De um lado, entrar no grupo dos principais países exportadores de petróleo — a maior parte deles no Oriente Médio — aumentará o poder de barganha do Brasil em negociações multilaterais nos mais diversos âmbitos. Afinal, desde meados do século XX, a necessidade de alimentar as economias em pleno desenvolvimento da Europa e da Ásia fez com que as potências ocidentais passassem a depender do petróleo como principal fonte de energia nos âmbitos militar, industrial e civil.
Ao longo dos anos, com o progresso da indústria energética e a maior complexidade dos mercados e da própria economia global, os Estados detentores de recursos naturais como petróleo e gás começaram a ganhar cada vez mais importância no jogo de poder das grandes potências. Assim sendo, temas como "segurança energética" ou "soberania energética" adquiriram um significado verdadeiramente estratégico para muitos governos, simbolizando a capacidade de produzir e processar a totalidade da energia consumida domesticamente, sem ter de depender de terceiros.
Nesse ínterim, foi que o petróleo se consolidou como a fonte de energia mais cobiçada do mundo, tendo como principal característica sua versatilidade, ou seja, por permitir diversos tipos de uso através de seus derivados, obtidos sobretudo por meio do refino. Pode-se considerar, portanto, que qualquer país que detivesse petróleo em abundância em seu território já adquiria uma automática importância para a economia mundial. Tal situação também se estende ao Brasil. Além de ser o principal produtor de petróleo na América Latina, o país é internacionalmente reconhecido como um dos principais atores no cenário energético do Sul Global.
Diante desse quadro, não surpreende a atenção que é dada à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), criada em 1960 no Iraque, que visa estabelecer políticas comuns para a produção e venda da commodity nos mercados internacionais. Composta especialmente por países do Oriente Médio, mas também por atores extrarregionais como a Venezuela, a OPEP foi aos poucos ampliando a sua rede de cooperação com outros países importantes no ramo energético, a exemplo de Rússia, Noruega, Egito, México e, agora, o Brasil.
É sabido, por sua vez, que muitos dos países da OPEP — especialmente os mais ricos em recursos naturais — sofreram ao longo do século XX, e até mesmo no século XXI, diversas intervenções por parte de potências ocidentais. Disso resultou, por exemplo, o fato de o Oriente Médio ser hoje uma das áreas mais problemáticas e conflitantes do planeta, situação comprovada novamente por conta do atual conflito em Gaza. Vale lembrar que a região é visada tanto por americanos quanto por europeus em função da existência de reservas de gás natural no leste do mar Mediterrâneo — apelidada de Leviatã —, contidas justamente ao longo do litoral da Faixa de Gaza e de Israel.
Seja como for, os países da OPEP, ao concentrarem a esmagadora maioria da produção do petróleo consumido no mundo e mais de 70% das reservas mundiais da commodity, continuarão a influenciar a dinâmica de poder global nas próximas décadas. Até em razão disso, o convite feito à Arábia Saudita, ao Irã e aos Emirados Árabes Unidos para integrar o BRICS a partir do ano que vem aumentará ainda mais a importância do grupo frente ao G7, dado que, com a entrada desses novos membros, o BRICS consolida seu papel geopolítico e geoeconômico global.
Da esquerda para a direita: Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Xi Jinping (China), Cyril Ramaphosa (África do Sul), Narendra Modi (Índia), Sergei Lavrov (Rússia), durante cúpula do BRICS em Joanesburgo, África do Sul, 23 de agosto de 2023
Fora essas questões, também há a preocupação atual dos países do BRICS em incentivar o investimento em fontes renováveis de energia para um crescimento sustentável das economias de seus países-membros. Tal situação tende, no longo prazo, a colocar alguns freios no uso do petróleo como recurso energético pelas próximas décadas. Não por acaso, a entrada do Brasil na OPEP, segundo o presidente Lula, visará influenciar justamente o processo de transição energética hoje em curso no mundo, no sentido de diminuir o consumo de combustíveis fósseis.
De todo modo, tratando-se do momento atual, está bastante evidente que a inclusão do Brasil como membro observador na OPEP traz, sim, benefícios do ponto de vista político, mas também traz a necessidade de refletir sobre alguns problemas de ordem doméstica, referentes à soberania energética do país.
Como ponto positivo, o Brasil é autossuficiente em termos de produção e consumo diários de petróleo desde 2016. No entanto, o país não é autossuficiente em termos de refino, dependendo principalmente dos Estados Unidos para as suas importações de petróleo refinado. O vizinho do norte chega a responder sozinho por mais da metade de todas as importações brasileiras do produto, por exemplo.
Tratando-se do gás natural, entre 2016 e 2020, segundo dados da análise estatística da bp sobre a energia mundial, o país apresentou uma média de 35,6 bilhões de metros cúbicos de consumo anual, com uma produção de 25 bilhões de metros cúbicos no mesmo período, tornando-o dependente de importações da vizinha Bolívia e novamente dos Estados Unidos.
O Brasil deve usar esse momento para pensar em estratégias de deter o controle não somente da produção como também do refino do petróleo, dado que depender tecnologicamente dos americanos pode trazer consequências negativas para o futuro. Washington está acostumado a utilizar qualquer tipo de vantagem sobre seus parceiros para chantagear governos que optem por exercer uma política externa independente. Portanto, é essencial que o Brasil procure diminuir esse tipo de risco, especialmente na questão energética.
Em suma, a entrada do Brasil na OPEP+ como membro observador abre, sim, oportunidades para o país exercer maior influência nos mercados globais, mas também suscita a necessidade de repensar estratégias para atingir uma soberania energética. Afinal, em um mundo em que os Estados Unidos e seus aliados aprenderam a bloquear o desenvolvimento de nações e de regiões inteiras, a busca pela soberania — especialmente em termos dos recursos naturais que o Brasil possui — deve sempre estar na ordem do dia.
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