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'Não é fábrica de chocolate': por que estatizar a Avibras, pioneira na criação de foguetes e mísseis

O plano de recuperação judicial da Avibras foi homologado no último dia 19 de fevereiro, mas o futuro da empresa ainda é incerto.
Sputnik
Enquanto a companhia busca um "investidor estratégico para capitalizar a empresa", segundo nota enviada à Sputnik Brasil, trabalhadores e analistas militares lutam por sua nacionalização junto ao governo federal.

O que produz a Avibras?

Com mais de 60 anos de existência, a Avibras projeta e desenvolve mísseis e foguetes para aplicações militares e pesquisa espacial. A maior parte dos seus clientes são as Forças Armadas internacionais, como Iraque, Arábia Saudita, Catar, Angola, Líbia, Indonésia e Malásia.
A companhia também é reconhecida no desenvolvimento de uma extensa classe de propelentes sólidos compósitos de alta energia; em outras palavras, combustíveis para foguetes. Isso torna a empresa brasileira um pivô estratégico e tecnológico no setor da Defesa nacional.
Suas instalações principais ficam localizadas em São José dos Campos e regiões próximas, onde são produzidos equipamentos militares de alta tecnologia. Entre seus principais produtos estão o míssil Skyfire, cuja empresa possui um contrato de fornecimento para o Exército brasileiro, e o lançador de foguetes Astros II.
O Astros II é considerado um dos melhores lançadores de foguetes do mundo, graças à sua alta mobilidade, blindagem, rapidez de disparo e emprego, tripulação reduzida e possibilidade de transporte em aviões cargueiros como o Hercules C-130 e o Embraer KC-390.

Como está a Avibras hoje?

Em seu plano de recuperação judicial, a Avibras deve pagar todas as dívidas contraídas até 18 de março de 2022, data em que protocolou na Justiça o pedido de recuperação judicial. Na época, a empresa alegava uma dívida de R$ 600 milhões. Atualmente, o montante da dívida é impreciso, mas dados do mercado financeiro o colocam acima de R$ 1,2 bilhão.
Desse total, R$ 14,5 milhões se referem a dívidas trabalhistas. Segundo o acordo de recuperação judicial, os trabalhadores poderão escolher entre receber 82% do valor devido ou aguardar até agosto deste ano para receber 100% dos débitos.
Para Weller Gonçalves, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, a possibilidade de a companhia não pagar integralmente a dívida com os trabalhadores demonstra como a lei de recuperação judicial "não é boa para os trabalhadores".

"O trabalhador — quando tem uma dívida na sua realidade financeira, quando está desempregado ou quando não consegue pagar as contas dentro do mês — não pode escolher pagar da forma que quiser."

Outra parte da dívida, R$ 386 milhões de passivo fiscal, será reduzida para R$ 63 milhões graças à negociação com a União, por meio do mecanismo da transação tributária, que oferece descontos sobre juros e multas, estende prazos e pode até mesmo amortizar a dívida.

O que aconteceu com a Avibras?

Segundo a empresa, a situação deficitária foi causada por dois fatores: a imprevisibilidade das compras anuais das Forças Armadas do Brasil e a pandemia de COVID-19, que fechou fronteiras e paralisou as atividades.
A Avibras alegou uma queda de 70% na receita entre 2020 e 2021, caindo de R$ 848 milhões para R$ 232 milhões.
Para os trabalhadores da Avibras, no entanto, isso não justifica a contração dessas dívidas. Nos anos anteriores, ressalta Gonçalves, "a empresa teve lucros absurdos que dariam para, em um momento sem contratos, manter minimamente o salário e o emprego dos trabalhadores".
Historicamente, sublinha Gonçalves, a Avibras nunca dependeu das Forças Armadas para obter lucro. Em 2017, por exemplo, a empresa anunciou um faturamento de R$ 1,7 bilhão. Desse valor, 90% foi oriundo de exportações.

"Cerca de 75% do que a Avibras vende vai para o Oriente Médio", disse.

