"Creio que não avançamos como deveríamos. Em geral, 2023 foi um ano ruim. De maneira global, a América Latina não progrediu na integração. As expectativas para o próximo ano não são muito boas. Se eu for otimista, espero que seja um ano em que não retrocedamos em termos de integração", afirmou Cristian Fuentes à Sputnik, mestre em ciência política e professor da Universidade Central do Chile.
Em 17 de julho, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, declarou que considera não haver consenso para relançar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), planejando "debater possíveis formatos para restabelecer o diálogo político de alto nível na região". Essa afirmação ocorreu após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocar em Brasília uma reunião de presidentes sul-americanos, na qual pediu a ressurreição do grupo para avançar na integração dos países sem começar do zero.
Fundada em 2008 com o objetivo de aumentar o intercâmbio cultural, social e comercial, a Unasul está em crise desde 2018, quando vários países-membros se retiraram da entidade devido a diferenças políticas.
Já em 7 de dezembro, a Cúpula do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro, encerrou sem conseguir chegar a um acordo com a União Europeia (UE), um dos temas mais esperados do evento.
A última reunião de presidentes da Aliança do Pacífico foi em janeiro de 2022, já que em 2023 foi cancelada por conta de tensões diplomáticas entre o México e o Peru, que suspenderam a atuação do grupo. No meio do ano, chanceleres dos quatro países da aliança (Chile, Peru, Colômbia e México) se reuniram em Santiago, onde o país anfitrião recebeu a presidência por um mês e depois a transferiu para o Peru.
Quais são as principais dificuldades de integração dos países latinos?
Fuentes, que também foi diretor do Programa de Relações Internacionais da Fundação Chile 21 entre 2010 e 2014, afirmou que um dos problemas para impulsionar a integração na região é a necessidade de promover acordos amplos que não dependam das oscilações ideológicas dos governos.
"Acredito que a questão da integração deve sair do ciclo político. Quando governos de direita assumem, há menos integração. Quando os governos de esquerda assumem, há mais. Acho que isso precisa mudar. Acordos muito amplos precisam ser feitos. Mas, como são muito amplos, é mais difícil concretizá-los", opinou.
Com relação ao próximo ano, o analista adverte que as diferenças na política externa entre os governos da Argentina e do Brasil podem ser um obstáculo ainda pior no avanço da integração latino-americana.
"Há esse perigo, essa ameaça à integração. Agora, acredito que a Argentina não está em condições de ter relações ruins com ninguém. Por exemplo, com a China, que é seu principal credor e mutuante. Também não com o Brasil. A economia argentina está muito integrada ao Brasil. Acredito que eles [o governo argentino] vão fazer um esforço para promover uma aproximação", alertou.
O novo presidente da Argentina, Javier Milei, afirmou durante a campanha eleitoral que, se eleito, não faria "negócios com nenhum país comunista", incluindo China, Rússia e Brasil.
No entanto, em seu terceiro dia de governo, o presidente argentino, que assumiu em 10 de dezembro, enviou uma carta ao seu homólogo chinês, Xi Jinping, para descongelar um acordo financeiro de US$ 5 bilhões (R$ 24,5 bilhões) feito pela administração anterior. Além disso, manifestou interesse em fortalecer a relação com o Brasil.
Em 6 de dezembro, uma fonte do Ministério das Relações Exteriores brasileiro disse que, para o Brasil, a relação com a Argentina é "prioritária" e quer dar tempo ao novo governo para definir o futuro dos laços bilaterais.
Qual é a relação entre o BRICS e a hegemonia dos Estados Unidos?
Outro tema relevante para 2024 é a relação entre o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e os EUA. A partir do próximo ano, o grupo vai receber novos membros: Egito, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Já a entrada da Argentina se tornou uma incógnita por conta do novo governo.
Para Pedro Díaz Polanco, doutor em direito internacional e professor da Escola de Administração Pública da Universidade Austral, na Argentina, essa relação pode se tensionar no próximo ano na região, principalmente devido às diferenças entre Pequim e Washington.
"O Brasil, por um lado, liderará os países da região para exigir que as grandes potências, de alguma forma, parem de se impor. A China, por outro lado, exercerá pressão para que os Estados abandonem o dólar. E, portanto, as pressões chegarão [à região]", afirmou.
O especialista destacou o tamanho do mercado representado pelo BRICS e pela liderança chinesa, mas indicou que a posição do novo governo argentino eliminou a possibilidade de adesão ao bloco.
"É importante lembrar que o novo presidente argentino recebeu uma carta de Xi Jinping, convidando-o a integrar o conglomerado, enaltecendo os importantes ganhos compartilhados que o vínculo geraria. A resposta negativa de Milei — embora tenha suavizado o tom em relação à China, em comparação com o que havia declarado como candidato — foi categórica: a Argentina é parceira dos EUA. Assim, infere-se que o governo de Milei em nenhum caso estará disposto a fortalecer o declínio do dólar promovido pela China", acrescentou.
13 de dezembro 2023, 08:25
Díaz Polanco opinou que é "muito difícil" que o BRICS possa ter "alto impacto" nos países da América Latina, porque os EUA desempenham um "papel essencial" nos sistemas políticos da região.
Por outro lado, Fuentes destacou o grupo como um "espaço muito valioso de convocação para o Sul Global" e disse que a decisão da Argentina de não ingressar "vai prejudicar muito mais" o novo governo.