Hoje tais situações são plenamente concebíveis, devido às novas tecnologias da guerra. Os últimos anos testemunharam criações inovadoras e disruptivas na arte da guerra, cujo ineditismo provocou uma mudança radical nos conflitos do século XXI.
Dada a crescente competição entre as grandes potências, o setor de defesa de nações poderosas como Estados Unidos, Rússia, China, Índia, França, Alemanha, Reino Unido etc. não poupa esforços para atingir avanços tecnológicos significativos perante seus adversários. Com isso, tecnologias emergentes estão cada vez mais sendo utilizadas para ajudar forças militares a alcançar objetivos estratégicos diversos.
No entanto, essas novas tecnologias também representam uma enorme ameaça para a sociedade, caso não controladas adequadamente.
Apesar dos riscos, no entanto, fato é que a superioridade tecnológica perante um adversário em potencial foi durante muito tempo um dos maiores contribuintes para o poderio militar dos grandes Estados no sistema internacional. Sua aplicação adequada tem decidido batalhas, alterando para sempre o panorama das relações diplomáticas entre os países ao longo do tempo.
A título de exemplo, durante a Guerra dos Cem Anos (1337–1453), entre França e Inglaterra, mesmo que em determinadas batalhas as forças inglesas estivessem em desvantagem numérica diante do poderoso e fortemente armado Exército francês, os ingleses ainda assim foram capazes de obter vitórias devido ao maior alcance e penetrabilidade de seus arcos longos.
No âmbito da Segunda Guerra Mundial, por sua vez, o Reino Unido conseguiu impedir a invasão total do país pelos alemães ao utilizar eficazmente sua tecnologia de radar e táticas de interceptação contra a poderosa força aérea nazista. Já em 1945, os Estados Unidos aceleraram a derrota do aguerrido Império Japonês ao utilizarem a arma mais letal já criada pelo ser humano, a bomba atômica. Não à toa, todo o período subsequente da Guerra Fria foi marcado por uma corrida armamentista entre as duas superpotências do sistema (Estados Unidos e União Soviética), que brigavam por superar um ao outro em termos de inovação e em tecnologias nucleares e de defesa.
Com o passar do tempo, percebendo o potencial dessas novas e disruptivas tecnologias para a revolução das capacidades militares de um país, os governos de todo o mundo começaram a investir fortemente em pesquisa e desenvolvimento, colaborando com instituições privadas e de ensino. A ideia era explorar diferentes e mais eficazes formas de matar, que diminuíssem os custos humanos do agressor.
Ora, na própria reunião de líderes da OTAN de 2021, em Bruxelas, a Aliança Atlântica lançou a sua famosa Agenda 2030, identificando nove áreas de inovação a serem consideradas pelos setores de defesa dos países-membros, entre elas: inteligência artificial, sistemas letais autônomos, tecnologias quânticas, biotecnologia, sistemas de mísseis hipersônicos, estudo de novos materiais, entre outros.
O intuito é ampliar as capacidades das Forças Armadas da OTAN em áreas envolvendo automatização de sistemas, tomada de decisões, inteligência artificial e análise de dados, reduzindo assim o índice de erro humano em suas futuras operações. Na Rússia, por outro lado, o presidente Putin já anunciava em 2017 que o país pretendia se tornar um líder em inteligência artificial de ponta.
22 de novembro 2023, 06:25
Tanto o Ocidente como os russos sabem que sistemas automatizados de defesa e o implemento de armas mais inteligentes de guerra podem diminuir significativamente o número de vítimas humanas envolvendo conflitos.
No mais, o aprimoramento da inteligência artificial e o uso de novas tecnologias de deepfake (falsificação de rostos) têm permitido a muitos atores estatais e não estatais lançar campanhas de desinformação pelo mundo todo, gerando caos e instabilidade, mesmo fora do campo de batalha. Outrossim, soldados aprimorados geneticamente (através de exoesqueletos, implantes e modificações genéticas) também parecem ser uma possibilidade estudada para o futuro.
Fora todos os elementos citados acima, também se discute recentemente a respeito de sistemas de armas autônomas letais (LAWS, na sigla em inglês), conhecidos como "robôs assassinos", capazes de interpretar dados de sensores especiais a fim de selecionar e atacar determinados alvos sem a necessidade de instruções humanas.
Para além desses sistemas, veículos aéreos não tripulados já mostraram sua eficácia em combate (tanto para missões de ataque quanto de reconhecimento) ao longo dos últimos meses, bastando-nos olhar para sua utilização em larga escala no âmbito do conflito na Ucrânia, por exemplo. Hoje, para além de veículos aéreos não tripulados, já existem também veículos não tripulados de caráter terrestre e mesmo subaquático.
Em suma, se antes as guerras eram travadas entre homens e homens, hoje ela é travada entre máquinas e homens. De acordo com um relatório recente de um painel de especialistas do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não será uma surpresa se, daqui a alguns anos, os campos de batalha estiverem completamente repletos de armas automatizadas e independentes da intervenção humana. Episódios assim não estão mesmo tão distantes de acontecer.
Seja como for, o desenvolvimento de outras formas de matar é quase que uma constante no decorrer de toda a história humana. Afinal, são apenas novas armas colocadas ao dispor de homens que evoluíram tecnologicamente, mas não em seus hábitos. Equipamentos modernos e novos instrumentos de terror são apenas facetas contemporâneas de um fenômeno que parece nos acompanhar desde sempre, o fenômeno da guerra.
É a velha história de Caim e Abel, repetida inúmeras e inúmeras vezes, desde o primórdio dos tempos.
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