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'Fundamentos da economia': ministro do Trabalho está certo em suas críticas ao BC do Brasil?

À Sputnik Brasil, economistas defenderam a posição do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ao comentar as preocupações do Banco Central de que a queda do desemprego e a melhoria da renda da população podem levar ao aumento na inflação. "Está faltando estudar um pouco os fundamentos da economia", disse Marinho.
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Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), a média salarial do brasileiro subiu de R$ 2.754 em janeiro de 2022 para R$ 3.078 em janeiro deste ano. Da mesma forma, o desemprego chegou a seu nível mais baixo desde 2014, atingindo 7,4% da população.
Esses índices, utilizados pelo governo federal como exemplo de boa gestão, foram vistos com preocupação pelos técnicos do Banco Central. Na 261ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), os diretores do BC alertaram para uma possível alta na inflação.
Segundo os técnicos, a melhoria na economia brasileira não pode ser explicada por ganhos de produtividade, mas por "um fechamento do hiato do produto". As informações estão no parágrafo 11 da ata da reunião.
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De acordo com o economista Pedro Faria, o hiato do produto "é basicamente uma medida de superaquecimento ou desaquecimento da economia". "Se o hiato é positivo, quer dizer que a economia está acima do seu potencial e há pressão inflacionária; se é negativo, está abaixo do potencial e não tem."
Isso significa que, para o Banco Central, a economia brasileira está se aproximando de sua capacidade produtiva máxima.
Apesar de ter baixado a taxa Selic pela sexta vez seguida, de 11,25% para 10,75%, o país tem uma das maiores taxas de juros reais do mundo, disputando a liderança com o México. Essa política foi criticada pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, como resposta às observações do BC.
Para o ministro, o Banco Central opta por uma maneira "burra" de controlar a inflação ao ter uma política de taxa de juros tão alta. Em vez disso, para Marinho, o Banco Central deveria ajudar com o desenvolvimento da economia, como o aumento da produção e a geração de empregos, por meio da redução da taxa de juros.

"Se cresce o número de empregos, vai crescer a demanda de consumo. Se cresce a demanda de consumo, as empresas não devem esperar faltar mercadoria lá na gôndola do supermercado. Eles têm que antecipar a velocidade da linha, contratando mais gente, botando mais oferta de produtos. É assim que se controla a inflação, de forma inteligente", disse Marinho.

"A lógica do ministro está correta", diz Fábio Sobral, professor de economia da Universidade Federal do Ceará (UFC). "Nós temos populações extremamente pobres. Não podemos esquecer que há 20 milhões de pessoas que passam fome praticamente todos os dias."

"É preciso uma política ativa de melhoria da vida da população, da renda, do país, da capacidade e da qualidade de vida do país."

"Ganho de produtividade vem pelo investimento, e investimento só acontece quando os capitalistas têm a perspectiva de vender o que eles vão produzir a mais", afirmou Faria.
"Para que a gente tenha uma modernização da economia brasileira, a gente tem que ter demanda agregada: consumo, investimento, exportações e gasto do governo crescendo para que os empresários capitalistas tenham a perspectiva de venda e queiram investir em inovação."

"Ninguém vai investir em melhoria de processo, em compra de máquina nova, se não tiver a perspectiva de venda. O ministro está muito certo nisso."

Sobral lembra ainda que 60% do produto interno bruto (PIB) do Brasil vem do consumo dos brasileiros, ou seja, acaba sendo dependente da renda da população. Nesse sentido, a política do Banco Central de querer arrefecer o crescimento salarial "reduz o tamanho da economia, reduz o PIB".

"Diminuir salários, ao contrário do que eles dizem, não cria emprego, faz desaparecer empregos porque a economia diminui."

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Há problemas na metodologia do Banco Central

Tanto Pedro Faria quanto Fábio Sobral destacaram problemas nos cálculos do Banco Central para aferir o potencial da economia brasileira. Para Faria, as medições de hiato de produto "não captam a realidade da oferta no Brasil". "Ela [a metodologia] tem um viés muito claro de produzir taxas de juros muito altas."
O primeiro problema na equação é que não se afere o crescimento histórico da economia. "O Brasil cresceu muito pouco na última década. Se o crescimento histórico foi baixo, qualquer crescimento um pouquinho mais acima já é considerado um hiato de produto alto."
Outro problema é não levar em consideração outras parcelas da população. Segundo a mesma pesquisa da PNAD, a taxa de subutilização entre os trabalhadores brasileiros é de 17,3%.

