Panorama internacional

Pesquisadora: Lula busca recuperar papel da CELAC de resolver problemas da região de forma autônoma

Nos últimos três dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu uma extensa agenda de reuniões bilaterais, cúpulas e encontros com autoridades na Guiana e em São Vicente e Granadinas. Além de reafirmar a América do Sul como uma zona de paz em meio às tensões mundiais, o líder brasileiro reforçou a importância da integração regional.
Sputnik
Depois de visitar a Etiópia e o Egito na primeira agenda internacional do ano, quando, em um discurso após a cúpula da União Africana, sacudiu o mundo ao comparar a guerra promovida por Israel em Gaza ao genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, Lula retoma os compromissos no exterior menos de 15 dias depois. Desta vez, os encontros se dão em meio a dois importantes fóruns da América Latina: a conferência de chefes de governo da Comunidade do Caribe (Caricom), bloco mais antigo do continente, e também da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), da qual o país voltou a fazer parte em 2023.
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Na última quarta-feira (28), durante discurso de quase 30 minutos no encerramento da cúpula da Caricom, o presidente brasileiro ressaltou a importância de investimentos na integração regional, principalmente com infraestrutura de transportes.
"Queremos, literalmente, pavimentar nosso caminho até o Caribe", disse na ocasião. Na sequência, Lula teve uma longa reunião bilateral com o homólogo da Guiana, Irfaan Ali, país que apesar de compartilhar mais de 1,6 mil quilômetros de fronteiras, perdeu a importância para as relações brasileiras nos últimos anos, segundo Lula, situação que ele garantiu que está sendo corrigida.
Sem citar Essequibo, cujas tensões entre Georgetown e Caracas cresceram no ano passado, em uma disputa que já dura mais de um século, o petista reforçou a vocação sul-americana em ser uma zona de paz.
"Não precisamos de guerra, ela traz destruição da infraestrutura, de vida e sofrimento. A paz traz prosperidade, educação, geração de emprego e tranquilidade aos seres humanos. Esse é o papel que o Brasil pretende jogar na América do Sul e no mundo", enfatizou.
Já esta sexta-feira (1º) foi um dia de intensas reuniões e uma rápida declaração pública do presidente, que citou a "punição coletiva" de Israel contra a população palestina da Faixa de Gaza, onde mais de 30 mil pessoas já morreram.
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Entre os compromissos, ocorreram agendas com os presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e da Venezuela, Nicolás Maduro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e autoridades de Chile e México, além da assinatura de um acordo de serviços aéreos com Antígua e Barbuda.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes) Livia Peres Milani avaliou que os discursos de Lula mostraram a retomada da ideia para a política externa brasileira de América do Sul em primeiro lugar e também priorização da América Latina, aos moldes do que foi marca dos primeiros dois mandatos petistas.
Criada como um fórum de articulação política para a construção de consensos e ampliar a autonomia latino-americana, a CELAC viveu um enfraquecimento de atuação nos últimos anos, segundo a especialista.

"A ideia do organismo internacional é resolver os problemas próprios da região sem influência e interferência de potências externas. E o que a gente viu com a saída de países como o Brasil [durante o governo do presidente Jair Bolsonaro] foi que a organização perdeu efetividade e protagonismo", argumenta.

Com isso, segundo a especialista, a região viu a influência de grandes potências mundiais crescer diante do "vácuo" deixado pela falta de lideranças locais.
"Isso tanto dos Estados Unidos como também da China. Vemos cada vez mais a presença de potências externas que muitas vezes se dá de forma militarizada, como fica bastante claro no caso norte-americano. É o caso do Comando Sul [USSOUTHCOM], por exemplo, dedicado às estratégias para a América Latina, algo contrário ao que a CELAC desejava", pontua.
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Quantos países fazem parte da CELAC?

Ao todo, a comunidade latino-americana reúne 33 países da região e foi criada em 2010, durante cúpula no México, no fim do segundo mandato do presidente Lula. Por contar com Guiana e Venezuela, cujas tensões estão em alta por conta da disputa pelo território de Essequibo, havia grande expectativa de alguma menção ao tema durante a cúpula ou nos discursos das autoridades. Porém a questão praticamente não foi citada, inclusive nos encontros do presidente brasileiro com os homólogos das duas nações sul-americanas.

"Então a região está marcada por divergências políticas muito claras entre governantes da região, por instabilidade política importante em diversos países, por mudanças muito bruscas de orientação política ou ideológica dos governantes da região. Temos um cenário muito mais desafiador, e agora […] a grande questão para o presidente Lula me parece ser de novo […] tornar a CELAC uma organização relevante, uma organização que tem essa capacidade de resolver os problemas da região de forma autônoma", analisa a pesquisadora.

Para Livia Peres, o Brasil conseguiu mostrar mais uma vez o papel neutro frente à disputa, como um mediador. Ela lembrou ainda que o governo Lula já possui um canal de comunicação aberto e construído com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro.
"Diante disso, me parece que a reunião com o presidente da Guiana, Irfaan Ali, é ainda mais relevante nesse sentido. Foi uma viagem importante, embora a reunião com Maduro durante a cúpula da CELAC também represente essa ideia de criar alguma equidistância e se colocar como um ator que poderia mediar, de alguma forma, essa disputa", frisa.
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Integração voltada para a infraestrutura

Outro destaque citado pela pesquisadora do Gedes foi a apresentação pelo governo brasileiro de um projeto de infraestrutura de transportes (rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário) entre os países da América Latina, cuja ligação brasileira ao Pacífico reduziria em 10 mil quilômetros a distância do país para mercados asiáticos.

"É muito interessante que essa integração e infraestrutura é dirigida principalmente para atender uma demanda de exportação para a China. Então isso é algo que ele fala no discurso dele, da importância de construir infraestrutura para o acesso ao Pacífico e esse acesso ao Pacífico ser importante especialmente para exportar produtos para a China. Então acaba sendo uma visão de integração regional voltada para fora, não voltada necessariamente para aumentar as relações entre a região apenas", defende.

Liderança brasileira na região é ameaça aos EUA?

De acordo com a especialista, diante de uma tentativa brasileira de retomar seu protagonismo principalmente na América do Sul, os Estados Unidos buscam impor parâmetros e limites que condizem com os próprios interesses e sua política externa.
"Então o Brasil, por exemplo, mediar essa disputa entre a Guiana e a Venezuela é algo que os Estados Unidos veem com muito mais naturalidade do que o Brasil se posicionar no que se refere ao genocídio que tem acontecido na Faixa de Gaza. Por outro lado, algumas posições do Brasil incomodam muito os Estados Unidos. Principalmente quando a gente pensa em termos da própria Venezuela e das questões internas, existem algumas divergências que são claras", finaliza.
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