Nesta semana, a ilha de Nauru anunciou o reconhecimento diplomático da China em detrimento de Taiwan, reduzindo ainda mais o número de países aliados a Taiwan.
Com a decisão, a ilha, localizada no Pacífico, poderá estabelecer relações comerciais e econômicas com Pequim, o que "atende aos interesses da República e do povo de Nauru", declarou o governo insular.
Apesar de Nauru ser um país territorialmente pequeno, a importância geopolítica da região coloca os países insulares no centro da disputa entre grandes potências do Pacífico.
"Do ponto de vista geopolítico e geoestratégico essas ilhas são vitais, já que se posicionam em uma região na qual os EUA mantêm bases militares e tentam estabelecer um grande cerco à China", disse o pesquisador Diego Pautasso, doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em relações Brasil-China, à Sputnik Brasil. "Para a China, é muito importante evitar que esses países caiam na órbita norte-americana."
Além dos EUA, a região ainda é alvo da projeção de poder da Austrália, aliada de Washington, que busca expandir sua influência sobre as ilhas do Pacífico.
O vice-ministro das Relações Exteriores de Taiwan, Tien Chung-kwang, comenta a decisão de Nauru de retirar o reconhecimento diplomático de Taiwan, durante uma conferência de imprensa em Taipei, em 15 de janeiro de 2024
© AFP 2023 / Sam Yeh
Em novembro de 2023, acordo entre a Austrália e a ilha de Tuvalu foi celebrado pela mídia ocidental como um passo positivo para o combate às mudanças climáticas e reconhecimento de refugiados ambientais.
No entanto, a realidade é que, em troca de número reduzido de vistos para cidadãos de Tuvalu, a ilha cedeu parte de sua soberania à Austrália, garantindo que não realizará acordos de defesa com nenhum país sem o consentimento de Camberra.
Motocicleta passa por bandeiras durante o Fórum das Ilhas do Pacífico em Yaren, na ilha de Nauru, no Pacífico (foto de arquivo)
© AFP 2023 / Mike Leyral
O acordo foi realizado sem consulta à população e considerado por muitos neocolonial. O líder da oposição de Tuvalu, Enele Sopoaga, prometeu "rasgar o acordo", caso seja eleito em 2024, reportou a revista Foreign Policy.
A China, por sua vez, não deixa as investidas australianas sem resposta. Em dezembro de 2023, assinou acordo de Defesa com as Ilhas Salomão, localizadas no entorno geográfico australiano.
"Esse acordo teve um caráter de resposta à política abertamente antichinesa que a Austrália vem adotando, tanto do ponto de vista comercial, quanto geopolítico - ao integrar a aliança militar Quad [que une Austrália, EUA, Índia e Japão]", considerou Pautasso.
A vantagem chinesa na disputa por influência nas ilhas do Pacífico se deve ao peso comercial e econômico de Pequim. Ao se aproximarem da China, as ilhas têm acesso a investimentos do projeto Rota da Seda Marítima e a trocas comerciais com um dos principais mercados consumidores do mundo.
O primeiro-ministro chinês Li Keqiang (E), e o primeiro-ministro das Ilhas Salomão, Manasseh Sogavare, faziam revista à guarda de honra durante cerimônia de boas-vindas no Grande Salão do Povo em Pequim, 9 de outubro de 2019
© AP Photo / Mark Schiefelbein
"Por outro lado, os EUA têm pouco a oferecer além de uma estratégia de contenção de natureza securitária", considerou Pautasso. "Mas isso não é suficiente para exercer a hegemonia mundial, muito menos para se opor à China, que exerce um poder gravitacional comercial e econômico muito forte sobre os demais países."
O modelo norte-americano de integração com as ilhas do Pacífico está associado às suas bases militares, como as de Guam e Tinian, e aos extensos testes nucleares que realizou no atol de Bikini, nas Ilhas Marshall durante o século XX.
