O tema foi debatido no episódio desta quarta-feira (13) do Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Thaiana de Oliveira e Maurício Bastos.
Nos últimos sete anos, aponta Maria Isabel Couto, diretora de dados e transparência do Instituto Fogo Cruzado, foram registradas 283 chacinas policiais no Rio, que resultaram em 1.137 mortos. "Estamos falando de três chacinas policiais por semana. Não dá pra dizer que isso é exceção. Isso é cotidiano, faz parte da política pública de segurança do Rio de Janeiro", afirmou.
Ao mesmo tempo, os dados do instituto apontam que os policiais também são grandes vítimas dessa política de segurança pública. No mesmo período de sete anos, houve um total de 1.690 agentes de segurança baleados, sendo 646 mortos, uma média de um a cada quatro dias. Destes, 137 foram mortos em serviço. "Esse é um dos efeitos da lógica do confronto adotada pelo estado do Rio de Janeiro", afirmou.
"Só que 80% deles estão mortos fora de serviço, e não em serviço. Nesse ponto, a gente percebe que a lógica de vitimização policial não é uma lógica do serviço policial necessariamente em si."
Repensando a segurança pública do Rio
"É claro que ninguém, nenhuma sociedade, deveria tolerar esse tipo, esses níveis de violência", afirma Robson Rodrigues, antropólogo, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coronel da reserva da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ).
Para o especialista, o problema da segurança pública do Rio de Janeiro existe por um acúmulo de fatores, que vão desde problemas econômicos, sociais, a erros na mentalidade do sistema de segurança pública e justiça criminal.
"Você tem uma série de questões que vão alimentar uma criminalidade e […] vai ter uma incapacidade do Estado de controlar de forma inteligente, racional, esse tipo de criminalidade."
Para Rodrigues, é preciso analisar tudo isso em conjunto para só então "propor políticas mais acertadas, respeitando os direitos humanos e qualificando". "Entendendo também a polícia", destaca.
É preciso entender "que o policial não é uma máquina, embora muitas vezes a própria polícia vai maquinizar o homem dentro de um ethos militar, de um ethos guerreiro, que em outras palavras é a brutalização do seu próprio integrante".
"Então é uma tragédia social, dadas essas características, todas essas complexidades, e dada também a incapacidade de o governo propor políticas mais saudáveis — do ponto de vista não só físico, material, psicológico, mas também mais saudáveis socialmente falando, e mais eficientes."
No sentido de propor melhores políticas de combate ao crime, Couto ressalta a importância dos dados colhidos pelo Instituto Fogo Cruzado. "Se a gente não tem informação, a gente faz uma política pública no escuro. A gente faz uma política pública baseada em achismos, baseada em negacionismos", afirmou.
A diretora de dados e transparência criticou o governo do estado do Rio de Janeiro por não reconhecer esses dados e, por isso, "não conversa com as várias organizações da sociedade civil que estão produzindo dados de qualidade no Rio de Janeiro para pensar em como qualificar a sua própria produção de dados para fazer política baseada em evidências e tirar as pessoas da linha de tiro".
"É preciso cobrar das nossas instituições, dos nossos governantes, para que proponham políticas mais criativas, mais acertadas", resumiu Rodrigues.
Nesse sentido, Paulo Storani, mestre em antropologia social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e capitão veterano do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da PMERJ, destaca o retorno da Secretaria de Segurança Pública (SSP) como uma boa notícia, uma vez que ela representa a coordenação entre as forças policiais civil e militar do Rio de Janeiro.
O capitão, no entanto, ressalta que esse é apenas o primeiro passo para uma maior coordenação na segurança pública fluminense.
"Essa integração depende muito da forma como o secretário de Polícia Militar e de Polícia Civil conversam entre si, começa lá em cima e com os órgãos ali abaixo deles. Nós estamos falando de comandos intermediários, de comandos de unidade, quer seja uma delegacia, quer seja um batalhão, de como eles interagem entre si para atender a população."
"Quando você integra, […] tem ali um nível de gestão; no caso, um secretário para gerenciar também esses conflitos", diz Storani.