com a anuência da Casa Branca (que factualmente detém o controle da política externa de Tóquio) como também sinalizaram importantes mudanças no ambiente de segurança do entorno chinês.
Diante desse novo contexto, o governo japonês expandiu de forma inédita as suas Forças Armadas, adicionando novas unidades blindadas, soldados, modernos caças de ataque, veículos anfíbios e sistemas de defesa antimísseis, tudo isso com o apoio dos ministérios da Defesa do Reino Unido e dos Estados Unidos.
A China, que tem agido de forma cada vez mais assertiva nas relações internacionais e, principalmente, de forma independente, vê seus interesses sendo contestados por países próximos, que foram sendo um a um seduzidos para o perigoso jogo geopolítico dos Estados Unidos na Ásia-Pacífico.
Assim como provocou os Estados vizinhos à Rússia a enxergarem Moscou como uma ameaça, Washington agora tem aplicado a mesma fórmula com relação à China em seu entorno imediato. Nós vimos o resultado que essa política causou no Leste Europeu. Será que caminhamos para um cenário semelhante no Leste Asiático?
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