Nesta quinta-feira (19), as Forças de Defesa de Israel (FDI) anunciaram a morte de líder do grupo palestino Comitê de Resistência Popular (CRP), Rafat Harb Hussein Abu Hilal, após a realização de ataque aéreo na cidade de Rafah, ao sul da Faixa de Gaza.
"As Forças de Defesa de Israel destruíram infraestruturas terroristas na Faixa de Gaza e mataram agentes terroristas, incluindo membros sêniores de diferentes organizações", afirmou a instituição em comunicado a imprensa.
Os ataques foram seguidos por novo anúncio do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, que atualizou o número de mortos na região para 3,5 mil.
Famílias palestinas fogem de suas casas após bombardeios israelenses na cidade de Gaza
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As notícias sobre o curso dos combates, no entanto, não revelam o impacto significativo que esse conflito poderá ter na economia de Israel e de Gaza no curto e médio prazo.
No caso de Israel, dados publicados pelo Ministério das Finanças antes da eclosão do conflito já apontavam para uma queda de cerca de 60% no Investimento Externo Direto (IED) no país, afetando sobretudo o setor de alta tecnologia.
"A queda no IED representa uma grande ameaça para a economia israelense, que é altamente dependente do capital estrangeiro", disse o pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais e professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Bruno Huberman, à Sputnik Brasil. "A economia israelense não conta com a pujança de um mercado interno a depende completamente de recursos internacionais, tanto na área de investimentos, quanto de exportações."
Já o aclamado setor de alta tecnologia israelense, que contribui para a formação de cerca de 18% do PIB local, depende exclusivamente do capital de um país: os EUA.
"O setor de alta tecnologia é completamente dependente de capital dos EUA, país que também envia ajuda econômica significativa para Israel", notou Huberman. "Ao contrário do que muitos pensam, o apoio norte-americano a Israel não se resume à esfera militar."
De fato, cerca de 3% do orçamento federal israelense é proveniente de ajuda financeira direta dos Estados Unidos, o que equivale a cerca de 1% do PIB, revelam dados compilados pelo Centro Belfer para Assuntos Científicos e Internacionais da Escola Kennedy da Universidade de Harvard. A ajuda militar norte-americana, por sua vez, constitui cerca de 20% do orçamento de defesa israelense total e 40% do orçamento das Forças de Defesa do país.
Mão de obra escassa
Com ou sem capital externo, o conflito com o Hamas deve agravar a já difícil oferta de mão de obra na economia israelense. A mobilização de cerca de 360 mil reservistas para o esforço de guerra, associada às dificuldades de acesso de trabalhadores palestinos aos seus locais de trabalho em Israel, podem gerar tensões entre o setor empresarial e o governo.
"O capital israelense é altamente dependente da mão de obra palestina, principalmente em setores precarizados, na construção civil e agricultura. São os trabalhadores palestinos que constroem Israel", explicou Huberman. "Se as restrições impostas nos check points dificultarem o acesso à mão de obra por muito tempo, o capital israelense vai reclamar."
Além disso, o setor de turismo, essencial para a saúde econômica israelense, também deve sofrer impacto significativo.
"Israel passou por um longo processo de reconstrução da sua imagem e investiu na construção de infraestrutura em cidades como Jerusalém, que é um dos principais destinos de turismo do mundo", disse Huberman. "As receitas do setor e o número de turistas em Israel devem ser reduzidos drasticamente em função do conflito."
Vista aérea da antiga cidade de Jerusalém
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A interrupção do processo de normalização das relações diplomáticas com países árabes, consolidadas nos chamados Acordos de Abraão, também pode prejudicar novos negócios e acordos de cooperação que Israel firmava com seus vizinhos, em particular com os Emirados Árabes Unidos, alertou o especialista.
"Para a economia israelense, o interessante é que o conflito seja o mais curto possível. O único setor que se beneficia é o de armamentos. Em todos os demais, vemos desvantagem no curto e médio prazo", declarou Huberman.
Economia global em estado de alerta
Os impactos do conflito na economia de Israel não devem repercutir no desempenho da economia global, aponta o professor Livre-Docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON), Bruno de Conti.
"Não acredito que o conflito vai gerar grande impacto na economia global [...] a não ser que ele se alastre por envolver outros países da região, como o Irã", disse de Conti à Sputnik Brasil.
Somente a entrada de outros países da região teria o condão de impactar os preços de combustíveis como petróleo e gás, que, segundo o especialista, "é a variável decisiva" para calcular os danos das hostilidades na economia global.
Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei, ao centro, analisa um grupo de cadetes das forças armadas durante sua cerimônia de formatura acompanhados por comandantes das forças armadas, em Teerã, Irã, 10 de outubro de 2023
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O eventual aumento de gastos dos Estados Unidos com a ajuda militar a Israel tampouco poderá gerar grandes prejuízos aos cofres norte-americanos ou diminuição na sua capacidade de investimento, acredita o economista.
"Estamos falando de um conflito assimétrico, entre Davi e Golias. Israel não deve precisar de apoio significativo dos EUA, logo não deve haver problemas para a saúde financeira norte-americana, se o conflito não escalar regionalmente", declarou de Conti.
Apesar da relativa segurança econômica global do curto a médio prazo, analistas do banco norte-americano WelsFargo ouvidos pela CNN acreditam que o conflito entre Israel e Hamas pode acelerar o processo de desglobalização econômica em curso.
Manifestantes da Jewish Voice for Peace, pedindo um cessar-fogo na guerra em curso entre Israel e o Hamas, protestam dentro do edifício Cannon House Office, no Capitólio, em Washington, em 18 de outubro de 2023
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"Esse tipo de fratura geopolítica [gerada pelo conflito entre Israel e Hamas] leva a uma redução da cooperação comercial entre países, a um menor compartilhamento de informações, tecnologias e a menos conexões entre os mercados financeiros", disse o economista do banco, Brendan McKennan.
O economista Bruno de Conti, no entanto, discorda da análise. Para ele, a globalização segue seu curso, ainda que imperativos políticos estejam modificando alguns de seus parâmetros.
"Existe maior vontade dos países de ter parte de sua produção em países amigos ou próximos geograficamente [...], mas isso não nos leva a concluir que há um processo de desglobalização em curso", argumentou o economista. "A integração econômica global segue avançando, [...] como vemos nos setores de serviços e financeiro."
A interação econômica entre os países é, aliás, a principal fonte de ameaça para a economia de Israel, acredita o professor Bruno Huberman. Para ele, o impacto negativo na imagem de Israel pode gerar a adesão de países ao movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), gerando sérios prejuízos para a economia israelense, altamente dependente do mercado global.
Manifestação em Praga pede o fim do conflito em Gaza, acusando Israel de genocídio contra o povo palestino. República Tcheca, 18 de outubro de 2023
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Criado em 2015, o movimento BDS pede o boicote à realização de transações econômicas e comerciais com Israel, a fim de garantir o fim da ocupação dos territórios palestinos e a igualdade de direitos entre cidadãos árabes e judeus residentes em Israel.
"Casos como a desavença diplomática entre a Colômbia e Israel aumenta a possibilidade de adesão de países ao movimento BDS, que realmente pode ameaçar a economia israelense. Antes seria impossível considerar essa hipótese, mas agora a possibilidade é real", concluiu o especialista.