Bioinsumos: salvação da lavoura ou sonho distante na substituição dos agrotóxicos?
A isenção fiscal para agrotóxicos voltou a ser pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana com a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona a redução de 60% da base de cálculo do ICMS e isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) desses produtos.
SputnikAjuizada pelo Psol em 2016, a ação compara os agrotóxicos a cigarros, que têm taxação extra por gerarem custos ao
sistema público de saúde e à Previdência Social devido aos impactos na saúde e no meio ambiente.
O mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal há cerca de 27 anos.
O julgamento havia sido suspenso em junho de 2023, com pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Na semana passada, o
ministro André Mendonça pediu destaque, e o julgamento que ocorria em formato virtual agora terá que ter
deliberação de forma presencial, sem data prevista. Mendonça votou pela procedência parcial do pedido, argumentando a necessidade de
tributação diferenciada, de acordo com
níveis de toxicidade e ecotoxicidade dos produtos.
Oito ministros já haviam se manifestado, formando maioria a favor da isenção, mas os votos serão desconsiderados, pois na deliberação presencial é necessária nova fundamentação.
Recebendo a alcunha de
"bolsa-agrotóxico", a medida é
alvo de críticas por entidades ambientais, de direitos humanos e da área da saúde, que defendem uma
tributação mais rígida para reduzir agrotóxicos nas lavouras brasileiras e estimular uma
transição agroecológica.
28 de dezembro 2023, 17:10
Como substituir os agrotóxicos sem perder a produtividade no agronegócio?
Em conversa com a
Sputnik Brasil, o pesquisador da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Marcos Rodrigues de Faria lembra que a agricultura orgânica se baseia na adoção de processos naturais, sendo vetado o uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos.
Com base em dados de 2021 da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM, sigla em inglês), o pesquisador destaca que cerca de 1,6% da área agrícola do mundo, em média, é orgânica. No Brasil, esse percentual é de 0,6%, o mesmo dos EUA.
O número é baixo, se comparado com países como Uruguai (19,6%), Argentina (2,7%) e o continente europeu, em que o percentual varia de 9,6% a 16,7%.
"Entretanto, tem havido no Brasil um número crescente, embora relativamente pequeno, de produtores de grãos que têm sido capazes de produzir de forma mais racional, com menor quantidade de químicos, priorizando a saúde do solo por meio de práticas como compostagem, plantio direto, utilização de inoculantes, entre outras, além da priorização dos produtos biológicos para o manejo de pragas", comenta ele.
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Formulações para manter a estabilidade e a viabilidade do produto biológico durante o tempo de prateleira
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Foto do Bacillus thuringiensis, onde se observa dentro da célula o esporo oval e mais claro e o cristal, menor e mais escuro
Para o professor titular da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) Leonardo Cavalcante, o avanço desse setor depende, sobretudo, de investimento em pesquisa.
"Pensar que os próprios agrotóxicos são frutos de pesquisa, de inúmeros testes, seria injusto com moléculas biológicas, como os biodefensivos, não terem esse tempo de pesquisa, de experimentação. Temos exemplos históricos. A própria penicilina é um produto biológico que acabou depois sendo sintetizado comercialmente", lembra ele em entrevista concedida à Sputnik Brasil.
Biodefensores e bioestimulantes
Os biodefensores atuam para evitar a infestação de pragas e doenças nas plantas, estimulando as defesas vegetais a produzir camadas protetoras ou substâncias nocivas aos micro-organismos. Já os bioestimulantes são adubos orgânicos.
Com doutorado em entomologia, Rodrigues atua na
área de bioinsumos, com foco no aperfeiçoamento de políticas públicas e no controle de qualidade de produtos comerciais à base de fungos
agentes de controle biológico.
Ele afirma que, ainda na década de 1970, fungos benéficos eram utilizados na cana-de-açúcar para o controle de insetos-praga conhecidos como cigarrinhas.
O pesquisador conta que, há cerca de dez anos, os biodefensivos deixaram de ser restritos às plantações perenes e semiperenes e passaram a ser adotados por
produtores de grãos e outras commodities em larga escala.
"Atualmente, mais de 100 empresas produzem esses bioinsumos e mais de 600 produtos comerciais já estão disponíveis para os usuários brasileiros."
De acordo com o pesquisador da Embrapa, o Brasil é o maior consumidor mundial de bioinsumos agrícolas. Ele salienta que o mercado de produtos biológicos para a nutrição e o crescimento de plantas, a tolerância ao déficit hídrico e o manejo de pragas agrícolas têm crescido em ritmo acelerado nos últimos anos.
"Entre 2017 e 2020, por exemplo, a taxa anual de crescimento foi superior a 15%. Em 2023, foi de quase 50% em relação ao ano anterior. Curiosamente, esses bioinsumos representam menos de 10% do mercado dos agroquímicos e, portanto, ainda há muito espaço para taxas de crescimento robustas nos próximos anos", opina.
