O aumento do orçamento global para a defesa nos últimos anos tem criado boas oportunidades para as exportações brasileiras, mesmo com o Brasil ainda tendo um longo caminho a percorrer para chegar ao nível das potências da área.
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, sobre o qual havia uma grande expectativa no que diz respeito ao desenvolvimento da defesa, as exportações cresceram 21% na comparação com os quatro anos anteriores, com o setor atribuindo a melhora às políticas adotadas em 2016 pela gestão de Michel Temer.
A posse de Luiz Inácio Lula da Silva neste ano, em meio a relações estremecidas com as Forças Armadas, gerou certa desconfiança entre algumas pessoas sobre a importância que o novo presidente dará para a defesa. Analistas, no entanto, acreditam que Lula entende bem a importância do setor e deverá trabalhar de maneira bastante pragmática para desenvolvê-lo.
O especialista em defesa Lier Pires Ferreira, professor do Ibmec no Rio de Janeiro, não considera que a afinidade de Bolsonaro com os militares tenha ajudado a fomentar a indústria de defesa brasileira.
"As vendas externas do [avião] KC-390 não avançaram muito. O mesmo aconteceu com projetos estratégicos, como o submarino nuclear, o supersônico Gripen ou os projetos Sisfron e Proteger, que são projetos de grande envergadura, desenvolvidos pelo Exército Brasileiro", explicou em declarações à jornalista Melina Saad, da Sputnik Brasil.
Nos governos anteriores de Lula, muitos projetos de defesa deram passos importantes com o apoio do presidente, como é o caso do programa do submarino nuclear, desenvolvido no Complexo Naval de Itaguaí, litoral sul do estado do Rio de Janeiro. O projeto foi criado em 2008, durante o segundo mandato de Lula, que assinou acordo de transferência tecnológica com a França.
Para Ferreira, apesar da proximidade entre os militares e o ex-presidente e do distanciamento em relação a Lula, uma ponte está sendo construída, aos poucos, entre as Forças Armadas e seu atual comandante supremo, embora ainda haja uma forte desconfiança mútua.
"Tolamente, os militares veem Lula como subversivo, algo que ele nunca foi. Além disso, a proximidade do PT com as pautas identitárias, como a questão de gênero e a causa LGBTQIA+, provocam forte rejeição ao partido e ao presidente dentro das forças castrenses, algo que é ampliado pela polarização política dos últimos anos, fortemente ancorada no patriotismo oco, quase infantil, sem vinculação estratégica com as novas realidades globais. Trocando em miúdos, Lula não é comunista e a Terra não é plana."
O analista acredita que Lula, por sua vez, está disposto a superar as diferenças com os militares em prol da reindustrialização da defesa brasileira.
"Nosso desafio é superar a pecha de exportador de produtos primários pela qual nós somos conhecidos no mundo inteiro hoje. Eu diria que desde o século XVI. Nosso esforço é aumentar o valor agregado das exportações. A indústria da defesa é absolutamente fundamental", afirma.
A Embraer é considerada um dos raros casos de sucesso de uma empresa brasileira que tem produtos de alto valor agregado em pauta no mercado internacional. Outros projetos, como o blindado anfíbio Guarani, os submarinos convencionais, as fragatas da classe Tamandaré, os aviões supersônicos feitos em parceria com a Gripen e os sistemas Astro de lançamento de foguetes, também fazem parte da pauta de exportações brasileiras.
"Desideologizar as relações entre o Planalto e as Forças Armadas, tornar esse relacionamento mais institucional, para que sejam forças de Estado e não de governo, esse é um caminho fértil para que a indústria da defesa prospere no Brasil com reflexos positivos em todas as áreas da economia", completou Lier Pires Ferreira.
Seja em nome da estabilização ou do desenvolvimento da defesa, tanto o presidente brasileiro quanto os militares vêm empregando inúmeros esforços, nos últimos meses, na tentativa de apagar rusgas que poderiam, eventualmente, atrapalhar a normalidade institucional do país.
Na opinião do cientista político Eduardo Gomes, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), não só há um consenso entre as partes acerca da importância da dinamização da indústria de defesa como a interação civil-militar já deu resultado nas altas instâncias.
"Os resultados dependem agora de investimentos e de tempo. O que poderia ajudar, neste momento, seria um ministro da Defesa mais pragmático", declarou o professor ao analisar a relação entre governo e militares e sua influência sobre os rumos da indústria de defesa brasileira.
Para o especialista, a atual administração petista enxerga com bons olhos o setor da defesa e tem uma preocupação ampla com a reindustrialização do país como um todo, dentro dos padrões tecnológicos mais avançados.