Panorama internacional

Países da América Latina rompem com Israel: qual o impacto disso na relação do país com o Brasil?

O governo boliviano rompeu relações diplomáticas com Israel, no último dia 31 de outubro, por considerar desproporcional a ofensiva na Palestina que já matou mais de 11,5 mil pessoas, segundo dados do Ministério da Saúde da Palestina desta terça-feira (14).
Sputnik
Em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, o professor de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Alexandre Hage, e o historiador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Roberto Santana, avaliam o impacto das decisões para os países diretamente envolvidos, para a América Latina e o que esperar no cenário latino-americano a partir dos vínculos estremecidos.
Santana elenca que a atitude de trazer de volta os embaixadores — tomada por Colômbia e Chile e, posteriormente, como ele relembra, Honduras — representa "um sinal de protesto".
O caso mais extremo foi, de fato, o da Bolívia, anunciado em entrevista coletiva pela ministra da Presidência, María Nela Prada, ao lado do vice-chanceler das Relações Exteriores, Freddy Mamani.
Bolívia, Colômbia e Chile, além de estarem territorialmente no mesmo continente, são governados hoje por políticos de esquerda que, segundo Santana, têm um posicionamento mais crítico quanto aos ataques israelenses a Gaza. "Os governos de esquerda tendem a ser mais críticos a Israel e mais solidários à causa palestina", resume. No caso do Chile, ele relembra outro agravante: o país conta com a maior comunidade palestina fora da Palestina.

"É importante a posição da Bolívia romper nas relações diplomáticas. É importante a posição da Colômbia, do Chile, convocando os seus embaixadores. É importante a posição do Brasil também de condenação, inclusive a posição pessoal do próprio presidente Lula, utilizando as redes sociais, utilizando a imprensa também, para colocar a sua posição no que está acontecendo na Faixa de Gaza", disse.

Para Hage, o rompimento do governo boliviano nas relações diplomáticas com os israelenses pode ser lida como "um pouco apressada". "Dá a impressão de que eles querem agradar alguma opinião pública internacional. […] Estão tratando mal um país que tem muito a oferecer em vários aspectos, do ponto de vista da ciência, do ponto de vista da informática, do ponto de vista do turismo", avalia.
Apesar dos fatores listados acima, Hage acredita que a decisão, tomada por fatores ideológicos, tanto para a Bolívia quanto para Honduras — que também rompeu com Israel — têm pouco impacto prático na política boliviana.

"Do ponto de vista prático, para eles não vai trazer nada porque não é a opinião de Honduras que vai mudar a atitude de Israel com relação às operações militares. Assim também é para a Bolívia", interpreta.

O professor de relações internacionais reitera que o rompimento das relações diplomáticas é algo grave e que, nesses casos, o ideal é "o meio termo e que muitos governos (Chile e Colômbia, por exemplo) estão fazendo, que é convocar os embaixadores em Israel para fazer nota. Quando você convoca o embaixador brasileiro em Tel Aviv para explicações, já é um ato de agravo", completa.
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E o Brasil, deve manter ou romper relações diplomáticas com Israel?

O principal ponto de tensão entre Brasil e Israel no período recente foi em relação aos 32 brasileiros presos na Faixa de Gaza.
A situação, entretanto, foi resolvida no domingo (12), quando atravessaram a passagem de Rafah após algumas tentativas frustradas.

"Nós estamos trazendo o que foi possível liberar com muito sacrifício, porque dependia da boa vontade de Israel, dependia da quantidade de pessoas, porque a gente não sabia. Todo dia [eu] ligava de manhã e de tarde, ligava com o ministro de Israel, ligava com o ministro do Egito, ligava com o nosso embaixador", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na segunda-feira (13), durante a cerimônia de sanção da atualização da Lei de Cotas, no Palácio do Planalto, em Brasília.

Para o professor Roberto Santana, o Brasil poderia romper totalmente as relações diplomáticas com Israel.

"Não há nenhum setor econômico importante nosso que seria avariado por um rompimento de relações com Israel. A maior parte que o Brasil importa de Israel são aparelhos de repressão e vigilância; […] sinceramente, eu não acho que é isso que o Brasil precisa."

O professor da UERJ pontua, ainda, as incongruências do Estado de Israel que, conforme ressalta, "é um Estado à luz da lei internacional". "O que Israel faz com os palestinos é um crime de genocídio, é um crime de limpeza étnica. […] à luz do direito internacional, é um Estado pária. Ele vive à margem da lei internacional, ele vive à margem das convenções internacionais."
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Entretanto, com a posição adotada pelo governo brasileiro, como mediador do conflito, o historiador acha difícil que a relação entre Brasil e Israel chegue nesse ponto.
"O Brasil, que deseja ser um mediador dos grandes assuntos internacionais, de ser a voz da América Latina, faz com que eu não acredite em um rompimento, porque quem quer ser mediador não pode romper com as partes." Santana lembra ainda que o Brasil, em sua posição diplomática, "reconhece o Estado de Israel e luta para que seja finalmente materializado o Estado palestino".
Em um eventual cenário de sanções generalizadas por parte dos países latino-americanos, Santana acredita ser uma oportunidade para o Brasil pressionar Israel em busca de soluções para o conflito. "O Brasil pode, por exemplo, colocar na mesa […]: 'Olha, eu não rompi relações com você, eu estou tentando mediar. Você está sendo intransigente, só que sejam os outros países da América Latina, todos eles convocando embaixadores, alguns até rompendo relações. Eu preciso que você sente para conversar comigo. Se não, a minha posição também fica insustentável.'"
Hage, por sua vez, não vê o rompimento das relações Brasil-Israel como algo viável e positivo.

"Se romper com Israel, vai ser uma tragédia. Por quê? Porque você tem uma comunidade judaica aqui que é expressiva […]. Ela tem peso. Da mesma forma que você tem uma comunidade libanesa que também pesa, é importante."

O professor reforça, ainda, que Lula acerta na neutralidade e no papel de tentar fazer do Brasil um mediador: "Tem que saber lidar com os dois lados porque qualquer peça que mova pode fechar a porta que você depois não vai abrir no tempo que quer. O Brasil é uma potência média."
Ainda na cerimônia de sanção da atualização da Lei de Cotas, Lula endureceu o discurso em relação a Israel e classificou a atitude do país como "tão grave quanto foi a do Hamas".
O presidente inclusive voltou a classificar o grupo palestino como terrorista e afirmou que Israel está matando inocentes sem nenhum critério. "Joga bomba onde tem criança, tem hospital, a pretexto que um terrorista está lá", disse.
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Outras sanções podem trazer prejuízos a Israel

Assim como Hage, Santana acredita que o rompimento diplomático entre Bolívia e Israel não tem impacto relevante. Porém, caso Israel sofra sanções de países como a Colômbia, o prejuízo pode ser significativo para o país do Oriente Médio.
"A posição da Colômbia é uma posição mais pesada, porque a Colômbia é uma grande exportadora de café e de outros produtos agropecuários muito importantes e não é um país qualquer."
Além disso, há outras exportações importantes da América Latina que abastecem Israel, como o caso da proteína animal.
"São produtos que não são possíveis de se produzir em Israel e é muito mais barato comprar de países latino-americanos", completa Santana.
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