Grande defensor dos defensivos agrícolas biológicos, o
deputado federal Otto Alencar Filho (PSD-BA) conversou com exclusividade com a
Sputnik Brasil sobre o assunto. Ele votou contra
o PL 6299, aprovado pelo Congresso em 2022, que se tornou o
novo marco legal sobre o uso de pesticidas.
"A Câmara aprovou o PL 6299, chamado de Pacote do Veneno, por pressão da bancada ruralista e da Frente Parlamentar da Agricultura [FPA], que buscava manter os benefícios dos insumos para a produção de alimentos, já que não existiam até o momento alternativas no mercado de produtos com baixa ou nenhuma toxicidade e sustentáveis", cita o deputado.
Ele é autor do PL 4356/2021, que incentiva com benefícios fiscais produtos de baixa ou nenhuma toxicidade, e do PL 4338/2023, que incentiva a produção de amônia, ureia e fertilizantes.
Segundo o parlamentar, a maioria dos deputados federais e senadores é a favor dessas mudanças, mesmo os ruralistas, "pois todos sabem da importância de tirar do mercado produtos cancerígenos que possuem substitutos com baixa ou nenhuma toxicidade".
"A questão é que, até pouco tempo, não existiam incentivos para esse setor industrial. É fundamental que empresas como Bayer, Basf, entre outras, invistam nos parques fabris para realizar essas mudanças positivas e necessárias para a humanidade e o meio ambiente", opina Otto Filho.
O deputado lembra que em outros países essas mudanças estão acontecendo gradativamente, e a utilização de biotecnologia e nanotecnologia deve acelerar a comercialização de produtos de baixa ou nenhuma toxicidade à base de moléculas naturais limpas.
O professor Cavalcante, que é agrônomo e doutor em bioquímica de doenças de plantas, frisa que uma molécula química pode causar um dano bem maior do que um produto natural que já está no meio ambiente, um dos argumentos para investir pesado nessa transição.
Se é um setor tão promissor, por que grandes indústrias não investem em pesquisa?
O agrônomo e bioquímico responde a questão.
"Porque tem a ver também com a questão do patenteamento. O produto biológico é mais difícil de patentear, pois é de origem natural. Você só pode patentear o processo de obtenção dele. Qualquer mudança nesse processo foge do patenteamento. A empresa não poderia cobrar essa patente."
Outra dificuldade em relação aos investimentos é que, diferentemente dos agrotóxicos, os produtos biológicos precisam de adaptação mais refinada e cuidadosa, pois muitas vezes são liberados sem a composição que um agrotóxico tem, como
moléculas estabilizadoras, explica o professor: "As
moléculas biológicas muitas vezes são liberadas isoladas e podem apresentar alguma dificuldade de adaptabilidade."
Algas calcárias, fungos e bactérias
Os fungos e as bactérias de solo representam atualmente o maior potencial de crescimento no país, ponderam os entrevistados, entre os biodefensores.
Na área de
biossegurança agronômica, o deputado destaca os
bioinseticidas com moléculas limpas, "tão eficientes como os sintéticos, para que se tenha um efeito de supressão sobres as pragas, de contato e sistêmico".
Também estão no radar as algas calcárias que, fossilizadas, tornam-se calcário com boa reatividade. O pesquisador da Embrapa pondera que ainda faltam estudos mais aprofundados sobre o tema.
Outras frentes de pesquisa estão estudando extratos de macroalgas marinhas e, entre outras espécies, como agentes bioestimulantes e biofertilizantes.
"Os resultados são sempre muito variáveis e existem poucos produtos registrados no mercado. Muitos são comercializados de forma muito artesanal. Existem estudos que mostram a viabilidade de cultivos marinhos com essa alga, mas tudo ainda no campo da pesquisa e especulação", comenta o integrante da Embrapa.
Agricultura familiar: chave para o sucesso dos bioinsumos
A política de
apoio à agricultura familiar acaba indiretamente apoiando o avanço do uso desses produtos naturais, ressalta Cavalcante.
"A agricultura familiar na Bahia, por exemplo, está sendo muito fortalecida, e aí tem editais específicos para isso, com pesquisas mais aplicada à produção dessas moléculas descobertas e produção desses produtos naturais com biodefensivo", exemplifica ele.
O professor universitário também comenta que os biofertilizantes ganharam mais espaço a partir dos conflitos recentes no planeta, que evidenciaram a "extrema dependência" brasileira de adubos estrangeiros, sobretudo da Rússia.
"Se houver investimento público em pesquisa e conscientização, a balança pode pesar mais para esses produtos em até uma década. Com o fortalecimento da agricultura familiar, das universidades, que estão se recuperando de um período sem investimento, de cinco a dez anos, podemos ter esse setor ocupando espaços com grande força", conclui o professor.
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