Contudo, embora o conselho tenha de fato se reunido na tarde do último domingo (8), nenhuma declaração conjunta foi emitida após o encontro, dada a falta de consenso a respeito de uma condenação veemente ao Hamas quanto aos ataques de sábado. Essa era a principal posição dos Estados Unidos, por exemplo, que logo de início manifestaram sua solidariedade incondicional para com Israel. Seja como for, apesar dos resultados da reunião no Conselho de Segurança terem sido improdutivos, poderia o Brasil ainda assim contribuir de algum modo para o apaziguamento das tensões no Oriente Médio ou mesmo acelerar o final do conflito entre Israel e as forças do Hamas?
A priori, assim como na situação envolvendo a crise no Leste Europeu, o Brasil se apresenta como um potencial intermediador entre as partes beligerantes. Afinal, compete notar que a posição oficial da diplomacia brasileira em relação ao conflito entre Israel e Palestina sugere uma solução de dois Estados, onde ambos possam coexistir lado a lado e contar com fronteiras internacionalmente reconhecidas. No mais, não é de hoje que o Brasil vem manifestando preocupação quanto à escalada da violência na região, que atingiu patamares alarmantes neste sábado, ao mesmo tempo em que defende, como sempre faz, o diálogo aberto e franco entre as partes no intuito de resolver questões complexas do passado.
O Brasil, aliás, encontra-se intimamente imbricado na história da própria formação do Estado de Israel, que deu origem às principais disputas territoriais existentes entre israelenses e palestinos. Isso porque foi justamente Oswaldo Aranha (1894-1960), diplomata brasileiro indicado por Getúlio Vargas à ONU nos anos 1940, quem desempenhou papel fundamental no processo que levou à criação do Estado de Israel após a Segunda Guerra Mundial. Oswaldo Aranha presidiu a Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947, ano em que a Resolução 181 fora aprovada, a qual recomendava a partição da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe, estabelecendo as bases para a fundação de Israel em 1948. À época, a atuação de Oswaldo e seu apoio a Israel foram importantes para obter a aprovação internacional necessária para a criação de uma nova entidade política no conturbado Oriente Médio.
Por outro lado, as relações entre o Brasil e a Palestina sempre foram bastante cordiais e envolveram uma série de aspectos políticos, econômicos e até mesmo culturais em alguma medida. Em 2010, por exemplo, o Brasil reconheceu oficialmente o Estado da Palestina com base nas fronteiras anteriores ao ano de 1967, quando teve lugar a guerra árabe-israelense, na qual Israel saiu-se vitorioso, ampliando assim seu controle sobre a região. Ora, tal reconhecimento por parte do governo brasileiro da época (sob a égide de Lula) simbolizou um gesto de apoio ao objetivo palestino de estabelecer um Estado independente e autônomo no Oriente Médio.
Não obstante, o Brasil também tem fornecido ajuda humanitária à Palestina (incluindo às partes pertencentes à Faixa de Gaza), na forma de contribuições financeiras que possam auxiliar no desenvolvimento econômico e social na região. Em 2015, já sob o governo Dilma, foi assinado inclusive um acordo de cooperação econômica entre os dois países, para o aprofundamento de suas relações comerciais. Todavia, talvez o ponto mais importante seja o fato de que o Brasil frequentemente expressa solidariedade à causa palestina em fóruns internacionais, como as próprias Nações Unidas, sem com isto alienar suas relações políticas com o Estado de Israel. O Brasil, afinal, abriga uma das maiores comunidades judaicas da América Latina, assim como possui uma comunidade árabe também bastante significativa, sobretudo na região Sudeste do país.
No mais, com relação a Israel o comércio brasileiro com o país tem crescido ao longo dos últimos anos, com ambos os Estados buscando ampliar oportunidades de cooperação em áreas como tecnologia, agricultura, segurança cibernética e energia renovável. Em 2011, por exemplo, o comércio bilateral entre os dois equivalia a 1,3 bilhão de dólares, enquanto em 2021 essa cifra chegou à casa dos 2,1 bilhões de dólares. Ocorreu também, sobretudo durante a administração recente de Jair Bolsonaro (2019-2022), uma maior aproximação política Brasil-Israel fundamentada em questões de cunho valorativo e religioso, que detinham bastante importância para a base eleitoral do anterior presidente brasileiro.
Seja como for, para além de suas relações políticas tanto com Israel quanto com a Palestina, o Brasil é reconhecido internacionalmente como um importante colaborador para a discussão de questões globais importantes, cuja diplomacia visa sempre a promoção da paz e do diálogo entre os Estados nos mais diversos fóruns multilaterais. Mesmo com relação ao conflito na Ucrânia, o governo Lula tem sinalizado sua intenção de atuar como mediador entre russos e ucranianos, reforçando o papel do Brasil como um defensor da "resolução pacífica de conflitos" (princípio que está presente na Constituição brasileira de 1988). Logo, não era de se esperar atitude diferente por parte do Brasil quanto à situação envolvendo o conflito entre Israel e as forças do Hamas na Palestina.
Com efeito, por não ser enxergado – tanto por israelenses como por palestinos – como um ator com interesses geopolíticos egoístas dentro do Oriente Médio, o Brasil pode sim exercer alguma influência no processo de apaziguamento entre as partes. Ainda assim, o fim de mais esse conflito envolvendo Israel e o Hamas na Palestina – seja ele qual for – não significará exatamente o fim dos problemas e das queixas históricas enraizadas na própria formação dos povos dessa região. Até que uma solução de dois Estados convivendo em paz e segurança seja alcançada em algum momento no futuro, restará, como fez o governo brasileiro, lamentar a perda de vidas inocentes em decorrência da violência que vem sendo perpetrada de ambos os lados.
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