Governo do Brasil deseja 50 caças suecos; para especialista, aeronaves são 'protótipos'
Para modernizar a frota da Força Aérea Brasileira (FAB), que conta com aeronaves de quase 50 anos de uso, o governo federal concluiu em 2015 o acordo militar com a Suécia para a compra dos caças Gripen, após quase duas décadas de negociações. Eles já começaram a substituir os aviões atuais, mas especialistas alertam que "não estão se adaptando".
SputnikInicialmente eram previstas 66 aeronaves, número que foi reduzido para 50 para acelerar o processo. O plano para reestruturar a FAB segue a todo vapor, com contrato para a compra de 40 unidades e que abre a possibilidade de ampliar para outras 10 — atualmente, 6 já estão em solo brasileiro e uma parte será produzida pela Embraer em Araraquara, no interior de São Paulo, com suporte da companhia sueca Saab.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista em assuntos militares Pedro Paulo Rezende disse que os caças F-39 (para um piloto) e F-39F (dois pilotos) são considerados "protótipos" na Suécia.
"Esse caça foi definido como padrão da FAB em uma concorrência e selecionado como o principal do país [após as substituições, todos os caças brasileiros serão da marca sueca]. Inclusive a ideia inicial era ter mais lotes e chegar até 108. A questão é que o avião não está se adaptando bem ao Brasil. Aqui ele foi declarado operacional, mas nunca disparou um tiro e nem um míssil, porque os adaptadores que permitem levar essas armas não foram entregues ainda", argumenta.
Apesar disso, Rezende pontua que
é crucial trocar a frota, composta por pouco mais de 50 aeronaves —
os supersônicos Northrop F-5EM Tiger II e caças-bombardeiros A-1M, que serão desativados até 2029.
"Não é um desperdício de dinheiro. O problema é que é um avião completamente novo, em fase inicial de avaliação. Mas os nossos atuais caças operacionais estão simplesmente se desmanchando no ar, possuem 50 anos de uso", enfatiza.
A negociação é de quase 40 bilhões de coroas suecas, ou quase R$ 20 bilhões, pagos em parte através de um financiamento de 25 anos.
Tecnologia já é defasada
Os
problemas com o caça não se limitam à falta de operacionalidade: também são tecnológicos. Conforme o especialista em assuntos militares, o Gripen é da chamada quarta geração e meia de caças.
"Só para ter uma ideia, nos Estados Unidos já se discute a sexta geração, a Rússia tem a quinta e estuda a sexta. China está com dois projetos de quinta em uso, Turquia tem uma pesquisa própria. França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Itália desenvolvem a sexta geração. O atraso é muito grande", enfatiza.
Pedro Paulo Rezende lembra que os
caças de sexta geração são invisíveis (sobrevoam sem ser detectados por radares) e possuem
altíssima capacidade para processar dados. "É como comparar um computador da década de 1960 [os atuais caças brasileiros] com um atual", afirma. Na comparação com outros países da América do Sul, a posição da Força Aérea do Brasil, para o especialista, não é nada confortável.
"Atualmente está bem mal, porque estamos com um avião muito defasado, que é o F5. Tem gente que fala que teremos a força mais poderosa da América Latina [com os novos caças], mas o Chile está modernizando os F-16 deles. A Argentina não tem nada, Peru com uma força bastante razoável, mas com uma geração atrasada em relação à nossa, de MiG-29. E tem a Venezuela, que tem 24 [aeronaves]", pontua. Porém Rezende lembra que nenhum desses países é inimigo do Brasil.
27 de setembro 2023, 14:05
Contrapartida inclui aquisição de aeronaves da Embraer
Como contrapartida à compra dos caças suecos, o governo brasileiro quer que Estocolmo adquira aviões da Embraer para transporte militar, o KC-390.
Para Pedro Paulo Rezende, essa negociação será benéfica para o país, já que pode gerar empregos. O comandante Robinson Farinazzo, especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, também disse à Sputnik Brasil que vê com bons olhos a exigência.
"Acho muito importante porque equilibra a nossa balança comercial. Eu penso que o ideal seria, é lógico, termos uma indústria de defesa tão robusta que nós precisássemos importar o mínimo de outros países, mas já que nós ainda não chegamos nesse patamar, é importante que atrelemos as nossas compras a contrapartidas que favoreçam o nosso comércio exterior", explica.
Mesmo com tecnologia estrangeira, o comandante acredita que é essencial nas negociações para compras militares
exigir o máximo de nacionalização dos itens, seja através da fabricação de peças e acessórios no Brasil ou da capacitação dos serviços de manipulação locais. "Enfim, o Brasil precisa deter essa expertise", destaca o especialista.
Já com relação às reduções do plano de reestruturação dos caças da FAB, Farinazzo acredita que restrições orçamentárias levaram à mudança.
Para este ano, a área de Defesa tem R$ 124,4 bilhões, porém 78,2% do montante é destinado às despesas com pessoal — a expectativa é que o orçamento para investimento seja de R$ 10,8 bilhões.
"Infelizmente [os orçamentos] são minguados, não atendem às necessidades estratégicas. Isso é compreensível em um país com uma dívida social enorme, em que os investimentos para forças militares acabem não se tornando uma prioridade. Mas eu penso que se nós alterarmos a mentalidade no Brasil no sentido de começar a investir na indústria nacional e termos o nosso próprio produto, no futuro nós teremos um produto mais barato e ainda vamos compensar pelas vendas", explica.
Motor americano e assento britânico
Atualizar o patamar tecnológico da Força Aérea Brasileira é importante, segundo Robinson Farinazzo,
mas toda a tecnologia é estrangeira. "O Brasil precisava começar a pensar em parcerias que nos favorecessem mais no sentido de desenvolver as indústrias ligadas à
área de defesa no Brasil, porque a gente vê alguns problemas", conta o especialista.
É o caso do caça Gripen, que tem motor americano e assento ejetável de tecnologia britânica. Para Farinazzo, qualquer incidente diplomático pode levar o país a ter problemas na reposição de peças. "Isso aconteceu com a Argentina, que comprou caça da França, e os assentos ejetáveis são britânicos. Os britânicos têm problemas com a Argentina nas ilhas Malvinas e simplesmente proibiram o fornecimento de peças para esses assentos ejetáveis. O resultado foi que a aeronave ficou parada", finaliza.
O Ministério da Defesa foi procurado pela reportagem da Sputnik Brasil, mas ainda não se pronunciou sobre as críticas.
Exportações superam em 63% volume do ano passado
Só nos nove primeiros meses deste ano, dados do Ministério da Defesa apontam que as exportações brasileiras de produtos de defesa chegaram a US$ 1,1 bilhão (R$ 5,6 bilhões), um aumento de 63% na comparação com o ano passado, quando o país registrou US$ 648,5 milhões (R$ 3,3 bilhões).
Conforme a pasta, em setembro foram vendidas cinco aeronaves KC-390, a mesma prevista como contrapartida aos caças suecos, à Áustria e outras cinco aos Países Baixos.
"Isso reafirma o aquecimento da indústria nacional de defesa, setor que, no Brasil, representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), e gera 2,9 milhões de empregos, diretos e indiretos. O Brasil é o maior exportador de produtos de defesa da América do Sul", sublinha o ministério.