Entre o peronismo e o ultraliberal: eleições argentinas lançam dúvidas sobre a relação com o Brasil
21:44, 6 de setembro 2023
Redação
Equipe da Sputnik Brasil
A pouco mais de um mês para as eleições na Argentina, analistas apontam Javier Milei, do partido La Libertad Avanza, e Sergio Massa, do partido Unión por la Patria, como favoritos para disputar o segundo turno. Que impacto a mudança de governo no país vizinho terá nas relações com o Brasil?
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ultraliberal Javier Milei foi o candidato mais votado nas primárias, com 29,86% dos votos. O deputado federal, eleito em 2021 por Buenos Aires,
tem propostas polêmicas para a economia, que incluem substituir o peso argentino pelo dólar e fechar o Banco Central. Milei também já defendeu medidas como a legalização da venda de órgãos e o fim das escolas públicas.
Para Wanilton Dudek, doutor em história e professor da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), o resultado das primárias não era esperado, mas pode ser explicado pelo clima de incerteza no país, mergulhado em uma profunda crise econômica.
"Surpreende pelo fato de quem é o Javier Milei. Um candidato com ideias bastante excêntricas e que é tudo o que a Argentina não precisaria neste momento. Justamente gera uma total instabilidade do ponto de vista político, econômico e social. No entanto a população, cansada de tantas incertezas na economia, aposta nesses candidatos com ideias mais extremistas. Ele tem se mostrado como favorito. Porém ainda é uma disputa em aberto", pondera Dudek.
Christopher Mendonça, professor de relações internacionais no Ibmec e especialista em política comparada e internacional, ressalta o revés sofrido por Sergio Massa, candidato governista, nas primárias. O atual ministro da Economia teve 27,28% dos votos, ficando apenas com a terceira posição.
"As pesquisas mostram que foi, nos últimos anos, a pior performance do peronismo na Argentina. O peronismo sempre está entre a primeira e segunda força política do país, e especificamente nas eleições primárias deste ano, ficou em terceiro lugar. As expectativas maiores de cenário são que haja um segundo turno entre Sergio Massa e Javier Milei", afirma Mendonça.
Embora as eleições primárias tenham sido oficialmente para escolher candidatos para vários blocos políticos, também foram vistas como uma sondagem nacional sobre a posição dos candidatos perante os argentinos.
No último dia 24, quando o BRICS
anunciou sua expansão com mais seis participantes, incluindo a Argentina, candidatos à presidência afirmaram que, se eleitos, o país
não fará mais parte do grupo. O discurso foi adotado por Javier Milei e Patricia Bullrich, da coalizão Juntos por el Cambio.
Apesar da declaração, o professor do Ibmec acredita que o tema não é prioritário neste momento da disputa eleitoral.
"A Argentina está passando por um processo importante na área econômica, uma crise inflacionária bastante crítica. Nesse sentido, a preocupação maior que eleitores terão envolve questões sociais. A própria vitória do Milei nas primárias já demonstra que a população argentina está muito insatisfeita e, portanto, deseja um governo diferente. Nesse aspecto, considero que o fato de entrar ou não no BRICS não vai ser algo muito retido pela população que vai votar, mas tem implicações diretas sobre a economia do país porque a Argentina é um país que tem perspectiva de aumentar o seu comércio exterior, e a entrada no BRICS poderia favorecer esse comércio internacional."
Fato é que, seja quem for o vencedor dessa acirrada disputa, serão muitos os desafios do próximo presidente, conforme destaca o professor Wanilton Dudek.
"O que não vai faltar para o sucessor de Alberto Fernández são desafios. Do ponto de vista internacional, a Argentina vai precisar recuperar uma confiança, demonstrar que há uma estabilidade política e econômica sendo estabelecida no país. Internamente, o governo argentino vai precisar recuperar a própria confiança da população."
Do ponto de vista econômico, o Brasil tem demonstrado grande interesse em ajudar o país vizinho a reduzir o impacto da crise. Entre os analistas, há um consenso sobre o interesse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva na vitória de Massa, que, em tese, representaria uma manutenção do atual nível de cooperação bilateral.
"Há uma clareza de que o candidato que mais se aproxima das expectativas brasileiras é o Sergio Massa. Ele já foi, inclusive, embaixador da Argentina no Brasil e, portanto, tem um diálogo muito próximo da diplomacia brasileira. Então a vitória dele seria o cenário mais agradável para a política brasileira. Por outro lado, a política externa brasileira sempre foi muito pragmática, ainda mais com a Argentina, que é um parceiro comercial importante. Nós já tivemos momentos anteriores nos quais não tinha paridade entre os dois governos e as diferenças ficaram para trás. Evidentemente que quando há um alinhamento entre os presidentes, há uma consonância maior, um fluxo comercial maior. Mas certamente isso não vai afetar as relações, que são muito amistosas entre os dois países", avalia Christopher Mendonça.
Para Thiago Rodrigues, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), apesar do pragmatismo brasileiro, dependendo de quem for vitorioso, o resultado do pleito argentino pode dificultar muito as relações entre os dois países.
Rodrigues frisa que, mais próximo e afinado ao governo Lula, Massa compartilha das visões do líder brasileiro em matéria de política social, de alinhamento em política externa (BRICS, Mercosul, Unasul), e também nos campos do respeito aos contratos internacionais e da exploração de fontes de energia não renováveis. Os candidatos mais à esquerda, Juan Schiaretti e Myriam Bregman, "têm pautas muito radicais para o PT de Lula, como a taxação de grandes fortunas e o rompimento com o FMI [Fundo Monetário Internacional]".
"Do outro lado, a direitista Patricia Bullrich (ex-ministra da Segurança de Mauricio Macri) e, principalmente, o ultradireitista Javier Milei não têm afinidades com a social-democracia lulista. Em caso de uma vitória de Milei, as relações bilaterais ficariam muito difíceis, incluindo a promessa de inclusão da Argentina no BRICS."
As eleições argentinas estão marcadas para 22 de outubro e, dependendo do resultado, vão ao segundo turno em 19 de novembro.