Panorama internacional

Se acordo com UE emperrar, Mercosul pode recorrer ao Sudeste Asiático durante presidência paraguaia?

Uma negociação que se arrasta há quase 25 anos promete ser resolvida "aos 45 minutos do segundo tempo". O acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia já foi pauta de inúmeros governos e nesta semana ganhou um novo capítulo, com Milei, na Argentina: líderes dos blocos tentam finalizar o pacto até 10 de dezembro, quando acontece a posse.
Sputnik
Dias antes, em 7 de dezembro, o Brasil passa a presidência do Mercosul para o Paraguai. Porém o presidente Santiago Peña já expressou publicamente que caso Brasília não consiga viabilizar a negociação a tempo, vai desistir do acordo e focar na Ásia. Inclusive a cúpula prevista para a data já tem uma possível novidade: o anúncio do tratado de livre-comércio entre o bloco e Cingapura.
Conhecida por formar o grupo dos Tigres Asiáticos, Cingapura também faz parte da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês), que conta com outros nove membros e no ano passado alcançou um PIB de US$ 3,6 trilhões (R$ 17,5 trilhões), valor que só não é superior no mundo aos de países como Estados Unidos, China, Japão e Alemanha. Afinal, o Paraguai pode conseguir o que o Brasil não tentou e selar relações de livre-comércio do Mercosul com grupos como a ASEAN?
Especialistas pontuaram à Sputnik Brasil que é uma tarefa difícil, mas não impossível. Diante de uma média anual de expansão do PIB de 5,7% entre 2000 e 2019, além de responder por 10% do crescimento de toda a economia global neste ano, a parceria com a associação asiática é crucial para o Mercosul, afirma o professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Alexandre Uehara. Para o especialista, o bloco sul-americano possui um atraso enorme em realizar novos acordos comerciais e a ASEAN é uma região atualmente estratégica para qualquer relação.
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"Pode abrir caminhos para exportação não só de produtos agropecuários, mas tentar vincular para a indústria. Quem mais cresce no mundo não são os países produtores de commodities, mas que exportam produtos de maior valor agregado, que durante crises internacionais não têm valor tão volátil", explica.
No próprio Brasil, a balança comercial com o Sudeste Asiático saltou de US$ 2,9 bilhões (R$ 14,1 bilhões) para US$ 34 bilhões (R$ 165,6 bilhões) em 20 anos, segundo o governo federal. O especialista ressalta que o número, que já é inclusive maior que o das exportações brasileiras para o próprio Mercosul, é apenas uma amostra dos benefícios de uma parceria com a ASEAN.

"Ainda tem o lado positivo [da presidência paraguaia a partir de dezembro]. O Paraguai, assim como o Uruguai, tem buscado ampliar acordos do Mercosul. São países menores que acabam impulsionando essas buscas, enquanto Brasil e Argentina, por serem internamente mais complexos, levam mais tempo para a chegada de consensos. Creio que pode ser uma presidência mais entusiasmada com essas novas negociações, apesar de ser uma economia pequena dentro do bloco e que necessariamente vai precisar do apoio brasileiro e argentino", disse.

Sociólogo e historiador pela Universidade de São Paulo (USP), o paraguaio Ronald León Núñez acrescentou à Sputnik Brasil que Assunção tem uma relação diferente com a União Europeia (UE) na comparação com Brasília. "Basta olhar para as particularidades do comércio exterior paraguaio, no qual a UE ocupa um lugar menos importante. A Europa é o segundo destino comercial do Brasil, com volumes que representam 15% de suas vendas, enquanto para o Paraguai representam só 4% das suas exportações e 65% são para o próprio Mercosul e o Chile", pontuou.
Com isso, conforme o especialista, há motivos para o país "olhar outros mercados" durante a presidência no bloco, apesar de acreditar que as declarações de Santiago Peña não ultrapassem o campo do discurso. "Eu acredito que essas falas implicam mais em uma pressão para acelerar o processo de negociações do que uma reticência a assinar. E nesse sentido, não há diferença com a pressão brasileira, à qual, em última instância, o presidente Peña se alinharia", pontua.
O professor de relações internacionais do Ibmec Brasília Ricardo Caichiolo também vê a ASEAN como uma boa alternativa para o Mercosul.
"Seja por meio de um bloco econômico, seja isoladamente, os países buscam o seu interesse. O Brasil, por exemplo, tem como grande parceiro comercial a China, tanto em termos de importação quanto exportação. Então é absolutamente natural que se o Paraguai, por meio do Mercosul, não conseguir avançar nas negociações com a União Europeia, adote rumos que sejam favoráveis e interessantes para ele", afirmou.
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País terá papel em 'harmonizar' relações

Para além dos acordos comerciais, o professor Ricardo Caichiolo acredita que um dos principais papéis do Paraguai na presidência do Mercosul será "harmonizar" as relações entre os países-membros, principalmente com o novo governo argentino. "Temos o Lula, o Luis Alberto Lacalle Pou [presidente do Uruguai] e agora o Milei [Javier Milei, presidente eleito da Argentina]. Então, até por haver uma certa proximidade ideológica entre a nova Argentina e o Paraguai, já que Peña tem tendência mais voltada para a direita, a atuação do país, e especificamente do seu presidente, vai ser importante nessa interlocução", resume.
Outra pauta que o especialista acredita que o Paraguai pode defender é a mudança nas regras do Mercosul, que não permite que os membros realizem acordos individuais com outros blocos ou países do globo. Esse inclusive é um pleito antigo do Uruguai, pontua, que só não fechou acordo bilateral com a China por conta dessa restrição.

"O que eu imagino que pode acontecer ao longo dos próximos meses é uma tentativa de rever essa proibição para que seja possível não só para o Uruguai, mas também o Paraguai ter maior flexibilidade de assinatura de acordos de livre-comércio com países de fora do Mercosul", acredita.

Sem mudança significativa

Mesmo com promessas, discursos e expectativas, o historiador Ronald León Núñez acredita que o Paraguai não deve promover nenhuma mudança significativa no Mercosul. Conforme o especialista, em 32 anos de vigência do bloco o país ainda obteve poucas vantagens econômicas e políticas, também em razão de sucessivos "governos corruptos e submissos".

"O Paraguai é a última economia do bloco e, nesse sentido, esteja ou não na presidência do Mercosul, não tem o poder político e diplomático para impor seus próprios interesses ou ter um papel de protagonista, muito menos, na minha opinião, com o governo de Peña, que pertence ao Partido Colorado. É uma sigla historicamente submissa aos interesses não só das grandes potências mundiais, como também regionais, como as elites do Brasil e da Argentina", argumenta.

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