O BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) recentemente adicionou os importadores líquidos de grãos Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU) em 2024, quase igualando a produção e o consumo de grãos essenciais dentro do grupo.
Nestas circunstâncias, a associação pode criar a sua plataforma comercial própria e negociar seus cereais dentro do grupo sem utilizar o dólar americano, é o que observa uma carta da União Russa de Exportadores de Cereais ao Ministério da Agricultura da Rússia, divulgada pela mídia russa.
"Estatisticamente, é verdade que 25% do comércio de trigo é trigo russo", disse Vladimir Petrichenko, CEO da empresa analítica ProZerno, à Sputnik. "Da mesma forma, mais de 25% do comércio de milho é de milho brasileiro. Além disso, se falarmos de soja, então, cerca de 58% do comércio mundial é de soja brasileira. Ao mesmo tempo, a China é o maior comprador de milho e trigo, o Egito é o maior comprador de trigo, embora em menor grau; mas compram trigo da mesma forma que a China, 12 milhões de toneladas por ano. Agora se soma a Arábia Saudita, principal comprador de cevada. Mas ainda assim, os principais produtos são o trigo, o milho e a soja. E para todos eles, principalmente considerando aqueles que aderiram em janeiro, este é um mercado enorme."
Os países do BRICS representam uma grande parte e, em alguns casos, mais de metade do mercado destes produtos agrícolas, destacou o especialista. "Resumindo, esta fruta está madura para ser colhida", sublinhou Petrichenko.
Bolsa de grãos do BRICS
Na carta ao ministério, o presidente da União Russa de Exportadores de Cereais, Eduard Zernin, argumentou que estes desenvolvimentos criam as condições prévias para a formação de uma "bolsa de cereais" do BRICS. Ele acredita que a Rússia poderia desempenhar "o papel de fornecedor de último recurso", ao qual "outros exportadores líquidos poderão aderir mais tarde".
"Temos pré-requisitos sérios para criar nossa própria plataforma de negociação com liquidações em qualquer uma das moedas dos países do BRICS e, no futuro, em uma moeda de compensação especial na Rússia ou em um dos países com um sistema financeiro forte e uma moeda livremente conversível além do dólar", argumentou Zernin.
A iniciativa governamental de criar uma bolsa coletiva de grãos não seria suficiente, é necessária também a participação comercial dos operadores dos mercados de grãos e oleaginosas, segundo Petrichenko.
"A criação de uma bolsa não é, em muitos aspectos, inteiramente uma questão governamental. Ou seja, é criada por operadores comerciais. Portanto, deve haver um trabalho conjunto entre operadores estatais e não estatais. Se olharmos para a bolsa chinesa de Dalian, a sua influência na precificação nos mercados é insignificante, embora o faturamento lá seja muito grande", explicou o especialista, expressando otimismo com as perspectivas do empreendimento.
Tendo abandonado o dólar americano, o grupo precisaria escolher uma moeda de compensação adequada, continuou o especialista.
"Outro ponto-chave é a parte de compensação. Ou seja, como será o centro de compensação, onde estará e, o mais importante, em que moeda serão feitas as prestações de conta", disse Petrichenko.
Ocidente jogará areia nas engrenagens do BRICS?
Segundo Petrichenko, haverá uma resistência muito forte a este processo por parte dos países designados pela Rússia como "hostis" na sequência da onda de sanções sobre a operação militar especial de Moscou na Ucrânia. Os principais países ocidentais e os seus satélites tentaram paralisar o comércio de energia e de cereais da Rússia, em uma tentativa de fazer a economia do país explodir. No entanto, esse truque não funcionou.
"[A Rússia] já deslocou consideravelmente os EUA e a União Europeia [UE] no mercado do trigo", observou o especialista. "O Brasil pressionou muito os EUA no mercado de milho. Pelo menos agora o Brasil exporta mais milho que os Estados Unidos. E no mercado de soja, o Brasil é o número um há muito tempo. Portanto, haverá resistência e sabotagem muito fortes por parte dos exportadores vocalmente hostis."
Ele espera que o processo de "redistribuição dos mercados" não seja fácil. Ainda assim, é provável que os EUA e a UE vejam a sua cota global substancialmente diminuída no futuro, segundo Petrichenko.
"Neste momento parece difícil imaginar, dado que os principais operadores nestes mercados são empresas transnacionais com sede nos EUA e na UE. Ou seja, apesar de tudo, existem intervenientes neste mercado — empresas transnacionais. Elas representam um 'contingente hostil' para o BRICS e especialmente para a Rússia", concluiu o especialista.