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Conflito entre Israel e Palestina escancara 'guerra cultural' da política brasileira, diz analista

Nenhum tema, seja econômico ou social, demonstra a polarização política existente no Brasil como o conflito entre Israel e a Palestina. Os lados do conflito internacional, tão distantes da realidade nacional brasileira, parecem se alinhar perfeitamente aos campos políticos do Brasil.
Sputnik
Nas últimas semanas, a situação em Gaza vem inflamando os ânimos de partidários à esquerda e à direita.
De acordo com José Renato Ferraz da Silveira, professor do curso de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a polarização política brasileira não é um fenômeno recente, "mas o conflito em Gaza reforçou essa divisão".
"A esquerda brasileira 'abraçou' a causa palestina, enquanto a direita — alinhada ao bolsonarismo — fincou raízes em Israel", disse Silveira.
Historicamente, aponta José Paulo Martins Junior, cientista político e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), os interesses da direita brasileira sempre tiveram um "alinhamento automático aos interesses dos Estados Unidos", enquanto a esquerda se posiciona a favor das minorias. "O PT, por exemplo, sempre esteve ao lado da criação de um Estado palestino."
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O atual clima político que vivemos, afirma o professor Silveira, vem de um contexto de polarização crescente desde as últimas eleições presidenciais que, segundo explica, é um embate entre dois movimentos que "chamamos de bolsonarismo e petismo".

"Já se passou um ano da eleição para presidente, e o país ainda continua dividido e polarizado. Mesmo algumas mudanças nos índices econômicos não arrefeceram os ânimos mais exaltados e desconfiados do governo Lula."

Nas últimas semanas, esse embate ideológico ficou evidente com as ações da Embaixada de Israel, que promoveu um evento que contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e parlamentares de oposição.
Partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e o Partido Verde (PV), afirmaram não ter sido convidados para a reunião. "No Brasil, esses alinhamentos são bem claros", disse Martins Junior.
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A presença de Bolsonaro foi amplamente contestada, uma vez que o político não possui mais cargo oficial no governo brasileiro.
Vice-líder do PT no Congresso, Lindbergh Farias defendeu a expulsão do embaixador israelense Daniel Zonshine do país pela presença do ex-presidente. A Embaixada de Israel, contudo, afirmou que não convidou Bolsonaro e sua presença se deu de forma "fortuita".

Conflito em Gaza pode influenciar a próxima eleição

Conforme destaca o internacionalista, os posicionamentos e as ações do governo em relação ao conflito em Gaza podem virar assunto nas próximas eleições.
Em primeiro lugar, porque grande parte do eleitorado brasileiro é composto por cristãos evangélicos que "enxergam o povo israelense como um 'irmão'", afirmou Silveira. "É inegável a força do eleitorado evangélico."
Martins Junior também destaca a importância da questão religiosa para o próximo processo eleitoral.
"Quem consegue equacionar essa questão consegue um governo que seja para todo mundo", afirmou.
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Outro ponto, destaca Silveira, é que nos últimos anos um abandono de temas econômicos tem ocorrido na política brasileira, como questões de reformas e infraestrutura, e a adoção de pautas de costumes, a exemplo do aborto e de banheiros unissex, apontou o especialista.

"O debate político brasileiro é uma 'guerra cultural', uma 'guerra de narrativas' interminável."

Dessa forma, as mesmas iniciativas do governo brasileiro podem ser vistas de diferentes formas, a depender da lente ideológica de quem está observando.
Se os eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) veem com bons olhos os esforços da diplomacia brasileira para a retirada dos brasileiros da região e a luta por uma resolução de cessar-fogo no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), "o eleitor médio e bolsonarista verá como um fracasso diplomático brasileiro a resolução e a demora em reconhecer o Hamas como terrorista".

"Eles veem também a retirada de brasileiros da região como mérito do 'prefeito de Sorocaba', que é pastor e alinhado ao bolsonarismo, e do próprio 'negociador' e 'diplomático' ex-presidente Jair Messias Bolsonaro."

Já Martins Junior é mais moderado. Ele acredita que, apesar da questão religiosa e da política internacional estarem "ganhando destaque nas disputas políticas", isso não deve gerar grandes impactos para as eleições de 2024. "Isso pode até ser explorado", afirmou, "mas não creio que em 2024 isso seja determinante".
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