A reunião de domingo de autoridades de segurança nacional ocidentais em Davos sobre a "proposta de paz" da Ucrânia terminou "sem um caminho claro a seguir", com a mídia empresarial britânica relatando que a única "conquista" das negociações foi uma "foto de família mais diversificada do que da última vez" que incluiu representantes de países com relações estreitas com a Rússia, como Brasil e África do Sul.
"Não houve progresso em um acordo de paz real. Isso seria impossível sem a Rússia, e a Rússia não foi convidada. Mas esse não é o ponto", assegurou o Financial Times em um resumo alegre da reunião, dizendo que o objetivo era "lembrar" outros países que "a Ucrânia, e não a Rússia, é quem está tentando falar sobre paz".
Deixando de lado que esta afirmação hipócrita ignora as repetidas tentativas de Moscou de cortar a crise ucraniana pela raiz em 2014, evitar que esta se transforme em uma guerra por procuração da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra a Rússia de pleno direito em 2022, e de sinalizar a disponibilidade para dialogar nos próximos dois anos desde então, é importante salientar que a "fórmula da paz" de Zelensky nem sequer pretende incluir a Rússia na conversa, chegando ao ponto de tentar manter as suas reuniões em segredo.
E talvez com um bom motivo. A fórmula de Zelensky exige que a Rússia desista da Crimeia, de Donbass, de Zaporozhie e de Kherson, pague reparações à Ucrânia, submeta os seus funcionários e militares a tribunais de guerra e faça outras concessões unilaterais que se parecem menos com um acordo de paz e mais com exigências contra um poder capitulado. Previsivelmente, Moscou rejeitou a proposta, tendo o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, recentemente qualificado a proposta como "produto de uma imaginação doentia".
O ministro das Relações Exteriores suíço, Ignazio Cassis, admitiu que um processo de paz não poderia ser iniciado sem a participação da Rússia.
O truque de mágica de Zelensky: transformando o possível em irrealista
"Um ponto importante deve ser destacado aqui: a paz não é mais uma palavra impossível ou indizível, e a ideia de negociação está novamente em cima da mesa. Mas aqui é importante compreender que a posição da Ucrânia ainda não é realista", disse Jacque Sapir, diretor de estudos da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais, com sede em Paris, à Sputnik.
"Na mente dos governantes de Kiev, a paz deve passar através da vitória militar e da reconquista pelas Forças Armadas ucranianas dos quatro oblasts [territórios] — Kherson, Zaporozhie, Donetsk e Lugansk — e da Crimeia. Esse é o conteúdo do chamado 'plano de dez pontos'", explicou Sapir, destacando a exigência fundamental da proposta de Zelensky.
O analista compara a abordagem impassível de Kiev a um "movimento de abertura" e acredita que o regime de Zelensky pode estar disposto a prosseguir opções mais "realistas", incluindo a ideia de que a Rússia participe efetivamente das negociações de paz, particularmente "já que a situação militar está agora se deteriorando para Kiev".
"Os líderes da Ucrânia sabem muito bem que não estão em posição de almejar uma vitória completa, ou mesmo parcial, contra a Rússia. Mas têm falado tanto de uma 'vitória' que precisam encontrar uma forma de explicar à sua própria população — e aos países da OTAN — porquê e como vão chegar a acordo sobre um compromisso", disse Sapir.
Se e quando as conversações prosseguirem e a posição de Kiev suavizar, Sapir sugeriu que seria interessante ver "como os líderes ucranianos abandonarão os seus dez pontos sem dizer que estão os desrespeitando".
"No final, os governantes ucranianos têm de compreender que iniciar um verdadeiro processo de negociação implica a eliminação da maioria, senão de todos os chamados dez pontos", pontuou o observador.
Os patrocinadores de Kiev têm uma série de ferramentas em seu cinto que poderiam usar para "encorajar" Kiev a se sentar à mesa se, por algum motivo, decidissem fazê-lo, disse Sapir, que vai desde suavizar os termos para uma potencial adesão à União Europeia (UE), até fazer com que a OTAN suspenda novas entregas de armas até o início das negociações, ou mesmo levantar parcialmente as sanções contra Moscou.
"Se a atual posição ucraniana torna as negociações completamente impossíveis, outro problema é também como convencer a Rússia a se sentar à mesa de negociações", disse Sapir. "A Rússia quereria uma espécie de tratado de paz que garantisse pelo menos a neutralização e o desarmamento parcial da Ucrânia. Por que a Rússia chegará à mesa de negociações sabendo que a Ucrânia usou as negociações para ganhar tempo em 2022?"