"Certamente não será um período em que teremos um Mercosul mais aprofundado do ponto de vista político e social, como a gente teve no início deste século. Ou pensar, por exemplo, no resgate da Unasul [União de Nações Sul-Americanas], que era algo que a gente esperava que fosse ser mais liderado pelo Brasil ao longo de 2023", comenta a professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernanda Nanci.
"Milei efetivamente não defende o multilateralismo, a aproximação com a China ou a aproximação com o Brasil no plano do discurso. Mas o Brasil é parceiro essencial da Argentina na região e o comércio exterior argentino depende das relações com o Brasil, assim como depende das relações com a China, que também foi extremamente criticada por Milei durante seu processo eleitoral", avalia.
Essequibo e eleições na Venezuela
"Então analisar o que vai acontecer na Venezuela neste ano é fundamental para entender seu impacto na América Latina", argumenta o acadêmico.
Acordo Mercosul-União Europeia: ainda dá para ter esperança?
"É mais uma imposição do que os europeus querem com as cláusulas do que atendendo às necessidades dos países sul-americanos. Não é fácil, estamos falando de 20 anos de acordo. A questão é que esse acordo envolve inúmeros interesses discrepantes da União Europeia e do Brasil, do Mercosul, principalmente de latifundiários, da área da agropecuária", reflete ela.
Bolívia no Mercosul
"Não acredito que fará grande diferença para o bloco nem em termos econômicos, comerciais, nem em termos políticos. O Mercosul está muito esvaziado, enfraquecido. Eu não acredito que a entrada da Bolívia, que é um país que também não está pujante na região neste momento, vai ser o suficiente para fortalecer a integração na sub-região", declarou Nanci.
"O próprio Paraguai também apoia uma liberalização maior do Mercosul. Acho que o Brasil terá um papel importante, e o presidente Lula deve fazer esforços para manter o grupo unido e coeso", opinou o cientista político.
Focando no copo meio cheio: pauta ambiental deve ser fortalecida
"O Brasil fez esse resgate de tentar se posicionar como liderança que trata do tema do meio ambiente na região […], tem buscado liderar a integração nesse sentido, na discussão de formas de combater em conjunto com os outros países o desmatamento ilegal, lidar com os efeitos de mitigação das mudanças climáticas", disse a professora da UFRJ.
"É preciso também que esse processo de transição energética inclua ouvir essas comunidades que vão ser mais afetadas, porque não basta você perguntar apenas lá na frente, na substituição de combustíveis fósseis, se isso também está afetando aqui no presente essas comunidades."
"Há algumas contradições que precisam ficar mais evidentes, porque já o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, vem tendo um discurso mais firme a favor da eliminação do uso de combustíveis fósseis", comenta.
"Em 2024, sinceramente, acho que o Brasil deveria reforçar a sua capacidade de ser uma potência na região. O Lula falou muito sobre a retomada da integração regional no discurso de posse, em vários outros discursos que fez quando encontrou com os países, com os representantes dos países, seja na OTCA [Organização do Tratado de Cooperação Amazônica], seja na ONU, e por aí vai, de que a integração na região era um elemento central. Acho que falta uma posição mais firme sobre o que vamos fazer, qual é a nossa proposta para a integração na América do Sul e na América Latina e Caribe", conclui Nanci.