Análise: eficiência no resgate de cidadãos em Israel e Gaza evidencia força da diplomacia brasileira
21:25, 16 de outubro 2023
A operação Voltando em Paz, lançada pelo governo federal para resgatar cidadãos brasileiros em Israel e na Faixa de Gaza, chamou atenção internacional, sendo elogiada, principalmente, pela rapidez e eficiência.
SputnikSegundo a mais recente atualização do Ministério das Relações Exteriores, divulgada nesta segunda-feira (16), 916 cidadãos brasileiros e 24 animais de estimação foram resgatados desde o início da operação no último dia 11. No total, foram utilizados quatro aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) no resgate. Todos decolaram de Tel Aviv, capital israelense.
Na
Faixa de Gaza, onde cerca de
30 cidadãos brasileiros aguardam resgate, a operação se torna mais complexa. Cedida pela Presidência da República, a aeronave presidencial
VC-2 (Embraer 190), de 40 lugares, foi destacada para fazer a viagem. No momento, ela se encontra em
Roma, na Itália, onde aguarda autorização
para seguir para o Egito, que faz fronteira com a Faixa de Gaza pela
passagem de Rafah. Toda a operação, no entanto, já está montada com os veículos terrestres e só
aguarda o aval de Israel e do Egito.
O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva vem se engajando pessoalmente nas negociações.
No último sábado (14), ele conversou por telefone com o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, para solicitar o apoio à retirada dos cidadãos brasileiros no aeroporto de El Arish, ressaltando que os resgatados serão imediatamente embarcados para o Brasil. O país árabe, no entanto, se mostra reticente em relação à abertura da passagem de Rafah devido a preocupações políticas e de segurança de seus próprios militares.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista em segurança internacional Héctor Luis Saint-Pierre, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que, de forma merecida, "a operação está sendo elogiada internacionalmente".
"O Brasil foi o primeiro país que se mobilizou para resgatar seus cidadãos e [retirá-los] de Israel e, agora, da Faixa de Gaza. De Israel, [a retirada] foi muito rápida, e isso se deve a uma articulação política da parte do governo Lula, que articula muito bem as Forças Armadas e a diplomacia", alega Saint-Pierre.
Saint-Pierre ainda explica que "o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Defesa são as duas gramáticas específicas da política externa" e que cabe ao governo articular politicamente esses dois quesitos.
"Isso foi feito nesse momento, em que se juntou uma excelente posição diplomática [do Brasil] no Oriente Médio com o exercício das Forças Armadas, particularmente da FAB [Força Aérea Brasileira], que disponibilizou seus aviões imediatamente para fazer o resgate", diz Saint-Pierre.
O especialista ressalta que o fato de a diplomacia brasileira historicamente prezar pelo diálogo contribuiu para a rapidez da operação. "A mobilização muito ativa da diplomacia brasileira facilitou os trâmites para executar esses voos [de resgate]."
"Esses aviões [da FAB] precisavam circular fora do registro normal das rotas comerciais. Portanto, deveriam passar pelo espaço aéreo de países para os quais precisam de autorização."
Nesse contexto, ele aponta o assessor especial da presidência, Celso Amorim, como uma espécie de coringa.
Segundo o especialista, o fato de Amorim ter uma carreira sólida e boa relação com vários atores envolvidos no conflito facilitou as discussões.
"Ele [Amorim] é um diplomata muito experiente em todos esses campos. É uma figura muito reconhecida no ambiente diplomático e de política internacional. Tem acesso e conhece pessoalmente todos os atores que estão no ambiente do Oriente Médio. Tanto os atores oficiais, ou seja, os representantes dos países, quanto representantes dos movimentos, o que permite um diálogo mais direto", explica Saint-Pierre.
'Nota 10': brasileiros descrevem o resgate do governo
O cineasta Júlio Mauro e a jornalista Carolina Rizzo são dois das centenas de brasileiros resgatados pela FAB nesses últimos dias.
Na palavra de ambos, em entrevistas cedidas à Sputnik Brasil, apesar de a situação ser de guerra, a ação do governo brasileiro foi "nota 10".
