Como fóssil de anfíbio russo, mais antigo que os dinossauros, foi encontrado no Brasil? (VÍDEO)
17:27, 2 de fevereiro 2024
O fóssil de um grupo de anfíbios de origem russa foi encontrado no Rio Grande do Sul. Paleontólogo fala sobre hipóteses de como o animal pode ter rompido barreiras migratórias quando a Terra tinha apenas um supercontinente, a Pangeia, e ter se deslocado do território que hoje é a Rússia para o Brasil.
SputnikPesquisadores do Laboratório de Paleontologia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), que debruçam seus esforços para pesquisar um intervalo temporal intrigante da história da Terra — entre o fim do período Permiano e o período Triássico, cerca de 250 milhões de anos atrás, quando aconteceu o "maior evento de extinção em massa da história do planeta", como ressalta o paleontólogo Felipe Pinheiro —, encontraram o fóssil de um anfíbio que indica origem russa.
"Nosso grupo de pesquisa tem se dedicado a investigar o limite Permo-Triássico e como as faunas aqui, dessa região do planeta, foram impactadas pelo evento de extinção e, posteriormente, como ela se recuperou", explica Pinheiro sobre uma parte do trabalho desenvolvido pelos paleontólogos.
Neste momento da história, de acordo com o pesquisador, mais de 80% de toda a vida na Terra, ou, até cerca de 95%, dependendo da estimativa, foi completamente eliminada.
Como o fóssil foi encontrado no Rio Grande do Sul?
Pinheiro conta que existe todo um mapeamento geológico para encontrar rochas do período específico para, então, procurar o material. "A partir desses mapas geológicos [que são disponibilizados pelo Serviço Geológico Nacional], a gente vai, a partir de imagens de satélites, localizando áreas de exposição de rochas", explica.
"Em 2022, na metade do final do ano, estávamos fazendo prospecção em campo em uma localidade, uma fazenda chamada Granja Palmeira, aqui na cidade de Rosário do Sul, quando o Voltaire, pesquisador da nossa equipe, coletou esse pedaço de crânio, que é o holótipo, ou seja, o material com base no qual foi descrito o Kwatisuchus rosai, que é esse anfíbio animal do grupo dos Temnospondyli".
O nome da espécie, de acordo com o pesquisador, é uma referência ao focinho comprido do animal, que pode ser visto em impressão 3D de como seria a cabeça do anfíbio, considerando o pedaço do fóssil encontrado.
O fóssil encontrado é justamente parte do focinho do animal.
"Suchus, normalmente, é a terminação que se dá para jacaré. Em grego é jacaré, mas é uma terminação utilizada muito também para esse grupo de anfíbios que se parecem superficialmente com os jacarés. E kwati vem de quati mesmo, é uma palavra indígena, o quati, o mamífero, é um bicho com o focinho alongado", explica. Já o rosai, segundo Pinheiro, é uma homenagem ao pesquisador Átila Stock da Rosa, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pioneiro na pesquisa de localidades fossilíferas desse mesmo período no Sul do Brasil.
Conforme o cientista, animais desse grupo de anfíbios têm aparência próxima aos jacarés, crocodilos e salamandras.
Como os pesquisadores descobriram que o fóssil era de um grupo de anfíbios comum na Rússia?
O Kwatisuchus rosai não foi o primeiro fóssil de origem russa encontrado pelo grupo. "Isso é uma evidência que a gente está acumulando com o passar dos anos. Não é só o bicho novo, o Kwatisuchus rosai, que tem essa similaridade com animais russos. A gente já tinha reportado, a partir de materiais bem mais fragmentados, ou seja, com um grau de incerteza um pouco maior, alguns animais que têm, sim, similaridade com faunas russas".
A partir de análises mais detalhadas sob a perspectiva anatômica do
fóssil encontrado, Pinheiro afirma que os pesquisadores perceberam que ele pertencia ao grupo dos
Temnospondyli, da família
Benthosuchidae. "Eles só existiam até o momento, pelo menos como
o registro fóssil nos mostra, aqui na América do Sul, especificamente onde hoje é o Rio Grande do Sul, e na Rússia", conta Pinheiro.
Rota de migração: como o animal russo teria vindo parar no território brasileiro?
Para o pesquisador, essa é uma etapa intrigante da pesquisa, pois, segundo ele, é uma coisa totalmente inesperada da perspectiva biogeográfica.
"Tínhamos um supercontinente, a Pangeia, com todos os continentes numa massa continental única, mas tínhamos uma série de barreiras de dispersão desses animais: desertos, cadeias de montanhas que, em teoria, deveriam impedir a migração desses animais."
A partir de um estudo muito mais aprofundado, utilizando modelagem computacional, os pesquisadores avançam na pesquisa de como era tanto a geografia quanto o clima no período Permiano e Triássico para tentar entender essa migração.
"A partir de modelagem computacional, tanto da geografia quanto do clima daquele momento, ele [Mateus Santos, pesquisador do grupo] está tentando modelar quais seriam as possíveis rotas de dispersão entre essas faunas russas e as faunas sul-americanas", conta Pinheiro sobre uma pesquisa de doutorado desenvolvida por um integrante do grupo que visa encontrar respostas para explicar o deslocamento dos animais naquela época.
Uma curiosidade, segundo o paleontólogo, é que a nível grupal [dos animais], os pesquisadores, a partir das coletas e dos trabalhos realizados, descobriram que grupos de répteis basais e até mamíferos sugerem essa conexão biogeográfica entre Brasil e Rússia, mostrando uma similaridade maior dos bichos encontrados aqui com animais russos do que com animais sul-africanos, por exemplo. Ou seja, nossa fauna remete muito mais à fauna russa, em termos de relações de parentesco dos organismos, do que à fauna sul-africana.
No período da Pangeia, "
a África do Sul era muito mais próxima. Então, era de se esperar que a nossa conexão fosse muito mais evidente com a África do Sul do que com a Rússia, e não é o que
o registro fóssil está nos provando", explica Pinheiro.
Vivemos a 6ª grande extinção em massa
Pinheiro conta que a bibliografia especializada trata a crise biótica atual como a sexta grande extinção em massa.
"Para ter uma ideia, a quinta foi aquela que eliminou os dinossauros não avianos. Então são eventos de larga escala que têm a capacidade, infelizmente, de eliminar partes consideráveis dos organismos vivos. É o que estamos vivenciando hoje", relata.
O paleontólogo ressalta que a Terra já passou por esse tipo de evento cinco vezes, sendo o Permo-Triássico o mais poderoso em termos de eliminação de biodiversidade, e a fase atual de extinção "é causada por fatores muito semelhantes em termos de química atmosférica, química oceânica, àquela do final do Permiano", acrescenta.
"Quanto mais a gente aprender sobre a extinção Permo-Triássica e sobre as faunas que precederam e sucederam a extinção, mais a gente consegue compreender e manejar o momento atual", conclui, salientando a importância de entender a relação entre períodos tão distantes, mas, ainda sim, com efeitos semelhantes, a fim de evitar maiores catástrofes.