Um dos fatores mais importantes a serem ressaltados quando essa questão é analisada é que os problemas de violência criminal do Rio de Janeiro não são exclusivos nem do Estado nem da cidade do Rio: encontram-se presentes por todo o Brasil.
Para Vinícius Domingues Cavalcante, especialista em segurança pública e diretor no Rio da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (Abseg), o Rio de Janeiro é uma "câmara de ressonância muito grande, em que tudo o que acontece […] ecoa e impacta muito negativamente na mídia". "Os problemas de segurança pública que estamos enfrentando aqui não são privilégios do Rio, eles existem também em outras unidades da federação", afirmou.
"As taxas de homicídio no Brasil todo são muito altas há muitos anos, e os estados mais violentos, hoje em dia, são aqueles que se encontram no Nordeste do país", disse Carolina Grillo, professora do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, também da UFF.
"Temos também outro problema: a maneira fluminense de tentarmos resolver os problemas ou, pelo menos, de fazer com que os problemas pareçam não existir", disse Cavalcante, destacando uma característica da segurança pública no Rio.
Outra peculiaridade do cenário fluminense, aponta Grillo, é o forte controle territorial armado, especialmente na Região Metropolitana. Segundo a pesquisadora, esse paradigma, por ter começado por aqui, é mais forte na região, mas foi exportado para outras regiões do Brasil.
"Da mesma forma, acontece com as milícias. Elas inventaram uma nova forma de se organizar, de corromper as instituições de segurança pública, e as instituições de Estado de uma maneira geral, de extrair recursos nas localidades, sobretaxando todas as atividades econômicas nos territórios ocupados e, por fim, também são atualmente copiadas em outros estados", disse a pesquisadora.
Intervenção federal: uma solução para o Rio?
Uma das soluções mais discutidas pelo público tem sido a realização de uma intervenção federal com as forças do Exército no Rio de Janeiro — atitude que foi negada pelo governo federal. Para ambos os especialistas, contudo, a última intervenção federal no Estado se mostrou infrutífera, ainda que por motivos distintos.
"Eu particularmente não acredito na intervenção federal", disse Vinícius Cavalcante. O especialista em segurança pública lembra que, na última ocasião, questões políticas atrapalharam o trabalho das autoridades.
"Quando as forças de segurança estavam efetivamente combatendo os criminosos, leia-se, incapacitando-os, matando-os, anulando-os, houve um apelo forte da mídia no sentido de frear as ações das forças de segurança. Muitas das situações que nós poderíamos ter feito no sentido de eliminar aquela criminalidade mais violenta, nós simplesmente não fizemos por questão de política", argumentou Cavalcante.
"O Rio de Janeiro já viveu uma intervenção federal na segurança pública, e o que a gente observou nas nossas séries históricas é que ela não só não conteve o avanço do controle territorial criminoso, como após a sua realização se observou o maior crescimento das milícias", apontou Grillo, destacando que facções criminosas se aproveitam do vácuo deixado pelo poder público para ocupar novamente esses espaços.
Para Grillo, a solução pode ser encontrada de outra forma que não o confronto armado. "Não há necessidade de substituir o aparato repressivo, que já é feito pelas polícias estaduais, que têm plenas condições de realizar o policiamento ostensivo", disse.
"Apostar no confronto armado é uma péssima estratégia no combate a organizações que precisam ser desmanteladas, que precisam ter suas bases econômicas desarticuladas."
Grillo, entretanto, ressalta que a ajuda federal é bem-vinda no que toca o trabalho de inteligência das forças de lei. "Seria interessante um trabalho de inteligência da Polícia Federal, que até o presente [momento] não se encontra envolvida como a Polícia Militar e como a Polícia Civil com organizações milicianas, que corrompem as instituições de segurança pública estaduais", afirmou.
"É necessário investigar as próprias instituições de Estado para que sejam desfeitas as bases econômicas da milícia e, para isso, é necessário que haja vontade política."
Rio sediará a reunião do G20 em 2024
Na mídia, os recentes ataques na Zona Oeste colocaram em xeque a habilidade do Rio de Janeiro de sediar grandes eventos internacionais, como o G20, que reunirá autoridades das 20 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana.
Para os analistas ouvidos, contudo, a preocupação com a capacidade do Rio de prover segurança para o evento é infundada. "Historicamente, os grandes eventos no Rio de Janeiro jamais foram sabotados pela criminalidade", afirmou Cavalcante, dizendo que qualquer ação criminosa contra o evento seria "um tiro no próprio pé".
"O Rio já sediou uma série de eventos internacionais, já recebeu a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos, [entre] outras reuniões importantes com chefes de Estado", lembrou Carolina.
"O que ocorre é que, a cada grande evento desse, o Estado normalmente utiliza práticas de demonstração de força logo antes e promove chacinas, como foi o caso da Chacina do Pan, em que a polícia assassinou 17 pessoas pouco antes da realização do evento", analisou Grillo, sublinhando também que um desses casos ficou muito famoso graças ao filme "Tropa de Elite", que tem como pano de fundo as operações policiais que ocorreram no Morro do Turano antes da visita do Papa em 1997.
Nesse sentido, argumenta Carolina Grillo, "a polícia é perfeitamente capaz de garantir a segurança para a realização de um megaevento no Rio de Janeiro".