Teste de bomba atômica subaquática realizado pelos EUA no atol Bikini em 1946, nas Ilhas Marshall, Micronésia
© Foto / Marinha do Governo dos EUA/Imagens da National Geographic/Christie
"Os países do Pacífico se veem diante da escolha entre dois projetos: o dos EUA, que oferece a contenção de uma grande potência; e o da China, que oferece comércio e investimentos", apontou Pautasso.
A ilha paraguaia
A decisão de Nauru de estabelecer relações diplomáticas com a China deixou Taiwan com somente 12 aliados oficiais no mundo. Dentre eles, um país sul-americano parceiro do Brasil: o Paraguai.
"Atualmente, o Paraguai é o maior país dentre aqueles que reconhecem Taiwan", disse o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Giorgio Romano, à Sputnik Brasil. "Isso causa entraves para as relações comerciais entre Assunção e Pequim e obstáculos políticos que afetam toda a região."
A insistência do Paraguai em manter o reconhecimento de Taiwan pode estar ligada à atenção e regalias que Assunção recebe de Taiwan.
O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez (centro), e a chefe administrativa de Taiwan, Tsai Ing-wen (à esquerda), inspecionam uma guarda de honra durante uma cerimônia de boas-vindas no gabinete administrativo de Taiwan em 16 de fevereiro de 2023
© AFP 2023 / Sam Yeh
"A lógica para o Paraguai é: se nós estabelecermos relações diplomáticas com a China, seremos só mais um país a fazer isso, e um país pequeno, com pouco peso político e econômico. Agora, nas relações com Taiwan, o Paraguai é o maior país dentre o grupo que ainda reconhece a ilha", explicou Romano.
Segundo Pautasso, Taiwan também realiza remessas de dinheiro para países com quem mantém relações diplomáticas oficiais, o que ficou conhecido como "diplomacia da mesada".
"Taiwan oferece certa diplomacia do dólar, isto é, uma mesada para países que mantêm o reconhecimento", considerou Pautasso. "E, para países pequenos, essa mesada pode ter um peso bastante grande."
O professor da UFABC Romano nota que a posição paraguaia traz problemas ao Brasil e ao Mercosul, que ficam impedidos de negociar um possível acordo comercial com a China.
"Isso é um problema para o Mercosul. A essa altura, o ideal seria o Brasil propor um acordo China-Mercosul para renovar as atividades do bloco, mas não pode, porque o Paraguai não reconhece Pequim", explicou Romano.
Novo ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Rubén Ramírez (à esquerda), recebe o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, na posse de Santiago Peña, novo presidente do país vizinho. Assunção, 15 de agosto de 2023
© AP Photo / Jorge Saenz
Os países do Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia – estão unidos pela Tarifa Externa Comum (TEC), que impõe taxas iguais de importação a países terceiros. Por isso, os países do bloco precisam negociar acordos extrarregionais em conjunto.
Os obstáculos para a negociação de um acordo entre Mercosul e China já vêm trazendo sérios problemas para o bloco: em 2022, o Uruguai ameaçou deixar a agremiação caso não possa negociar um acordo com Pequim.
"Se o Paraguai mudasse a sua posição e reconhecesse Pequim, abriria a possibilidade de um acordo abrangente com a China. O presidente brasileiro Lula, que é celebrado por ter bom trânsito internacional, poderia usar a sua influência para tentar reverter essa situação", concluiu Romano.
O Paraguai é o último país sul-americano a manter vínculos com Taiwan. Na América Central, Belize, Guatemala, Haiti, São Cristóvão e Névis e São Vicente e Granadinas também reconhecem Taiwan em detrimento de Pequim. No Pacífico, Tuvalu, Palau e Ilhas Marshal fazem parte do rol de aliados de Taiwan. Ao todo, somente 11 dos 193 Estados-membros da ONU mantêm o reconhecimento de Taiwan.