Sendo composta principalmente por empréstimos realizados pelo governo federal, incluindo a emissão de títulos do Tesouro, e outros compromissos financeiros assumidos por Washington ao longo dos anos, sobretudo para a manutenção de gastos militares, a dívida americana, que em 2022 estava em torno de 24 trilhões de dólares (R$ 122 trilhões), hoje encontra-se em níveis mais do que alarmantes. Nesse contexto, nem os republicanos nem os democratas conseguem encontrar uma solução adequada, que necessariamente envolveria acabar com as guerras promovidas pelos Estados Unidos no exterior.
Isso porque a Casa Branca já adquiriu um verdadeiro vício patológico em intervir militarmente nos assuntos domésticos de outros Estados e desse vício ela não consegue mais se livrar. Em decorrência dessa condição, o governo americano vem despendendo trilhões de dólares para avançar seus interesses geopolíticos no mundo, sem se preocupar com as consequências futuras desse dispêndio. Aqui, vale lembrar que o chamado complexo militar-industrial é o principal beneficiário dessa loucura toda, possuindo um lobby muito poderoso dentro do Congresso estadunidense.
Com isto, os gastos com defesa, que incluem salários e benefícios para militares ativos e aposentados, a compra e desenvolvimento de novas armas letais, bem como a manutenção das bases americanas espalhadas pelo planeta, impactam diretamente a economia dos Estados Unidos, que precisa muitas das vezes recorrer a financiamentos externos para manter essa máquina ativa. Logo, somente um membro muito corajoso – ou louco – dentro do Congresso americano se voltaria contra esse perverso estado de coisas.
Somente no ano fiscal de 2023, o Departamento de Defesa estadunidense conta com cerca de 2 trilhões de dólares (R$ 10,1 trilhões) a ser alocados para suas diferentes divisões, com as agências militares do Estado podendo gastar esses recursos da forma como quiser, assumindo perante o governo a obrigação de compensar/devolver parte desse montante no futuro. Ao mesmo tempo, o presidente Joe Biden sancionou no início do ano uma lei que destinará ao Departamento de Defesa um orçamento no valor de 816 bilhões de dólares (R$ 4,137 trilhões), cerca de 40% superior ao total do orçamento de defesa de todos os países do mundo juntos.
Em termos de comparação, por exemplo, os gastos militares dos Estados Unidos em 2022 já foram o triplo dos gastos militares da China, sua principal concorrente geopolítica internacional. Muitos desses gastos, por sua vez, se devem justamente ao financiamento de guerras no exterior e à manutenção das mais de 800 bases militares americanas espalhadas pelo globo.
Ao elencarmos todos esses fatores, não surpreende, portanto, que uma verdadeira bomba-relógio tenha sido ativada pelos americanos, bomba essa que, ao explodir, trará consequências importantes para o resto do mundo. Isso porque embora os Estados Unidos sejam uma economia imponente, a capacidade de pagar sua dívida no médio ou mesmo no longo prazo é altamente duvidosa, dado que boa parte dos empréstimos tomados pelo governo no exterior possuem juros crescentes ao longo do tempo.
Assim sendo, com a deterioração desse quadro nos próximos anos, restará prejudicada tanto a confiança de investidores estrangeiros na economia americana quanto a confiança dos demais Estados no futuro da economia estadunidense. Além do mais, qualquer tentativa por parte da Casa Branca de imprimir moeda de forma descontrolada e excessiva, com o intuito de cobrir os juros e os gastos da dívida, poderá levar a altos índices de inflação, afetando drasticamente o quadro doméstico e o poder de compra do americano médio. Ora, em uma sociedade totalmente voltada para o consumo desenfreado de massa, essa seria uma sentença de morte para qualquer governo vigente.
Para além do já exposto, há também o impacto da dívida americana para a economia global no âmbito das reservas internacionais. Como o dólar – por enquanto – ainda é a moeda de reserva mais importante do mundo, os problemas com a dívida dos Estados Unidos terão impactos significativos na confiança dos países a respeito desse ativo.
Ora, ao manter dólares em suas reservas, os países estarão se arriscando a confiar em uma moeda que tende cada vez mais a perder valor no longo prazo. Em 2000, por exemplo, a participação do dólar nas reservas cambiais globais era de 70%. Hoje, sua participação é de 59% e a tendência aponta para sua irreversível diminuição nos próximos anos. Segundo, e talvez essa seja a consequência principal, muitos Estados já se deram conta da necessidade de diminuir sua dependência do dólar também em termos de comércio bilateral. Esse movimento, a saber, a contestação do papel do dólar como moeda de transação global, tem como carros-chefes países importantes como Rússia, China, Índia e Brasil, por exemplo.
Levantado ao longo de vários anos por Moscou, o tema da desdolarização da economia mundial tem como uma de suas principais justificativas não só a questão da dívida externa americana, mas também a utilização do dólar como arma política por parte de Washington contra países considerados indesejáveis aos interesses globais dos Estados Unidos. No mais, as declarações de Lula durante sua visita à China no primeiro semestre do ano demonstram que o Brasil e outros atores importantes já entenderam as mudanças hoje em curso e que o dólar, que vem perdendo prestígio devido às políticas erráticas da Casa Branca, não é mais digno de confiança.
No final das contas, essa bomba-relógio gerada pelos próprios americanos em breve explodirá e, quando o fizer, levará consigo a predominância antes incontestada da economia estadunidense no mundo, dando lugar enfim a um novo modelo – certamente mais justo – de relacionamento financeiro e institucional entre os Estados.
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