Panorama internacional

Ponto de ebulição: guerra contra o Hamas reacende rivalidade histórica entre Israel e Irã

Enquanto Israel vem preparando sua invasão terrestre e aérea da Faixa de Gaza, o país continua a lidar com as ameaças oriundas do Hezbollah no sul do Líbano.
Sputnik
O grupo, que conta com apoio do Irã, é mais um fator de instabilidade a permear o já conturbado cenário de guerra no Oriente Médio, desvelando uma das rivalidades geopolíticas mais perigosas da região. Aqui, estamos falando justamente da rivalidade entre Irã e Israel.
Desde o advento da Revolução Iraniana de 1979, instalou-se um clima de verdadeira guerra fria entre os dois países. O governo de Teerã, com sua retórica abertamente anti-Israel e participação no fomento de grupos como o Hamas (na Faixa de Gaza) e o Hezbollah (no Líbano), tem suscitado preocupações constantes em Tel Aviv, que, por sua vez, recorre ao auxílio dos Estados Unidos como seu principal aliado.
Para além disso, recentemente tanto Israel quanto Arábia Saudita ensaiaram um processo de aproximação, patrocinado pelos americanos, cujo resultado antagonizaria ainda mais o Irã. Vale lembrar que a Arábia Saudita já tem combatido rebeldes pró-iranianos no Iêmen, em suas fronteiras ao sul, o que complicou bastante as relações entre Riad e Teerã.
Fotos de jovens vítimas coladas atrás do pódio enquanto o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, fala à multidão, reunida para protestar em Teerã em apoio aos palestinos em Gaza, em 18 de outubro de 2023
Outro elemento que serve de provação ao Irã é o fato de que recentemente os americanos têm considerado permitir com que a Arábia Saudita desenvolva o seu próprio programa nuclear para fins civis. Em essência, Riad receberia a autorização de Washington para enriquecer urânio em seu próprio território, embora com algumas salvaguardas no intuito de tranquilizar Israel.
Ora, um programa nuclear saudita, aprovado pelos Estados Unidos e com a chancela de Israel, caminharia de mãos dadas com o aumento das tensões regionais com o Irã. Ainda mais porque Teerã ainda se lembra do acordo nuclear firmado com os americanos em 2015, durante a administração de Barack Obama.
À época, os Estados Unidos ofereceram a Teerã um enorme auxílio financeiro em troca da anuência dos iranianos em reduzir o seu programa nuclear apenas e somente para fins pacíficos.
O Irã assinou o acordo junto com os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, Rússia, França, China e Reino Unido – bem como com a Alemanha e a União Europeia, mas o que parecia estar se encaminhando para um sucesso diplomático acabou ruindo pouco tempo depois.
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Isso porque a administração americana subsequente de Donald Trump achou por bem se livrar do acordo de forma unilateral em 2018, demonstrando a total incapacidade dos Estados Unidos de manter seus compromissos internacionais. Com isto, a Casa Branca voltaria a assumir novos compromissos de retaliar o Irã econômica e politicamente, contando para isso com o apoio de aliados locais como Israel, por exemplo.
Israel, aliás, que tem se mostrado receptivo à ideia de aumentar a presença americana no Oriente Médio, ainda mais no contexto atual de guerra com o Hamas. No entanto, ao passo que Tel Aviv se submete cada vez mais à proteção dos Estados Unidos, vão se extinguindo quaisquer chances de regularização e diminuição de tensões com o Irã, assim como com os vizinhos árabes.
Entretanto, se Israel tem se afastado da possibilidade de normalizar os contatos políticos com o Irã, vemos uma situação um tanto diferente quando o assunto é a Arábia Saudita. Apesar de Riad e Teerã estarem de fato envolvidos em disputas antigas por poder e influência no Oriente Médio, em março deste ano, sob patrocínio da China, sauditas e iranianos retomaram relações diplomáticas.
Mais do que isso, tanto Arábia Saudita e Irã foram convidados a participar do BRICS a partir de 2024 após a cúpula realizada na África do Sul.
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A esperada entrada de ambos no grupo, em particular, é altamente relevante do ponto de vista geoestratégico, dado que viabilizaria uma plataforma importante para a discussão de assuntos de interesse mútuo, assim como a possibilidade de eventualmente resolver suas diferenças históricas.
Assim sendo, ao passo que Arábia Saudita e Irã (mesmo que rivais geopolíticos de longa data) fazem sinalizações no sentido de apoiar a multipolaridade nos assuntos globais por meio de sua entrada no BRICS, Israel hoje se encontra desejoso de ampliar a presença dos Estados Unidos no Oriente Médio, complicando ainda mais sua posição perante o Mundo Árabe e sobretudo perante o Irã.
Para que Israel possa viver em segurança na região, ele precisa encontrar meios de forjar melhores relações não só com a população palestina que vive em seu território, mas também com Teerã. Desescalar tensões com o país herdeiro do Império Persa, embora praticamente impossível neste momento, seria uma vitória geopolítica histórica para Israel, que poderia abrir um precedente importante para que os Estados árabes também tentassem se aproximar de Tel Aviv.
Seja como for, enquanto o Mundo Árabe e Israel não chegam a um acordo a respeito de como lidar com uma solução de dois Estados na região, a projeção do Irã em disputas locais envolvendo forças jihadistas anti-Israel continuará sendo uma constante.
Afinal, apesar de não se ter confirmação sobre até que ponto o Irã esteve ou não envolvido nos ataques do dia 7 perpetrados pelo Hamas, é certo dizer que parte de seu soft power (poder brando) no Oriente Médio é construído em torno do conflito Israel-Palestina.
Isso porque tanto o Hamas quanto o Irã veem em Israel um rival a ser combatido, por conta das políticas domésticas de Tel Aviv quanto aos palestinos e em função de sua política externa de alinhamento aos Estados Unidos.
Atualmente, com os ataques sucessivos à Faixa de Gaza, tem-se reportado o início de um êxodo palestino das áreas afetadas, desencadeando protestos internacionais e fornecendo argumentos para o aumento da retórica anti-Israel em países árabes e no próprio Irã.
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Enquanto essa situação perdurar e, acima de tudo, enquanto os Estados Unidos continuarem se envolvendo nos assuntos domésticos da região (a convite ou não de Tel Aviv), seremos obrigados a assistir a esse perigoso jogo de rivalidades envolvendo Israel e Irã, que eventualmente levará o Oriente Médio ao ponto de ebulição.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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