Panorama internacional

Analistas: políticas internas de Milei afetam mais o Brasil do que bravatas geopolíticas

Durante o período eleitoral, o novo presidente argentino, Javier Milei, prometeu uma série de medidas econômicas radicais, que vão desde o afastamento dos principais parceiros comerciais, por questões ideológicas, à dolarização completa da economia. Fica então a pergunta: como essas políticas vão afetar realmente o Brasil?
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Para especialistas ouvidos pelos jornalistas Thaiana de Oliveira e Maurício Bastos, apresentadores do podcast da Sputnik Brasil, Jabuticaba Sem Caroço, o que mais pode influenciar a economia brasileira não são as medidas internacionais de Milei, mas as políticas internas que ele tomará em seu exercício.
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Isso porque, como explica Livio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e sócio da BRCG Consultoria, a economia brasileira e a economia argentina são integradas. "São integradas como deveriam ser? Não, mas também não são completamente dessincronizadas", afirmou.

"Se você pegar a correlação do ciclo econômico em um todo, do PIB [produto interno bruto] brasileiro e do PIB argentino, ela é superior a 70%. Então são economias que têm uma relação muito próxima."

A maior proximidade, aponta Jeová Costa Lima Neto, advogado aduaneiro e sócio do escritório RC LAW, está nos produtos industriais. Se, por um lado, ela é a terceira maior compradora de bens brasileiros, "é imprescindível lembrar que a Argentina é o país que mais recebe os produtos brasileiros industriais", destaca.

"Então, com certeza, o desempenho argentino tende a afetar muito alguns setores industriais específicos do Brasil."

Outro caso ilustrativo da integração de ambas as economias é o do aumento pontual do comércio da soja, afirma Ribeiro. Ao contrário da Argentina, o Brasil não é um grande exportador de óleo de soja. No entanto, na última safra, a Argentina sofreu uma grande perda por conta do fenômeno La Niña.
"O que aconteceu? A Argentina começou a comprar soja em grão do Brasil num volume que nunca comprou. Evidentemente, com a volta do campo argentino, esse comércio não vai ocorrer. Mas você vê como tem uma relação direta entre esses dois países até por canais que às vezes a gente desconhece."
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Cenário interno da Argentina afeta o Brasil

As promessas de Milei, chamadas de bravatas por especialistas, não deverão incomodar tanto o Brasil. Se, por um lado, é difícil que ele se afaste do Brasil e, provavelmente, do Mercosul, por outro, dada a proximidade de ambas as economias, as políticas que ele tomará internamente poderão ter um profundo impacto por aqui.
"O desempenho argentino tende a afetar muito alguns setores industriais específicos do Brasil", afirmou Costa Lima.
A afirmação do advogado aduaneiro, explica, vale tanto para cenários positivos quanto negativos. Se Milei tiver um impacto interno, colocando o país em uma rota de crescimento sustentável e baixa inflação, isso "será muito interessante para setores brasileiros".
No entanto, conforme destaca o especialista, a mentalidade ultraliberal de Milei não é compartilhada por todos os setores argentinos, nem mesmo por grande parte de sua base, e quaisquer reformas que ele quiser passar deverão ser negociadas com diferentes camadas da sociedade.

"A Argentina tem sindicatos muito fortes, tanto sindicatos laborais quanto sindicatos patronais", lembrou Costa Lima. "Então, o que poderá acontecer? Será que vai ter uma onda de protestos na Argentina? Será que Milei vai conseguir sobreviver politicamente a uma onda de protestos?"

Um caso extremo: a dolarização

Uma das propostas mais extremas e polêmicas de Milei é a de dolarizar completamente a economia argentina. Para Ribeiro, as consequências de uma medida dessa virá em dois momentos. Em primeiro momento, haverá uma queda na inflação, que será seguida por uma "profunda desorganização do tecido produtivo e social argentino".
Hoje, sublinha o economista, a dolarização da economia argentina seria a medida mais prejudicial para a parceria comercial entre o Brasil e a Argentina.
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A economia argentina, explica Ribeiro, sobrevive hoje graças à depreciação do preso, que barateia seus produtos no mercado externo. Se sua produção industrial, por exemplo, passar a ser denominada em dólares, "vai ser um choque de produtividade abrupto de uma hora para a outra".

"A sociedade argentina é incapaz de ter dólar como a sua moeda porque ela não tem nem de perto o nível de produtividade e de competitividade [da economia] americana. Panamá e Equador também não têm, mas eles são economias tão pequenas que, na prática, isso não faz muita diferença."

De acordo com Ribeiro, não há como a economia da Argentina, que tem uma estrutura produtiva muito diferente da norte-americana, se adequar a decisões de políticas monetárias que são tomadas para o ciclo estadunidense.

"Seria, na minha opinião, um caos."

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