Lei de limite de terras para estrangeiros no Brasil é crucial para soberania nacional, diz jurista
10:00, 29 de fevereiro 2024
A lei que limita a compra de terras por estrangeiros no Brasil, definida em 1971, determina que áreas rurais pertencentes a esse grupo não podem ultrapassar 25% da superfície de um mesmo município. Tal imposição é vista com maus olhos pelos setores da mineração, da indústria e do agronegócio, que vêm fazendo pressão para que a norma seja revista.
SputnikNo entanto, o advogado e economista
Alessandro Azzoni defende que tais restrições são impostas visando proteger a
soberania nacional, a segurança alimentar, a preservação ambiental, o desenvolvimento socioeconômico e a manutenção da cultura brasileira. "
Um dos aspectos fundamentais da soberania nacional é o território."
"Se não houver essa restrição da aquisição de terras por estrangeiros, teremos um problema para garantir e manter o controle dos recursos naturais. Isso daria uma concentração excessiva da propriedade de terras nas mãos dos estrangeiros."
Em entrevista à Sputnik Brasil, Azzoni destacou os riscos ambientais decorrentes da exploração desenfreada de recursos naturais por empresas estrangeiras. "É constitucional a questão de proteger o meio ambiente. Estrangeiros podem explorar irresponsavelmente os recursos naturais, causando danos significativos."
"O Brasil já teve um problema de desvalorização cambial muito forte. O dólar praticamente tinha duas cotações. Para estrangeiros, o dólar valia muito mais, então se poderia adquirir propriedades com valores irrisórios, aumentando a concentração."
Além disso, ele comenta que a norma é também uma "maneira de proteger a terra", sobretudo considerando
os povos tradicionais que ali vivem. "Há um crime muito usado pelas empresas estrangeiras, que é a bioprospecção — você roubar as ideias de processos medicamentosos dos povos originários e tentar transformar isso em remédios."
"A concentração das terras em proprietários estrangeiros pode trazer impactos sociais, como deslocamento de comunidades locais, e impactos ambientais, que essas empresas fariam praticamente uma parte exploratória. Quando elas fossem atacadas ou tomassem as autuações ambientais, automaticamente elas poderiam simplesmente fechar a empresa local e ir embora do país, e o dano ficaria."
Azzoni comenta que a lei também seria uma forma de ampliar a
segurança alimentar brasileira, uma vez que "a agricultura e os produtores mundiais não vão entrar […] para explorar o setor de produzir alimentos de forma predatória,
levando praticamente toda a produção para fora".
Membro da diretoria do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) e conselheiro deliberativo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), ele comparou a legislação brasileira com políticas similares em outros lugares, como Austrália, China, Estados Unidos e países da União Europeia, que também impõem restrições à aquisição de terras por estrangeiros.
Ele descreve que a Austrália tem uma "política muito dura na aprovação de investimento estrangeiro em terras", utilizando até órgãos especializados que revisam "praticamente todas as propostas e podem até bloquear essas aquisições".
Já os chineses põem "restrições significativas à questão de propriedade das terras, principalmente para fins agrícolas, porque eles também garantem a questão da segurança alimentar".
Os
EUA também, segundo ele, principalmente nas áreas agrícolas e terras próximas a
locais de segurança nacional.
Por que querem derrubar a lei de restrição de terras?
Vale ressaltar que representantes da indústria, da mineração e do agronegócio têm manifestado contrariedade às restrições impostas a empresas nacionais com capital estrangeiro para a aquisição de terras no Brasil.
Azzoni alerta para os perigos de abrir mão dessas restrições: "Você está abrindo mão da sua soberania, repassando a sua exploração para essas empresas, e empresas de mineração internacionais são altamente predatórias. Teríamos situações de crimes ambientais, expansão de áreas, desmatamento, um impacto ambiental muito grande."
"Todas as economias no mundo hoje olham para o Brasil justamente no mercado de mineração, que é o grande boom, a exploração do minério de ferro e do aço. A segunda é a questão do agronegócio para alimentar o mundo — estaremos abrindo uma reserva de mercado nossa."
A questão permanece em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).
Representantes dos setores alegam que tais limitações afetam a competitividade e o desenvolvimento do país, além de gerar um cenário de insegurança para negócios que afugenta
investidores internacionais.
Uma ação da Sociedade Rural Brasileira (SRB) movida em 2015 pedia revisão da norma. Ela recebeu parecer favorável, em julho de 2023, da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). Além disso, tem apoio do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
15 de dezembro 2023, 15:53
O que está em debate é se a aplicação dessa regra a empresas foi ou não recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Uma ação da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), do governo federal, pede a anulação de um parecer da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que liberou cartórios de aplicarem a norma da lei de 1971.
A SRB pede à Suprema Corte que consolide o entendimento de que a restrição não pode ser aplicada a empresas nacionais com capital estrangeiro majoritário. A reportagem solicitou um posicionamento por parte da entidade, mas não foi respondida até o momento da publicação desta matéria.
Em abril de 2023, o ministro do STF André Mendonça suspendeu todos os processos no país que tratam da compra de terras por estrangeiros, acolhendo pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Ele disse que a reivindicação da OAB indicava "cenário de grave insegurança jurídica, o que justifica a suspensão nacional dos processos".
A liminar foi derrubada pelo plenário do STF no mês seguinte, em maio. O mérito das ações, contudo, ainda não foi julgado.
Quantos hectares de terra um estrangeiro pode ter no Brasil?
Cada município pode ter até 25% de seu território sob controle de cidadãos ou empresas de outras nacionalidades. Uma mesma nacionalidade estrangeira também não pode deter mais do que 10% da área de um determinado município.
A lei que define tais restrições foi sancionada em 1971, durante a ditadura militar.
Empresas que tenham a maior parte do seu capital estrangeira devem seguir as mesmas regras. Uma regulamentação feita nos anos 1990 prevê que aquisições que ultrapassem esses limites sejam submetidas à aprovação do Congresso Nacional.