O Comando do Exército Brasileiro está finalizando o processo de compra de 36 novos veículos blindados de combate obuseiros, estimada em R$ 1 bilhão. Os recursos foram disponibilizados pelo projeto Novo PAC, que garantiu R$ 6,7 bilhões para os projetos estratégicos do Exército entre 2024 e 2027.
O cronograma da força prevê que até dezembro uma lista com os concorrentes finalistas será divulgada. De acordo com fontes ouvidas pela Sputnik Brasil, os modelos mais cotados são oriundos de Israel, França e China. A brasileira Avibrás também concorre com um modelo que adapta o indiano Tatra às demandas do Exército.
De acordo com o professor doutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Sandro Teixeira Moita, o parque de artilharia brasileiro precisa ser atualizado urgentemente.
"O conflito na Ucrânia demonstrou que a artilharia rebocada é muito vulnerável a drones e fogo de contrabateria", disse Moita à Sputnik Brasil. "O Exército [Brasileiro] está interessado em blindados de artilharia autopropulsados, ou canhões sobre rodas, que são mais efetivos em atirar e se retirar da posição rapidamente."
A artilharia brasileira é atualmente composta de veículos adquiridos no período da Segunda Guerra Mundial que, mesmo se modernizados, ainda teriam vida útil limitada. Outra atualização será a do calibre, que deve passar dos atuais 105 mm para o 155 mm, conhecido como "padrão OTAN".
Obuseiro blindado Panzerhaubitze 2000 durante exercício do Exército dos EUA em Grafenwoehr, Alemanha, 20 de julho de 2022
© AP Photo / Michael Probst
"O Brasil utiliza muito material militar de origem ocidental, que atendem ao padrão OTAN. Então seria difícil operar um outro calibre que não esse", considerou Moita. "Mesmo a empresa chinesa que está concorrendo, a Norinco, apresentou seu veículo na versão de 155 mm, justamente para atender às demandas do Exército Brasileiro."
O Brasil produz munições de calibre 155 mm, ainda que em volumes modestos. De acordo com o professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, os novos veículos garantiriam um aumento da demanda por munições nacionais.
"Uma das demandas nessa concorrência é que uma empresa brasileira como a IMBEL [Indústria de Material Bélico do Brasil] possa adquirir o know-how para produzir munição de 155 mm em maior quantidade, garantindo mais autossuficiência para o Brasil", considerou Moita.
Segundo ele, a concorrência é "didática", já que o Exército Brasileiro elencou detalhadamente quais as características dos veículos que procura e suas demandas relacionadas ao conteúdo nacional.
Modelo de avião KC-390 Millennium que poderá ser usado pela FAB para transporte de brasileiros que tentam deixar a Ucrânia
© Foto / Wilhan Campos / Força Aérea Brasileira
"O Exército elencou muito bem os seus requisitos operacionais, isto é, qual o canhão que quer, com qual capacidade de tiro, desgaste e manutenção", assegurou o professor. "Por exemplo, uma demanda é que os veículos possam ser transportados por aeronaves KC-390 ou KC-390 Millennium [fabricados pela brasileira Embraer]."
Gasto ou investimento?
Apesar das demandas detalhadas, alguns especialistas criticam a compra almejada pelo Comando do Exército. Para o analista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, Robinson Farinazzo, o Brasil deveria utilizar o dinheiro para investir na produção nacional de veículos de artilharia.
"Todos concordamos que é necessário revitalizar o nosso parque de artilharia. Mas se o Novo PAC for usado só para comprar equipamentos militares do exterior, inclusive de países que vivem cutucando o Brasil na Amazônia, será um desperdício de dinheiro", disse Farinazzo à Sputnik Brasil.
Segundo ele, o ideal seria efetuar a compra de um projeto estrangeiro para executá-lo nacionalmente. Ainda assim, a escolha dos parceiros internacionais deveria ser feita com maior rigor, acredita o analista.
"Não podemos esquecer as lições da história. A Argentina comprou mísseis franceses e, durante a guerra das Malvinas contra o Reino Unido, não pode contar com reposições, já que Paris era aliada de Londres", notou o oficial da reserva da Marinha.
Obuseiro Caesar é exposto em feira de segurança e defesa Eurosatory, em Paris, no dia 13 de junho de 2022
© AP Photo / Jeffrey Schaeffer
A principal crítica, no entanto, é que os recursos destinados à compra no exterior poderiam ser investidos na Base Industrial de Defesa brasileira, a BID.
"Estamos deixando de investir na nossa indústria e exportando empregos. Não podemos trabalhar com o dinheiro público dessa forma", lamentou Farinazzo. "O projeto de lei de aumento de gastos em defesa deveria estar atrelado a investimentos na Indústria nacional."
Professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Sando Moita concorda que a BID deve receber recursos, mas lamenta que não há projeto no Brasil capaz de atender às demandas da artilharia do país.
"A crítica é válida e desenvolver a BID é extremamente relevante", disse Moita. "O problema é que, diferentemente de outros projetos estratégicos, não há um projeto de prateleira de um canhão brasileiro. Então comprando esse material agora, poderemos dar início a uma ideia de substituição dele no futuro por um material brasileiro."
O desenvolvimento de um projeto brasileiro "da prancheta até o protótipo em condições de confiabilidade" poderia levar de dez a quinze anos, considerou Moita.
Cerimônia do Dia do Soldado, com a imposição da Medalha do Pacificador e da Medalha Exército Brasileiro (foto de arquivo)
© Marcos Corrêa / Palácio do Planalto / CC BY 2.0
"A verdade é que, neste momento, para modernizar a sua artilharia – uma necessidade estratégica premente – não temos canhão brasileiro autóctone em vias de ser produzido", concluiu o especialista.
De acordo com o cronograma do Comando do Exército, o anúncio da proposta vencedora para a compra de veículos blindados de combate obuseiros deve ser divulgada em maio de 2024. Os recursos para a compra são oriundos do programa Novo PAC, anunciado em agosto de 2023 pelo governo federal, que prevê a alocação de R$ 53 bilhões em projetos do setor de defesa.