Até recentemente, a presença da Arábia Saudita e do Irã em um mesmo grupo seria algo inimaginável devido à intensa rivalidade que sempre marcou a diplomacia entre os dois. No entanto, a partir do próximo ano, os países se unem ao BRICS, que atualmente é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Além deles, irão se tornar membros Argentina, Etiópia, Egito e Emirados Árabes Unidos. O professor de políticas de comércio exterior e de economia no FGV Management Paulo Ferracioli disse à Sputnik Brasil que o episódio representa uma vitória da diplomacia chinesa que "incomoda demais os Estados Unidos".
Com a diplomacia retomada, a China passou a defender o ingresso da Arábia Saudita e do Irã no BRICS para deixar de vez as divergências de lado. "Era uma vitória meio inacreditável alcançada pela diplomacia chinesa, sem que houvesse grandes oposições. Tanto que neste último mês, o presidente do Irã [Ebrahim Raisi] visitou a Arábia Saudita e teve encontros com o rei [Salman bin Abdulaziz Al Saud]", acrescentou.
E para além do
bastidor diplomático sobre o sucesso chinês na missão em aproximar dois inimigos antigos do Oriente Médio, o que representa a entrada da Arábia Saudita no grupo a partir de 2024? Para Paulo Ferracioli, materializa
um novo posicionamento do BRICS em criar alternativas ao dólar nas transações entre os países, principalmente na área de energia. "E, neste processo, uma das coisas que foi surgindo muito fortemente foi a ideia de buscar formas de fazer operações, sejam financeiras, mas principalmente comerciais, que pudessem ser feitas em moedas que não dólares", enfatiza.
Historicamente,
a nação árabe possui uma aliança "profundamente íntima" com os Estados Unidos desde 1945, quando em troca de fornecer petróleo mais barato, o
país norte-americano garantiria a segurança do reino saudita. Na sequência, a venda do combustível fóssil do país ao restante do mundo passou a ser exclusivamente via dólares, o que também ajudou a consolidar a parceria.
Esses objetivos em comum, segundo o professor da FGV, foram um dos fatores mais importantes que culminaram no acordo com o BRICS em um momento em que os
países do bloco já começavam a fazer transações em moedas como rublos, yuans e rupias — cenário também intensificado por conta das sanções contra um dos principais países do bloco, a Rússia.
Já a mestre em direito público Arminda Ludmila Deveza Martins da Rocha, integrante da comissão internacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e especialista em Oriente Médio, ressaltou à Sputnik que a expansão do BRICS irá
fortalecer as bandeiras dos países árabes e africanos, "trazendo novos contornos e expansão nas cooperações com essas nações". Além disso, a diversidade geográfica, econômica e ideológica com a entrada de países como a Arábia Saudita pode funcionar como ferramenta
alternativa ao sistema global, com o fortalecimento de laços entre os divergentes.
Outro ponto importante ressaltado pela especialista é como o grupo vai ajudar seus membros a terem resiliência em momentos de choque econômico global. "[…] o BRICS tem diferentes pontos fortes econômicos que vão ajudar a personalizar os impactos adversos em momentos de crise, principalmente em crise econômica."
Aliado a todos esses fatores, o professor Ferracioli lembra que há um ambicioso projeto em andamento que busca tornar a Arábia Saudita muito mais do que um mero exportador de petróleo. "Em breve, vai se tornar um país sofisticado tecnologicamente", pontua. Com isso, segundo o especialista, há a possibilidade de encontrar apoios importantes dentro do grupo.