Panorama internacional

Promessa anticorrupção do novo presidente da Guatemala pode ser autoarmadilha, alerta especialista

Na esteira de uma batalha jurídica e política que se estendeu por anos, Bernardo Arévalo, presidente eleito da Guatemala, finalmente assumiu o cargo após uma conturbada jornada.
Sputnik
Desde sua eleição em agosto, Arévalo enfrentou obstáculos significativos, incluindo desafios à formação de seu partido político, Semilla, e manobras da elite judiciária para minar sua candidatura.
Para entender as nuances, os jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho entrevistaram Felipe Ramos, especialista em relações internacionais e também pesquisador da Nova Escola de Pesquisa Social, de Nova York.
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Ao Mundioka, da Sputnik Brasil, o analista pontuou que o processo de retomada de assinaturas para o partido foi constantemente questionado, lançando dúvidas sobre sua legitimidade. O lawfare, isto é, a guerra jurídica com fins políticos, desempenhou um papel crucial, com a elite política guatemalteca tentando impedir não apenas a candidatura de Arévalo, mas também a existência do partido de centro-esquerda que ele tentava estabelecer.

"Quando ele passa a ser, então, já de forma surpreendente, vitorioso na eleição [...] isso significou que as elites políticas, o atual presidente que estava no poder, o atual congresso que estava ainda no poder, e a corte e a procuradora-geral não conseguiram impedir a vitória dele, de forma até surpreendente [...] surpreendeu a comunidade internacional, que a eleição na Guatemala, desse modo, foi até livre e justa, nesse sentido, passou-se para uma segunda fase desse movimento de tentar impedir a posse", detalhou o especialista.

O analista recorda que a "surpreendente vitória nas eleições" foi seguida por uma fase tumultuada de tentativas de impedir a posse. A Suprema Corte suspendeu o partido político, mas os deputados eleitos tomaram posse como independentes, levando a uma confusão no Congresso Nacional que durou nove horas, com pressão internacional, incluindo dos Estados Unidos, para garantir a posse democrática.

Guatemala: novo presidente e bandeira anticorrupção

Ramos detalha que a história de Arévalo destaca-se por sua complexidade, marcada pela luta contra as elites políticas e judiciárias, uma novela política que desafiou as expectativas.
Segundo ele, a demora para assumir o cargo, embora incomum, reflete as peculiaridades do sistema político guatemalteco, onde a flexibilidade nas datas de posse contribuiu para uma incerteza prolongada.
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"A grande questão que tornou o então candidato Bernardo Arévalo muito questionado pelas elites locais foi a sua principal bandeira contra a corrupção [...] A Guatemala é um país de corrupção extremamente predominante no sistema político e no sistema econômico. [...] Essa relação de patrimonialismo entre as elites econômicas e as elites políticas faz o país ser extremamente corrupto", explicou.

O analista explica que o combate à corrupção em outros lugares foi associado a uma pauta de direita, mas na Guatemala os adeptos foram justamente os partidos de centro-esquerda.

"[...] No Brasil, por exemplo, o combate à corrupção ficou associado a uma pauta de direita contra o Lula, contra o PT [...] já na Guatemala, o combate à corrupção virou uma pauta da esquerda e progressistas contra a elite de direita que estava no poder na Guatemala há um bom tempo", sublinhou.

O episódio, único na região, destaca a evolução dos métodos políticos na América Latina, agora menos centrados em golpes militares rápidos, mas sim em disputas institucionais prolongadas.

Desafios para defender 'bandeira do combate à corrupção' na Guatemala

Segundo o especialista, a proposta de Arévalo, de combater a corrupção, é, dada a composição dos poderes e os históricos de corrupção deles, uma promessa populista de difícil execução.

"O que ele pode fazer é criar iniciativas de transparência, criar editais, licitações para contratos com o poder executivo federal que ele vai controlar [...] Essa promessa é uma autoarmadilha, vamos dizer assim, no médio prazo, e, ao mesmo tempo, em segundo lugar, isso gera um conflito constante, porque você vai estar com um presidente que está sempre criticando os outros como corruptos", cravou à Sputnik.

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"Se você foca muito no tema de corrupção, você está sempre focado em questionar o outro, em investigar o outro, e isso pode trazer também riscos para a governabilidade", alertou.
O foco de Arévalo, segundo o especialista, deve ser o mesmo que outros presidentes precisam ter: macroeconomia, o crescimento econômico, a geração de empregos, a questão de segurança, educação, saúde.
"O presidente tem que estar preocupado com todos esses grandes temas que afetam a população [...] ainda que a sua campanha tenha sido muito focada no tema de corrupção, ele deve ter uma agenda presidencial no poder [...]", arrematou.

Novo presidente da Guatemala tem perfil apaziguador

Acerca do perfil político do Arévalo, o internacionalista afirma que ele não aparenta ser extremista.

"É uma figura considerada por muitos como moderada. Ele assumiu um tom muito forte na campanha contra as elites, porque é uma estratégia de campanha, de assumir a bandeira do combate à corrupção, então isso faz sentido do ponto de vista eleitoral, mas é uma figura muito educada", assegurou.

Ele continua: "uma figura que tem um nível cultural e educacional muito alto, uma figura que conversa com muita gente. Então, em si, é uma personalidade que teria a capacidade de entender que o foco muito estreito no combate à corrupção, ainda mais tendo assumido já, tendo tomado posse de uma maneira tão conturbada, a primeira missão dele é justamente permanecer no poder, se insistir demais em puxar a corda, os extremos das cordas no cabo de guerra, isso vai dificultar".
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Peru como exemplo para a Guatemala

Ao falar sobre a forma de lidar com os outros poderes, Felipe Ramos explica que o novo presidente precisa ter cautela com as manobras para não ocorrer o que ocorreu no Peru.

"Se um presidente chega com uma pauta muito radical e diz "eu não vou conversar com esse Congresso, vou para um enfrentamento", isso pode levar a esticar demais as cordas até uma ruptura [...] O Peru é um bom exemplo para o Bernardo Arévalo: se você não tem uma hegemonia política na sociedade, apesar de uma maioria eleitoral circunstancial, que foi suficiente para te eleger, mas é suficiente para governar, para liderar um país, para dialogar com essas elites, ou para enfrentá-las?", questiona o especialista.

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