O conflito que estourou em Israel no começo do mês passado está tendo vários desdobramentos graves, tanto internos quanto externos. Porém, um fato parece certo: a queda brusca de popularidade do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
O Financial Times relata que os israelenses estão se unindo após o ataque que vitimou 1.403 pessoas e que há apoio à invasão terrestre da Faixa de Gaza e ao objetivo de guerra de Tel Aviv de destruir o Hamas. No entanto, apesar da onda de patriotismo, mesmo os da direita estão furiosos com o primeiro-ministro.
Segundo a mídia, grande parte da frustração do público com o premiê está centrada na sua firme recusa em pedir desculpas pelo fracasso de Israel em prever ou impedir o ataque de 7 de outubro, principalmente porque o líder sempre defendeu que o serviço de inteligência israelense é um dos melhores do mundo.
Uma sondagem publicada no jornal Maariv no final do mês passado revelou que 80% dos israelenses queriam que ele assumisse a responsabilidade pelas falhas de inteligência e segurança que precederam o ataque.
Apenas 29% dos entrevistados disseram que Netanyahu era o seu primeiro-ministro preferido, uma queda acentuada quando comparado a antes da guerra, enquanto 48% escolheram Benny Gantz como um líder melhor. Ele é presidente do Partido da Resiliência de Israel, grupo de centro-direita, e membro do gabinete de guerra.
"Netanyahu nunca esteve em um ponto tão baixo", disse Tamar Hermann, investigadora sênior do Instituto de Democracia de Israel (IDI, na sigla em inglês).
O conselheiro do premiê que se tornou analista político, Aviv Bushinsky, tem a sua própria teoria sobre a razão pela qual o primeiro-ministro se recusa a assumir qualquer culpa.
"Ele está preocupado que isso se torne uma frase de efeito que seria tocada até enjoar e prejudicaria as suas perspectivas de permanecer no poder", disse Bushinsky, ouvido pelo Financial Times.
Embora a máquina partidária do Likud tenha até agora se unido em torno do primeiro-ministro, a sua resistência está alimentando um afastamento mais amplo do partido, escreve a mídia.
Ainda de acordo com o jornal, a raiva de Netanyahu é palpável nas ruas estreitas de Machane Yehuda, um grande mercado coberto no centro de Jerusalém que há muito tempo é reduto do partido Likud.
"Netanyahu se vendeu como senhor segurança, e então isso aconteceu. Ele tem que ir. Bibi acabou, de jeito nenhum ele poderá permanecer no poder depois disso", afirmou Ya'akov Levin, vendedor de vinho no mercado e defensor de longa data do partido ouvido pela mídia.
A insatisfação popular atingiu novos patamares depois de Netanyahu dizer em um post no X (antigo Twitter), no final de outubro, que os chefes militares e de segurança de Israel não haviam fornecido qualquer aviso sobre o ataque do Hamas.
Homem com placa mostra cinco rostos do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu manchados com marcas de mãos vermelhas durante protesto pedindo a libertação de reféns mantidos por militantes palestinos desde o ataque de 7 de outubro. Tel Aviv, 28 de outubro de 2023
© AFP 2023 / Ahmad Gharabli
O primeiro-ministro provocou uma resposta furiosa, com Benny Gantz insistindo que ele se retratasse. "Quando estamos em guerra, liderança significa mostrar responsabilidade", escreveu ele no X. Netanyahu excluiu a postagem ofensiva e pediu desculpas.
Altos funcionários civis e militares — incluindo o ministro das Finanças de Israel, o chefe da inteligência militar, o chefe do Shin Bet e o chefe do Estado-Maior — admitiram todos os fracassos na preparação para o ataque do Hamas, mas Netanyahu se recusou até agora a assumir a responsabilidade pelas deficiências.
Vale lembrar também que, meses antes do ataque, milhares de israelenses foram às ruas para protestar contra a reforma do sistema judicial proposta pela coligação do primeiro-ministro, que inclui partidos judeus de extrema-direita e ultraortodoxos.
O plano dividiu profundamente o país e desencadeou o maior movimento de protesto da história de Israel, a ponto de Joe Biden convidar Netanyahu para uma reunião em Washington após expressar preocupação sobre a democracia no país, escreveu o jornal O Globo em julho. Portanto, o desgaste político de Bibi vem em movimento progressivo.
Forças de segurança israelenses montam guarda enquanto manifestantes agitam a bandeira nacional na entrada do Knesset, em meio a uma onda de protestos que durou meses contra a planejada reforma judicial do governo, em 24 de julho de 2023
© AFP 2023 / Menahem Kahana
Questionado se seria formado um inquérito estatal para investigar as falhas em uma conferência de imprensa no sábado (28), Netanyahu disse: "Depois da guerra, todos terão de dar respostas a perguntas difíceis, e isso me inclui."
Ele disse que as autoridades "não deixarão pedra sobre pedra" na investigação do desastre de 7 de outubro, mas que a sua "missão suprema neste momento é salvar o país" e levá-lo a uma "vitória decisiva sobre o Hamas".