Esse fato, contudo, ressalta a falta de apoio que a empresa brasileira encontra do governo. Para Robinson Farinazzo, analista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, a indústria de Defesa precisa "ter um um arcabouço de apoio do governo em termos de financiamentos, isenções e subsídios".

"Ela não é uma fábrica de refrigerante, de chocolate, de cigarro que vende toda hora. Ela às vezes faz uma única venda no ano. Então precisa de suporte."

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A Avibras pode ser estatizada?

A Avibras, ressalta Gonçalves, "é a principal indústria de Defesa que temos no nosso país, uma das mais importantes do mundo". Com mais de 60 anos de história, de qualificação de sua mão de obra e de geração de tecnologia, a companhia é "estrategicamente importante para a defesa da soberania do país", afirmou o líder sindical.
Nesse sentido, a Avibras é parte fundamental da Base Industrial de Defesa (BID) e, portanto, detentora de conhecimento e expertise inestimáveis para o Brasil. Com a crise na empresa, ressalta Gonçalves, muitos dos trabalhadores desistiram de esperar uma solução e "foram para outras companhias também do segmento de defesa, como a Akaer, a Mac Jee e a Siatt.
Em busca de melhorar seu caixa e arcar com as dívidas, a Avibras hoje busca um investidor, e empresas estrangeiras interessadas já se apresentaram. Para Weller Gonçalves, no entanto, por sua importância, a Avibras deveria ser estatizada.

"Uma empresa tão importante como a Avibras ser entregue para o capital estrangeiro ameaça não só os empregos, mas toda essa tecnologia na fabricação de armamento bélico."

"Se for para vender para fora, é melhor o governo nacionalizar", afirma Farinazzo. De fato, apontam os especialistas, uma maior participação do governo na empresa, da forma que seja é necessária, e Gonçalves ressalta que há espaços para isso.

"O Brasil compra 75% do armamento de fora e, com isso, ele não desenvolve a sua indústria de defesa nacional […]. O governo tem que minimamente fazer compras dos produtos da Avibras."

Já Farinazzo destaca que um volume alto de compras é só o início. "O governo precisava investir em pesquisa e desenvolvimento apoiando essas empresas e, então, lançar concorrência para projetos novos". Dessa forma, as empresas da BID poderiam "acelerar os seus processos de pesquisa e desenvolvimento".

"Mesmo que você tenha um projeto em pesquisa e ele não vá para frente, aquilo que você obteve em termos de conhecimento vai te dar base para o projeto seguinte", explicou o oficial da Marinha.

Há possibilidade de que o governo federal possa obter uma participação na Avibras com a conversão de sua dívida em ações douradas, ou golden shares, assim como é com a Embraer. De acordo com Farinazzo, contudo, esse modelo pode se mostrar insuficiente para uma empresa como a Avibras. "A natureza da Embraer é diferente da natureza da Avibras", disse.
A Embraer é uma companhia com perfil duplo, afirmou. "Ela se vira muito bem no mercado civil, tem uma linha de jatos reconhecido internacionalmente."

"Agora uma empresa que nem a Avibras já é desenhada para o mercado militar dificilmente vai ter essa dualidade. É um perfil diferente da Embraer."

Quem é o dono da Avibras?

Hoje, 98% das ações pertencem a uma única pessoa, João Brasil Carvalho Leite, filho de um dos fundadores, João Verdi Carvalho Leite, engenheiro formado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Para os trabalhadores da empresa, a única solução possível para o dilema que vive a Avibras é a sua estatização. Em conversas com o ministro da Defesa, José Mucio, e o vice-presidente da República e também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, o sindicato expõe seu desejo e a revolta com os dez meses de salário em atraso.
"O pedido principal e a campanha do sindicato é a sua estatização", afirmou Gonçalves.

"Mas esse é um debate que deve ser feito a partir da estratégia da defesa do nosso país, e que deve ser levado à sociedade, cobrando todos os governos tanto na esfera municipal, estadual e principalmente federal."

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