Panorama internacional

Aliada dos EUA e antiga inimiga do Irã: o que representa a entrada da Arábia Saudita no BRICS?

Grande exportadora de petróleo e um dos países mais estáveis do Oriente Médio, a entrada da Arábia Saudita no BRICS a partir do próximo ano surpreendeu o mundo. Apesar de ser alinhado historicamente aos EUA, especialistas analisam que o país busca diversificar alianças e até o uso de moedas alternativas ao dólar em suas transações financeiras.
Sputnik
Até recentemente, a presença da Arábia Saudita e do Irã em um mesmo grupo seria algo inimaginável devido à intensa rivalidade que sempre marcou a diplomacia entre os dois. No entanto, a partir do próximo ano, os países se unem ao BRICS, que atualmente é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Além deles, irão se tornar membros Argentina, Etiópia, Egito e Emirados Árabes Unidos. O professor de políticas de comércio exterior e de economia no FGV Management Paulo Ferracioli disse à Sputnik Brasil que o episódio representa uma vitória da diplomacia chinesa que "incomoda demais os Estados Unidos".

"Era uma relação impossível. Durante anos esses países não se visitavam, e não era interesse americano que acabaria com essa divergência […]. Apareceu uma diplomacia chinesa completamente sofisticada e conseguiu conversar com os dois lados. No dia em que Xi Jiping [presidente da China] foi eleito para o terceiro mandato, o Irã e a Arábia Saudita foram convidados [para a posse] e tocaram o acordo que faria com que voltassem em um futuro próximo a ter relações diplomáticas", resume o especialista.

Com a diplomacia retomada, a China passou a defender o ingresso da Arábia Saudita e do Irã no BRICS para deixar de vez as divergências de lado. "Era uma vitória meio inacreditável alcançada pela diplomacia chinesa, sem que houvesse grandes oposições. Tanto que neste último mês, o presidente do Irã [Ebrahim Raisi] visitou a Arábia Saudita e teve encontros com o rei [Salman bin Abdulaziz Al Saud]", acrescentou.
E para além do bastidor diplomático sobre o sucesso chinês na missão em aproximar dois inimigos antigos do Oriente Médio, o que representa a entrada da Arábia Saudita no grupo a partir de 2024? Para Paulo Ferracioli, materializa um novo posicionamento do BRICS em criar alternativas ao dólar nas transações entre os países, principalmente na área de energia. "E, neste processo, uma das coisas que foi surgindo muito fortemente foi a ideia de buscar formas de fazer operações, sejam financeiras, mas principalmente comerciais, que pudessem ser feitas em moedas que não dólares", enfatiza.
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Historicamente, a nação árabe possui uma aliança "profundamente íntima" com os Estados Unidos desde 1945, quando em troca de fornecer petróleo mais barato, o país norte-americano garantiria a segurança do reino saudita. Na sequência, a venda do combustível fóssil do país ao restante do mundo passou a ser exclusivamente via dólares, o que também ajudou a consolidar a parceria.

"Isso durou sem nenhum problema por bastante tempo, até que a Arábia Saudita, nos últimos anos, teve uma série de pequenos problemas e, com isso, começou a se interessar em deixar de ser, digamos, totalmente obediente aos desígnios americanos, e resolveu procurar apoios. Além disso, começou a discutir seriamente a eliminação dessas necessidades de vender somente em dólares", pontuou o analista.

Esses objetivos em comum, segundo o professor da FGV, foram um dos fatores mais importantes que culminaram no acordo com o BRICS em um momento em que os países do bloco já começavam a fazer transações em moedas como rublos, yuans e rupias — cenário também intensificado por conta das sanções contra um dos principais países do bloco, a Rússia.

"Isso colabora para que você não fique preso a uma única moeda. Essa é a ideia, não é uma coisa antiocidental, mas é pró-país, para tornar um mundo mais plurilateral. Do ponto de vista do BRICS, que pretendia desde o início fugir de um unilateralismo, isso caiu como uma luva e foi bem aceito pela Arábia Saudita."

Maior presença nos mercados emergentes

Já a mestre em direito público Arminda Ludmila Deveza Martins da Rocha, integrante da comissão internacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e especialista em Oriente Médio, ressaltou à Sputnik que a expansão do BRICS irá fortalecer as bandeiras dos países árabes e africanos, "trazendo novos contornos e expansão nas cooperações com essas nações". Além disso, a diversidade geográfica, econômica e ideológica com a entrada de países como a Arábia Saudita pode funcionar como ferramenta alternativa ao sistema global, com o fortalecimento de laços entre os divergentes.

"A Arábia Saudita terá vantagens potenciais que vão incluir a diversificação econômica, porque, historicamente, ela é altamente dependente do petróleo. Ainda vai colaborar com outros membros do BRICS em setores como tecnologia, manufatura e serviços, além do acesso a mercados emergentes. Então, participar desse grupo vai proporcionar maior oportunidade de investimento", argumenta.

Outro ponto importante ressaltado pela especialista é como o grupo vai ajudar seus membros a terem resiliência em momentos de choque econômico global. "[…] o BRICS tem diferentes pontos fortes econômicos que vão ajudar a personalizar os impactos adversos em momentos de crise, principalmente em crise econômica."
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Futura potência tecnológica

Aliado a todos esses fatores, o professor Ferracioli lembra que há um ambicioso projeto em andamento que busca tornar a Arábia Saudita muito mais do que um mero exportador de petróleo. "Em breve, vai se tornar um país sofisticado tecnologicamente", pontua. Com isso, segundo o especialista, há a possibilidade de encontrar apoios importantes dentro do grupo.
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