"Então, apesar do desemprego estar caindo, nós ainda temos muitas pessoas que estão trabalhando menos do que gostariam, pessoas que estão, no geral, em subempregos variados de baixíssima produtividade, como entrega por aplicativo, camelôs", afirmou Faria.

Nessa camada de subutilização, aponta Sobral, há ainda aqueles chamados de desalentados, pessoas que desistiram de procurar emprego porque não encontram. Segundo a PNAD, são 3,5 milhões de desalentados no Brasil.
Há ainda, de acordo com o professor da UFC, 11 milhões de jovens da geração "nem-nem", que nem estudam e nem trabalham. "É um número muito alto que precisa ser incorporado ao mercado de trabalho, ao processo produtivo, ao emprego, à renda."

"Então nós estamos longe de ter uma saturação do mercado de trabalho", disse Sobral.

Banco Central tem 'viés conservador'

O Banco Central não está preocupado em melhorar a qualidade de vida da população, afirma Sobral. Essa visão é esclarecida por Faria, que aponta que o BC possui uma meta de inflação "muito baixa para uma economia subdesenvolvida". "A nossa meta de inflação é 3%."
"É importante ter uma meta mais folgada porque hoje somos 17,5% da população subocupada. Uma característica de uma economia subdesenvolvida é o descompasso entre setores", disse Faria. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo que um setor da economia pode estar alcançando o pleno emprego, em outros há muitas pessoas subocupadas.

"A gente confunde o pleno emprego com o pleno emprego de trabalho, mas o pleno emprego também é o pleno emprego de capital. 'A economia está em pleno emprego dos fatores', é a expressão original."

Dessa forma, explica Faria, "ao manter uma meta de inflação baixa, ou excessivamente baixa, você não permite ao processo inflacionário acomodar esses descompassos". "Então aceitar a meta de inflação mais alta, em 4,5% — não estamos falando de inflação de 10%, a gente permite o processo que o ministro descreveu de demanda agregada forte, que investe em inovação e qualifica a força de trabalho."
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No entanto, ressalta Sobral, o BC tem como objetivo primário o combate à inflação. Só depois da aprovação de sua independência que foi determinado que ele deveria se preocupar também com o nível de emprego. "Ele está se preocupando, mas contra o povo brasileiro" ao seguir "uma teoria fajuta de que ao aumentar os juros se combate à inflação."
Segundo Sobral, a diretoria do Banco Central, comandada por Roberto Campos Neto, "é de uma visão extremamente atrasada da economia, que é contra qualquer melhoria na distribuição de renda".

"Eles são favoráveis à concentração de renda e ao benefício, principalmente aos setores financeiros."

Há estudos que constatam, destaca Faria, esse viés conservador do Banco Central. "Ele causa uma dificuldade para que a economia tenha ganhos de produtividade", afirma.
"E é justamente através dessa falta de produtividade que o Banco Central usa como argumento que os salários estão superaquecidos, que a taxa de desemprego já está baixa demais, mesmo um sexto da população brasileira ainda estando subocupada."

"O ministro Marinho está certo. A gente precisa de demanda agregada aquecida para poder ter ganho de produtividade, investimentos em novas máquinas, novos processos, formação da força de trabalho", disse Faria.

Essa política de manutenção dos juros altos, para Sobral, evidencia ainda outro caráter do BC: o parasitismo financeiro. "O processo de financeirização do mundo, de um capitalismo financeiro do período da globalização, não estabelece somente uma espécie de preguiça [de desenvolvimentismo]. É um parasitismo financeiro."

"Aumentar juros só beneficia aos especuladores que detêm a dívida pública brasileira. Só favorece aos setores financeiros, financistas."

Esse parasitismo é muito próprio do capitalismo, "com grande domínio de oligopólios, de gigantescas corporações que exploram a população por intermédio desses mecanismos, principalmente do endividamento público", diz Sobral. "É um mecanismo muito próprio também de sistemas muito injustos."

"Da realidade brasileira, onde a concentração de renda é brutal e tem semelhanças desde o Brasil Colônia até hoje, há uma parcela muito diminuta da população, extremamente rica, e a grande maioria não tem acesso a rendimentos melhores."

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