Em meio às preocupações com conflitos mundo afora, que segundo declarações do ministro de Relações Exteriores do Brasil já passam de 170, o tema não ficou de fora da primeira reunião do G20 sob a presidência brasileira. Na declaração final, Vieira ressaltou a rejeição das 45 delegações, entre países, nações convidadas e organizações internacionais, da nova ofensiva israelense na Faixa de Gaza para a região sul do território, onde vivem mais de 1 milhão de palestinos sob deslocamento forçado por conta da guerra.
Pela primeira vez, o Brasil também pôde apresentar formalmente aos chanceleres a proposta de reforma da governança global da Organização das Nações Unidas (ONU) e suas instituições, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo o ministro Mauro Vieira, a necessidade de mudanças do sistema, que está em vigor desde o fim da Segunda Guerra Mundial e é cada vez menos efetivo diante dos novos desafios globais, é um consenso entre as lideranças.
"Para o Brasil, é algo urgente e prioritário. Todos concordaram quanto ao fato de que as principais instituições multilaterais […] precisam de reformas para se adaptarem aos desafios do mundo atual", pontua o chanceler.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a especialista em segurança e teoria das relações internacionais, além de professora da Universidade Abu Dhabi, Isabela Gama lembra que essa é uma pauta antiga principalmente entre as economias emergentes, como os países ligados ao BRICS e outras nações do Sul Global.
"Afinal de contas, as economias emergentes querem ter mais visibilidade e poder de atuação dentro dessas entidades. Porém, se elas acontecerão ou não dentro, há necessidade de que ocorram aprovações das grandes potências mundiais, e elas não têm interesse em compartilhar mais poder. É mais difícil gerenciar, por exemplo, um Conselho de Segurança com mais membros permanentes, por exemplo, que já está congelado há bastante tempo. Com mais integrantes, pode ser difícil chegar a consensos, e não é da vontade dos Estados Unidos", frisa.
G20 chegará a um consenso sobre questões diplomáticas?
Iniciativa inédita, os ministros de Relações Exteriores do G20 terão um segundo encontro no ano, desta vez após a Assembleia Geral da ONU, prevista para setembro, em Nova York, e com a possibilidade de participação de todos os membros da organização para ampliar as discussões sobre os rumos do mundo. "Será a primeira vez que o G20 se reunirá dentro da sede das Nações Unidas, e aberta para todos os membros para promover um chamado em favor da reforma da governança global", adianta Vieira.
Apesar das tentativas de diálogo, a especialista em relações internacionais vê com dificuldade a chegada de posicionamento minimamente comum sobre qualquer tema, tanto governança quanto atuação frente às tensões. "Pareceu um encontro de apedrejamentos com linguagem diplomática. Cada um tentava impor a sua própria agenda, defender o seu lado, ao invés de tentar chegar a um consenso sobre alguma coisa […]. É um momento muito delicado, internacionalmente falando", declarou.
É o caso da tentativa dos pares ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, de "ucranizar" as atividades do G20 em prol do regime do presidente Vladimir Zelensky frente à operação militar especial russa, cujo principal objetivo é "desnazificar" a região. Apesar disso, a presidência brasileira conseguiu superar a questão mesmo com a persistência norte-americana, que ficou em segundo plano até na declaração final do ministro Vieira.
"Não adianta só criticar o que acontece em outros lugares, há necessidade de ter a habilidade e a sensibilidade de compreender o que está acontecendo na Rússia ou na Faixa de Gaza", resume Isabela Gama.
Retomada do protagonismo brasileiro
Para a especialista, a presidência brasileira do G20 aparece como uma oportunidade para mostrar que o país quer ser um parceiro global novamente. Apesar disso, retomar um certo papel de protagonismo, segundo Gama, é "bastante" diferente e tem um caminho longo. "O Brasil ainda precisa trabalhar muito para chegar a um papel de protagonismo no cenário internacional, até porque nos últimos quatro anos nosso papel global foi destroçado, basicamente. Mas esse já é um primeiro passo", pontua.
Já com relação às outras plataformas brasileiras defendidas no grupo das maiores economias do mundo, como alavancar o desenvolvimento sustentável e a aliança contra a pobreza, a professora da Universidade Abu Dhabi vê como importantíssimas no mundo atual, que convive com o crescimento da miséria em um cenário pós-pandemia. Porém acredita ser difícil ter aderência de outros países, principalmente grandes potências. "O mundo vive situações muito complexas e violentas, e, no momento, olhar para essas questões parece não ter muito espaço", finalizou.
Quais são os países do G20?
Além do Brasil, o G20 é composto por outros 18 países (África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia) e dois órgãos regionais: a União Africana e a União Europeia. O grupo representa dois terços da população mundial, além de 85% da economia e 75% do comércio global.
Durante todo o ano de 2024, o país é responsável por presidir o grupo, cuja cúpula de líderes será realizada em novembro, também no Rio de Janeiro. Por conta disso, o Brasil ainda pode convidar outros países para participarem das reuniões, como Angola, Bolívia, Cingapura, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega, Paraguai, Portugal e Uruguai.