A área nuclear brasileira ainda é relativamente tímida, em especial quando comparada à de países como a França, em que mais de 60% da energia gerada vem dessa fonte; a China, que possui o maior número de reatores em construção; e a Rússia, cuja estatal Rosatom tem o maior portfólio de construções nucleares ao redor do mundo, com 73 unidades em 29 países.
"A Rússia tem uma função de protagonismo no mundo", aponta o deputado federal Julio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares, que ressalta a importância de Moscou para o funcionamento das usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2.
Ainda que não opere e nem tenha participado da construção desse parque energético, a Rosatom é "responsável pelo fornecimento integral de urânio" das usinas, afirma Lopes em declarações à Sputnik Brasil, destacando ser "extremamente importante no funcionamento das usinas brasileiras".
A parceria entre Brasil e Rússia vem se estreitando nas duas últimas décadas, explica Pedro Henrique Miranda, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança (Ppgest), da Universidade Federal Fluminense (UFF), "por conta de um alinhamento do perfil de governança de ambos os países".
Em ambos os casos, afirma, foram eleitos governos mais ligados ao desenvolvimento nacional e a uma "revisão da estrutura de poder global", o que aliou os interesses de ambos de ampliar suas próprias capacidades industriais, "principalmente em setores relevantes do ponto de vista geopolítico".
"E aí nisso se insere, como eu posso ver que é o interesse principal, a questão nuclear: o programa nuclear brasileiro", diz Miranda também em entrevista à agência.
Rosatom e o desenvolvimento nuclear brasileiro
Com experiência na construção internacional de usinas nucleares, a Rosatom, crê o deputado, pode ter papel fundamental no crescimento da geração energética nuclear brasileira, "no sentido não só de ampliar as possibilidades de ação, mas também de ter ainda maiores e melhores suprimentos".
O sentimento é ecoado por Leonam Guimarães, diretor técnico da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN). A Rosatom, afirma, já demonstrou interesse em "construir novas unidades nucleares no Brasil, incluindo pequenos reatores tanto terrestres quanto flutuantes". Estas, uma tecnologia "genuína" da União Soviética", destaca Lopes, podem ajudar a levar energia barata para lugares de difícil acesso, como ilhas e plataformas de petróleo, ou ainda locais de emergência.
"A Rússia pode ajudar significativamente na expansão do parque de usinas nucleares do Brasil", afirma Guimarães à Sputnik.
A participação de ambos os países dentro do BRICS aproximou os laços de cooperação bilateral Brasil-Rússia.
Segundo Guimarães, a proximidade entre as nações "pode potencialmente levar a uma maior cooperação mundial em tecnologias nucleares para fins pacíficos". Uma cooperação mais estreita pode "resultar no compartilhamento de conhecimentos técnicos, no apoio à construção de infraestrutura nuclear e na colaboração em padrões de segurança e regulamentações", afirmou.
"Os países do BRICS compartilham um interesse comum em promover o uso seguro e responsável da energia nuclear", afirmou.
Painel da usina nuclear de Angra 1, em Angra dos Reis (RJ), em 26 de fevereiro de 2018
© flickr.com / Ministério de Minas e Energia / Saulo Cruz
Submarino nuclear
Os russos também podem ser de grande ajuda no desenvolvimento do submarino convencional com propulsão nuclear (SCPN) brasileiro, o SN Álvaro Alberto (SN-10), aponta o diretor técnico da ABDAN, ainda que a colaboração se limite a "aspectos pontuais e específicos", uma vez que a embarcação é desenvolvida em parceria com a França.
A Rosatom possui a maior frota de navios quebra-gelo de propulsão nuclear do mundo, demonstrando grande conhecimento na produção de embarcações movidas a combustível nuclear. "A expertise russa, inclusive com submarinos nucleares, poderia ser valiosa para o Brasil nesse contexto", destaca Guimarães.
Nos últimos anos, o Brasil viu um impedimento surgir à futura operação do Álvaro Alberto, nomeado em homenagem ao pai do programa nuclear brasileiro. Apesar de dominar toda a tecnologia do ciclo de enriquecimento de urânio que servirá de combustível para o submarino, o país não possui a certificação internacional necessária.
Outras nações, como a França e os Estados Unidos, já condicionaram ou se recusaram a providenciar o combustível nuclear para o submarino brasileiro. Nesse sentido, o Brasil já entrou em contato com a Rússia para obter ajuda, mas as tratativas acabaram esfriando com o início da operação especial na Ucrânia. "Cooperações como essa são sempre bem-vindas", sublinha Guimarães.
A energia nuclear na medicina
Os especialistas citados destacam ainda uma outra grande área onde o desenvolvimento da energia nuclear pode melhorar a vida dos brasileiros: a medicina, que utiliza a radiação para efetuar tratamentos, como o oncológico, e exames de imagem, como a tomografia.
"O Brasil tem uma enorme falta de atendimento de tecnologia e apoio de medicina nuclear não só na área dos cânceres, mas em inúmeras doenças raras", ressalta Julio Lopes. Segundo o deputado, é uma área "incipiente", ainda mais "se comparada às da Argentina e do Chile".
Hoje, cerca de 30% de todos os radioisótopos no mercado brasileiro têm origem russa. A princípio, a construção de novos geradores e unidades nucleares pode parecer contrária aos interesses russos, uma vez que são fornecedores desses artigos.
"Contudo não necessariamente isso representaria um embate de interesses", destaca Miranda. Pelo contrário, isso pode gerar um aumento da porção russa no mercado brasileiro através da "transferência de tecnologia".
"Isso poderia abrir novos mercados, inclusive para importação ou para desenvolvimento conjunto de novos tipos de radioisótopos", afirmou o pesquisador.
Colaborações acadêmicas
A cooperação nuclear entre o Brasil e a Rússia se expande ainda para programas acadêmicos. O Instituto de Pesquisas Nucleares (Ipen) possui um projeto de intercâmbio de professores e estudantes com o Instituto de Engenharia Física de Moscou.
Descrito como "uma ponte para o avanço do conhecimento nuclear" por Niklaus Ursus Wetter, coordenador substituto de Pesquisa, Desenvolvimento e Ensino do Ipen, o programa vê grande colaboração entre os pesquisadores de ambos os países nas áreas de física e reatores nucleares, segurança e radioproteção, e aplicações médicas e na indústria.
Além de enviar estudantes de mestrado e doutorado à Rússia, também recebe professores do instituto de Moscou, que trazem consigo "novas perspectivas e abordagens", destaca Wetter à Sputnik Brasil.