Parece bastante claro para qualquer observador mais atento que, nos últimos tempos, o modelo ONU não está sendo eficiente para cumprir a principal função para a qual foi criado, a saber, prevenir conflitos e evitar a eclosão de guerras pelo mundo. Como organização, todo o ecossistema da ONU é mantido por um orçamento enorme no valor de cerca de US$ 50 bilhões (R$ 246,7 bilhões) anuais. As contribuições financeiras para a instituição, por sua vez, são calculadas de acordo com o PIB de cada país. Os Estados Unidos são o maior contribuinte, seguidos por China, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha e assim por diante.
No entanto, apesar das tentativas bem-intencionadas ao longo dos anos por parte das grandes potências, as Nações Unidas não têm conseguido reformar seu estatuto, nem se adequar às realidades de nossos novos tempos. E esses novos tempos trouxeram mudanças significativas para as relações internacionais. O mundo mudou de uma ordem bipolar a partir da década de 1940 para uma ordem unipolar nos anos 1990 e agora apresenta-se como uma ordem multipolar de Estados.
No entanto, as Nações Unidas permanecem presas em seus velhos hábitos. Hoje, quando as pessoas se perguntam se a ONU ainda é adequada para a realização de seus objetivos, muitos direcionam seus olhares para o Conselho de Segurança. Este é, talvez, o órgão mais disfuncional da organização na atualidade. O Conselho de Segurança originalmente foi concebido para ser o órgão mais poderoso da ONU, capaz de impor sanções e aprovar resoluções juridicamente vinculantes para todos os demais membros da organização.
Se o pior acontecesse em alguma parte do globo, o Conselho poderia aprovar o envio dos famosos "capacetes azuis" para atuação em missões de paz e de estabilização de conflitos. Durante a Guerra dos Seis Dias (em 1967) e a Guerra do Kuwait (em 1990), os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança conseguiram chegar a um consenso e chancelar medidas para conter os efeitos negativos dessas conflagrações armadas no Oriente Médio.
Infelizmente, porém, na maioria das vezes chegar a um consenso dentro do Conselho torna-se uma tarefa árdua e praticamente impossível. Afinal, o uso do veto pelos membros permanentes é constantemente aplicado para proteger seus interesses nacionais em detrimento dos interesses da comunidade internacional. Em 1982, por exemplo, a Grã-Bretanha vetou resoluções referentes às reivindicações da Argentina sobre as ilhas Malvinas, enquanto a França, em décadas anteriores, vetou diversas resoluções que versavam sobre suas colônias na África. Essa prática, vale frisar, continua até os dias de hoje. A China costuma vetar qualquer resolução relacionada ao Tibete, a Taiwan e a suas minorias étnico-religiosas no oeste do país. Enquanto isso, os Estados Unidos frequentemente vetam decisões relativas a Israel, em especial no período recente de acirramento do conflito em Gaza. A Rússia, por outro lado, é o país que mais usou o direito ao veto durante toda a história do Conselho de Segurança, em especial com relação a decisões que versavam sobre o espaço pós-soviético ou mesmo sobre a Síria a partir de 2011.
Assim sendo, no âmbito do Conselho de Segurança os interesses particulares das grandes potências — bem como suas ideologias políticas distintas — criam uma situação quase intransponível para a resolução de conflitos graves, como é o caso das conflagrações hoje testemunhadas no Leste Europeu e em Gaza. Nesse ínterim, a Rússia e a China tendem a adotar um entendimento similar a respeito dos principais problemas de nossa época, enquanto os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França frequentemente formam uma frente única do outro lado do Conselho, o que parece simbolizar mais uma vez a divisão geopolítica do mundo entre Ocidente e Oriente.
Não à toa, nos últimos tempos o Conselho de Segurança falhou em tomar medidas referentes a Ucrânia, Israel, Iêmen, Síria e Sudão, e inúmeros outros conflitos em vista da oposição de um ou mais membros, que usaram o poder de veto para deter ações que viessem a contrariar seus interesses nacionais. É devido a isso que grupos como o BRICS advogam desde 2009 uma reforma do Conselho, de forma que ele possa operar com maior eficiência e representatividade perante a comunidade internacional. Afinal, toda a composição do Conselho de Segurança data do final da Segunda Guerra Mundial, uma época em que os cinco membros permanentes estavam do mesmo lado, o lado vencedor, da história. Algumas das potências regionais e globais de hoje nem sequer faziam parte dos cálculos políticos sistêmicos naquele período.
Países que ganharam bastante notoriedade desde então, como Japão, Brasil e Índia, não têm um lugar de destaque dentro do Conselho, formando — em meados dos anos 2000 — o G4 para brigar justamente por maior participação nos processos de tomada de decisão das Nações Unidas. Não obstante, continentes e regiões como a África, a América do Sul e mesmo o Oriente Médio também se veem sub-representados na organização.
Considerando essa flagrante e desigual distribuição de poder no âmbito da ONU, o Conselho de Segurança faria muito bem se atendesse aos clamores pela reforma defendida por grande parte das potências emergentes de nosso tempo. Claro, isso por si só não resolveria instantaneamente todos os problemas com os quais a ONU e o mundo se defrontam hoje, mas reduziria bastante o contraste e a assimetria de poder existente entre as grandes potências (que hoje têm cadeira permanente no Conselho) e as potências regionais, que brigam por maior reconhecimento no sistema. Afinal, se nenhuma mudança for introduzida e a ONU continuar fora de contato com a ordem mundial contemporânea, mais e mais nações optarão por contornar os seus mecanismos decisórios, gerando ainda mais instabilidade internacional.
É por isso que os conflitos armados têm regressado de forma bastante clara durante os últimos anos, tendência essa tornada possível devido justamente ao estado disfuncional do Conselho de Segurança, assim como da própria ONU. Em última análise, é preciso entender que subir em direção ao topo da escada do poder faz parte da ordem natural das coisas. Aqueles que estão embaixo olham para cima com aspirações de ascender. Aqueles que estão no meio se esforçam para chegar ao cume. Por fim, aqueles que estão no topo resistem em dividir sua liderança.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.