Panorama internacional

Para especialista, áudio de oficiais alemães é constrangedor para OTAN e reforça argumentos russos

Em entrevista à Sputnik Brasil, o pesquisador Tito Lívio Barcellos Pereira afirma que a participação de países ocidentais, por meio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), no conflito entre Rússia e Ucrânia, tem sido cada vez mais explícita.
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Nesta sexta-feira (1º), uma gravação de conversa entre altos oficiais alemães, em que foi possível discutir o ataque ao importante ponto estratégico da Ponte da Crimeia com mísseis Taurus foi divulgada. Até o momento, o Ministério da Defesa alemão se recusou a comentar o caso.
Doutorando em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP), Pereira ressalta a importância de compreender o contexto em que essa revelação surge.
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Ele aponta para um cenário em que fontes da imprensa, tanto russas quanto europeias e norte-americanas, aumentam as suspeitas de que oficiais da OTAN estariam cada vez mais envolvidos, indo de encontro à narrativa anterior de que o Ocidente não fazia parte do conflito.

"A situação acaba se revelando constrangedora para os membros da aliança, que até então insistiam na narrativa de que a OTAN não faz parte do conflito e de que eles apenas estão enviando auxílio indireto para as forças ucranianas. Esse argumento está cada vez mais posto em xeque, está cada vez mais questionado. Isso dá cada vez mais força e legitimidade para os argumentos russos."

Questionado se essa revelação representaria uma mudança significativa no desenrolar do conflito, Pereira tem dúvidas, observando que relatos desse tipo não são "completamente novos".
Ele menciona episódios anteriores de suposto envolvimento da OTAN nas operações ucranianas, mas sugere que a revelação atual pode simplesmente tornar essas práticas mais evidentes e sensíveis à opinião pública. "Há episódios que envolveram ataques a instalações portuárias russas e centros logísticos situados em territórios russos relativamente distantes da linha de frente."

"Isso coloca os líderes europeus numa espécie de saia justa, porque eles são obrigados a dar uma resposta, não somente à diplomacia russa, mas aos organismos internacionais. Prestar contas até para as delegações de outros membros da OTAN, principalmente membros menores não necessariamente envolvidos nessas operações. Eles também precisam prestar contas para o seu próprio corpo legislativo e sua sociedade civil."

Ele reconhece a importância estratégica da ponte como uma artéria logística vital para as forças russas na região. "Você tem uma preocupação puramente estratégica no sentido de comprometer a logística das forças russas. Mas, é claro, você também prejudicaria os civis que utilizam dessa infraestrutura para circulação ligando a Crimeia com o resto do país."
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Além disso, ele aponta que explicitar o envolvimento direto da OTAN no conflito ucraniano alerta para a possibilidade de escalada das tensões.
Segundo o analista, a ideia de a Ucrânia entrar na aliança, colocada na Constituição ucraniana desde 2014, não tem "justificativa política aceitável para autoridades russas, porque desequilibraria ainda mais o conceito de segurança europeu e traria, sim, a presença de forças norte-americanas, francesas, britânicas e alemãs para ainda mais perto das fronteiras da Rússia europeia".

"As queixas russas nesse sentido nunca foram ouvidas, continuam não sendo levadas a sério e, agora, você tem uma situação de difícil retorno. Agora, os russos não enxergam mais a possibilidade de voltar a uma mesa de negociação, a não ser que os seus termos estejam contemplados."

O pesquisador destaca o fornecimento de informações por parte de atores ocidentais a Kiev, que aumentaram inclusive o poder bélico da Marinha ucraniana, por exemplo. "O áudio dos oficiais alemães apenas reforça a ingerência cada vez maior da aliança na condução da guerra contra a Rússia."

"Reforça as suspeitas russas de que não se trata apenas de um conflito contra a Ucrânia, contra o governo ucraniano, mas sim uma Ucrânia cada vez mais alicerçada por um conjunto de nações que, devido aos seus diversos interesses, não permitem que a guerra tenha um desfecho ou que seja desfavorável a eles."

O pesquisador afirma que diversos países — como Brasil, Indonésia, Turquia, países da Liga Árabe, União Africana e a própria China — buscaram traçar propostas de paz entre as partes, "onde a Ucrânia teria que abdicar dos seus novos territórios" ou "conceder mais autonomia às províncias".
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Entretanto, segundo ele, posições de Kiev e seus patrocinadores ocidentais fazem com que as iniciativas de paz não sejam aceitas, já que eles colocam "a Rússia como o único agressor no conflito" e que "apenas a parte ucraniana precisa ser contemplada, no sentido de a Ucrânia precisar retornar às fronteiras de 1991, ignorando votação da população da Crimeia".

"O governo ucraniano não se mostra capaz de avaliar os custos políticos de suas decisões, principalmente em relação à justificativa de entrar em uma aliança militar, herança da Guerra Fria, dizendo que isso será garantidor da sua soberania e de sua segurança."

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