Panorama internacional

Governadores brasileiros da oposição em Israel: convite de Netanyahu é afronta ao presidente Lula?

Em mais um capítulo das tensões diplomáticas entre Brasil e Israel, governadores brasileiros ligados à oposição ao presidente Lula realizam uma visita ao país judeu nesta semana após convite do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, cumpre agenda em nações árabes do Oriente Médio.
Sputnik
De um lado, a acusação de genocídio na Faixa de Gaza em uma das declarações mais contundentes de um chefe de Estado desde o início do conflito no Oriente Médio, em 7 de outubro. Do outro, um líder que passou a ser declarado como "persona non grata" pelo governo israelense. A guerra promovida pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu contra o Hamas tem colocado Brasil e Israel de lados opostos há mais de cinco meses. E, desde fevereiro, as divergências se acentuaram.
Em menos de uma semana, Lula acusou Tel Aviv de cometer genocídio em Gaza duas vezes e chegou a comparar o método de massacre promovido pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) ao assassinato em massa de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. No início do mês, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a revelar que foi chamado por Netanyahu para visitar o país em meio ao conflito com o Hamas e até foi chamado de "amigo" pela Embaixada israelense no Brasil. Porém, como teve o passaporte apreendido por conta das investigações sobre a tentativa de golpe após as eleições, Bolsonaro não pode viajar.
O convite ainda foi estendido, dias depois, a pelo menos quatro governadores da oposição ao governo Lula: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; e Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro. Enquanto Zema e Castro declinaram, Freitas e Caiado iniciaram a visita oficial nesta segunda-feira (18) e devem se reunir com Netanyahu na terça (19). O goiano chegou a declarar que vai mostrar as "barbaridades" cometidas pelo Hamas, e o governador paulista negou qualquer motivação ideológica para a visita.
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Em contraponto, o governo brasileiro anunciou uma extensa agenda do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que desde o último sábado (16) participa de encontros na Jordânia, na Arábia Saudita, no Líbano e na Cisjordânia, onde vai se reunir com representantes da Autoridade Nacional Palestina.
A pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Carolina Condé, doutoranda em relações internacionais do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP), analisa à Sputnik Brasil que a visita aos países árabes "é mais uma demonstração de apoio contundente do governo" à questão palestina.

"É bastante forte, significativo e simbólico que o governo brasileiro atualmente fale com todas as palavras que é um genocídio que está em curso na Palestina e na Faixa de Gaza, mais especificamente. E todo esse apoio que o Brasil tem dado vai muito de acordo com a posição tradicional da política externa brasileira com relação a isso. O único ponto fora da curva foi o último governo, do ex-presidente Bolsonaro", explica, ao lembrar que Vieira prometeu o compromisso do Brasil em avançar com a criação do Estado da Palestina, já aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) há décadas, mas não reconhecido sequer pela entidade.

Já o professor do Departamento de Antropologia e coordenador do Núcleo de Estudos do Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense (NEOM/UFF), Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, acrescenta à Sputnik Brasil que a viagem do ministro Mauro Vieira também tem viés econômico.
"As relações com o Oriente Médio são bastante intensas, e uma marca do governo Lula foi sempre a de aprofundar o envolvimento com os países árabes e com o Oriente Médio de maneira geral. É uma região muito importante e estratégica economicamente, já que boa parte das nossas exportações de carne e frango vão para lá, e também politicamente na busca do Brasil de se afirmar como um agente chave na arena internacional", diz.
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Qual o papel de Benjamin Netanyahu?

O atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que é a principal autoridade do país, já ocupou o cargo em outras três ocasiões — a última foi por 12 anos consecutivos, entre 2009 e 2021, e conseguiu retornar ao poder menos de um ano depois após a aliança com partidos da direita defensores de políticas como o aumento do número de assentamentos judaicos na Cisjordânia, território palestino. Um dos "modus operandi" do político, segundo a pesquisadora da Unesp, sempre foi "constranger outros governantes com os quais ele não concorda", a exemplo do que ocorreu após convidar Bolsonaro e outros opositores de Lula para visitar o país.

"Netanyahu não é um político que está muito preocupado com a diplomacia tradicional. Sempre vale lembrar que ele foi o homem que, durante o governo Barack Obama [2009–2017], fez um discurso no Congresso norte-americano falando mal do presidente. Obama se elegeu com grande apoio da comunidade palestina de Chicago, e ganhou o Nobel da Paz por conta de um discurso na Universidade do Cairo falando que um dos objetivos da política externa do governo dele seria resolver a questão Israel-Palestina. Foi um momento de muita tensão entre os governos de Estados Unidos e Israel", exemplifica a especialista.

Já o professor da UFF lembra que os convites do primeiro-ministro são "ideologicamente motivados", para intensificar a base pró-Israel na oposição brasileira.
"Então não há dúvida de que o governo de Israel vai buscar aliados numa tentativa de quebrar o crescente isolamento internacional que ele se encontra por conta da guerra de Gaza e obviamente de todos os crimes de guerra que estão acontecendo por conta da ação do Exército de Israel. E buscar aliados na oposição não é algo que vá, digamos assim, melhorar as relações com o presente governo […]. Então isto é uma prática corrente da diplomacia israelense: buscar justamente aprofundar as tensões de cada país e aliados no campo político", argumenta.

O que é a polarização política no Brasil?

Acentuada nos últimos seis anos no Brasil, os embates entre o Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Lula, e a direita liderada por Bolsonaro fizeram crescer a polarização política, confirmada no ano passado inclusive pela pesquisa global Edelman Trust Barometer. Na ocasião, 78% dos entrevistados apontaram ver mais divisão ideológica do que no passado. A questão entre Israel e Palestina é só mais um elemento desse processo, defende Carolina Condé. Apesar disso, a especialista não acredita que os convites à oposição e o encontro de Mauro Vieira com autoridades palestinas ajudem a intensificar ainda mais o acirramento no cenário local.

"A questão de Israel já foi bastante usada pelo ex-presidente Bolsonaro na campanha, tanto que uma das promessas era justamente a transferência da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, tal qual fez o ex-presidente [dos EUA] Donald Trump. […] Teve ainda todo o posicionamento do governo brasileiro em organizações internacionais contrário à Palestina, que foi a primeira vez que isso aconteceu. Nem durante a ditadura militar tivemos um posicionamento contrário aos palestinos, do governo brasileiro. Claro que isso vai ser instrumentalizado, mas não um elemento novo", pontua.

Além disso, a pesquisadora enfatiza que os dois governadores são abertamente oposição ao presidente Lula, principalmente depois que compareceram no fim de fevereiro ao ato convocado pelo ex-presidente Bolsonaro na avenida Paulista, em São Paulo.
"Também há um histórico de parcerias estaduais [como São Paulo, governado por Tarcísio] com empresas israelenses com cooperações ligadas às questões tecnológicas […], como equipamentos de monitoramento e também tecnologias usadas pelas polícias", finaliza.
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