"Fomos em praticamente um comboio até o aeroporto. [Lá] conseguiram ainda um guichê preferencial […] para a gente não ter que pegar uma fila gigantesca porque o aeroporto estava totalmente lotado de gente tentando sair, então foram bem legais nesse sentido também", afirmou Rizzo.
"Fomos muito bem recebidos. Do início até o fim, foi muito legal. Recebemos um carinho e uma atenção dos tripulantes, que enfatizavam sempre que eles não estavam fazendo mais do que cumprir o seu dever [nessa] operação de resgate e garantir a nossa segurança, nosso retorno para [casa]", disse Mauro.
Carolina ainda descreve as medidas excepcionais tomadas pelo governo brasileiro para permitir a vinda de animais de estimação nos voos. Normalmente, animais só podem voar com uma autorização especial que assegura a vacinação completa contra doenças.
"Eu precisava de um documento específico. […] Teria que ir num lugar de guerra, no Ministério da Agricultura [de Israel], onde iria expor minha vida e que demoraria, no mínimo, cinco dias para ficar pronto. Eu conversei bastante com o pessoal da FAB. Eles se sensibilizaram com o meu caso, que também foi o […] de vários outros e, no dia seguinte, eles já tinham liberado a autorização, a exceção para a gente, dispensando esse documento do Ministério da Agricultura de lá."
Júlio Mauro também elogiou a disposição das equipes de resgate brasileiras de se adaptarem às necessidades dos cidadãos resgatados.
"Foi tudo muito, muito, muito bom mesmo. Até durante o voo eles estavam tentando fazer mudanças de rota, porque a gente saiu de Tel Aviv para Brasília e iríamos para o Rio, e eles fizeram […] perguntas para algumas pessoas para saberem se tinha muita gente querendo ir para São Paulo para ver se eles conseguiam fazer uma mudança ou […] outra perna para São Paulo, porque tinha gente de todo lugar do Brasil, não só Brasília e Rio de Janeiro."
Retirada dos brasileiros de Gaza será mais espinhosa
Ainda restam cerca de 30 cidadãos brasileiros presos em Gaza. Segundo Héctor Luis Saint-Pierre, dessa vez o resgate será mais complicado. Isso porque a ação deverá ser coordenada com o governo egípcio, uma vez que o voo sairá dos aeroportos do país africano.
O Egito é o único país que faz fronteira com a Faixa de Gaza, ao sul
do enclave palestino, e possui apenas um posto de controle sob a sua jurisdição: a passagem de Rafah. O governo de
Abdel Fattah al-Sisi, no entanto, está mantendo o corredor fechado.
Segundo Saint-Pierre, o governo egípcio enfrenta um embate com a oposição, "que é muito próxima do Hamas ideologicamente". Por isso, há o temor de que "uma abertura de fronteira possa engrossar essa força de oposição ao seu regime".
"É uma arquitetura política muito delicada, [em que] a diplomacia vai ter de mostrar toda sua capacidade e paciência. Mas, sem dúvida, a diplomacia brasileira tem capacidade de sobra e tem paciência", explica Saint-Pierre.
Questionado sobre o fato de o governo brasileiro não ter reconhecido o Hamas como um grupo terrorista, que poderia afetar as negociações para o resgate, Saint-Pierre afirma que, pelo contrário, isso facilita as negociações. Ele destaca que aquilo que é visto geralmente como uma posição dúbia, na verdade, é uma posição neutra.
"Não é estar do lado de um ou de outro. É simplesmente uma posição neutra, uma posição análoga à posição que tem a China, a Índia e a Rússia com relação ao conflito", explica o especialista.
"Negar o diálogo com alguma das partes em conflito significa negar a possibilidade de solução pacífica não militar de um conflito. Por isso, o Brasil é aberto a todas as partes em conflito", conclui Saint-Pierre, destacando a capacidade do país de ser um intermediador fundamental na resolução do confronto.
16 de outubro 2023, 18:44