Panorama internacional

Orgulho e preconceito: fundamentos da geopolítica britânica e sua oposição histórica à Rússia

Como uma das principais potências marítimas da história, desde meados do século XIX a Grã-Bretanha escolheu um caminho de ferrenha oposição à Rússia. Da Guerra da Crimeia ao conflito na Ucrânia, os britânicos não perdem a oportunidade de tentar enfraquecer a Rússia seja na Europa seja na Ásia.
Sputnik
Desde tempos remotos, uma das principais preocupações da Grã-Bretanha era impedir que uma potência terrestre obtivesse dominância política na Eurásia. Em última análise, essa preocupação levou os britânicos a diversas disputas e guerras com a França na Europa, atingindo seu auge justamente na era napoleônica. Todavia, tendo Napoleão sido derrotado em 1815 por uma grande coalizão de Estados, o olhar dos ingleses se voltou então para o Império Russo. Na segunda metade do século XIX, os britânicos desconfiavam que a Rússia pudesse ameaçar suas possessões coloniais na China e, especialmente, na Índia. Afinal, a economia britânica dependia dos insumos e da expropriação de bens de seu vasto império colonial. O domínio britânico, sem prejuízo do exagero, era acima de tudo uma espécie de bloco comercial gigantesco a envolver praticamente todas as regiões do planeta. As colônias britânicas alimentavam as fábricas domésticas da ilha com matérias-primas essenciais, como algodão e borracha, servindo de fomento para o lucrativo comércio inglês com a Europa e a América. Essa condição comercial privilegiada aliada aos frutos da Revolução Industrial fez da Grã-Bretanha a principal potência mundial em meados do século XIX.
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Dado esse contexto, a Grã-Bretanha se viu tentada a buscar aliados tanto na Europa como na Ásia a fim de conter potenciais concorrentes e ameaças a seu império ultramarino. O Império Russo, por sua vez, representava para Londres justamente uma dessas ameaças, em vista de seu gigantesco território de proporções continentais e poderio militar. Para conter os russos foi que os britânicos se uniram à França e ao Império Otomano durante a Guerra da Crimeia (1853–1856), na qual as três potências impediram que a Rússia atingisse uma posição mais sólida na região do mar Negro.
Outro foco de contenção ao Império Russo localizava-se no Pacífico. Afinal, para a Grã-Bretanha os oceanos eram o seu locus de atuação internacional. Não à toa, Londres investiu muito em seu poderio naval e em sua Marinha, dando-lhe uma vantagem incomparável nesse segmento perante as demais potências do sistema.
Logo, para evitar que qualquer Estado ameaçasse o seu vasto domínio global, a Grã-Bretanha não somente geriu meticulosamente o equilíbrio de poder na Europa, como também na Ásia. Foi nesse contexto que em 1902 britânicos e japoneses assinaram um tratado de aliança bilateral que preconizava a ajuda mútua e a salvaguarda conjunta de seus respectivos interesses tanto na China como na Coreia. Esse pacto com Tóquio era de certo modo também dirigido contra o Império Russo, que vinha aumentando sua influência no continente asiático, trazendo apreensão a japoneses e britânicos. Motivados por deter um suposto expansionismo russo no Extremo Oriente, portanto, os britânicos decidiram auxiliar o Japão durante a guerra russo-nipônica de 1905. Após o conflito, Tóquio obteve o controle final da península coreana, além das Ilhas Curilas (hoje parte integrante da Rússia desde o final da Segunda Guerra Mundial).
Em suma, desde meados do século XIX ficou demonstrado que os britânicos se uniriam a qualquer potência que pudesse colocar em xeque a influência da Rússia seja na Europa seja na Ásia. Usando a sua solidez financeira, influência diplomática e intervenções militares estratégicas, Londres exerceu uma continuada e praticamente ininterrupta política de contenção à Rússia ao longo da história. Contudo, embora essa abordagem de equilibrar o poder de potenciais rivais no continente europeu tenha mantido por mais tempo a primazia da Grã-Bretanha no mundo, após o final da Primeira Guerra Mundial os limites do Império Britânico estavam já bastante evidentes. Era enfim chegado o momento de seu declínio.
O então primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill (à esquerda) e o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Josef Stalin, durante a conferência histórica entre as partes em Moscou, em 13 de setembro de 1942
O custo havia sido muito alto de lidar ao mesmo tempo com a Rússia e com a ascensão do poderio da Alemanha na primeira metade do século XX. Falando em Alemanha, Londres sempre teve em mente a ideia de não permitir de modo algum a união entre russos e alemães na Europa. Essa tinha sido uma sugestão do influente geoestrategista inglês Halford Mackinder ainda no começo do século XX, advertindo os britânicos de que caso tal união acontecesse, o poderio terrestre da Eurásia colocaria em risco a supremacia inglesa nos mares. A ameaça alemã foi vencida na Segunda Guerra Mundial por meio de uma coalização temporária entre soviéticos, ingleses e americanos, mas isso não deteve os formuladores de política em Londres de continuarem antagonizando os russos no período da Guerra Fria. Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos substituíram a Grã-Bretanha como a principal potência naval do globo, herdando também os seus imperativos geopolíticos de contenção à Rússia. Washington, com apoio tácito de Londres, optou então pela construção de uma rede de alianças militares ao redor do mundo para cercar a União Soviética e, em 1949, capitaneou a criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que tinha como principal função justamente se opor à Moscou.
Hoje a nova estratégia da Grã-Bretanha é a de reafirmar sua posição como principal aliado europeu da OTAN. Tal condição levou Londres não somente a apoiar ativamente os processos de expansão da Aliança Atlântica para o Leste no pós-Guerra Fria, como também se manifesta pela continuada ajuda financeira e militar britânica à Ucrânia na atualidade. Nessa guerra do Ocidente contra a Rússia, a Grã-Bretanha mantém seu firme compromisso com o objetivo de enfraquecer Moscou na Europa e de minar sua posição no espaço pós-soviético. Um misto de orgulho ferido pela perda do império de outrora e de um profundo preconceito para com a Rússia fizeram da geopolítica britânica o que é ela hoje. Um projeto secular de oposição à Rússia que, assim como os oceanos, parece não ter um fim à vista.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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