Panorama internacional

Jackpot para contratantes de armas e dor para a Ucrânia: quem ganha com pacote de US$ 61 bilhões?

A Câmara dos Estados Unidos realizou uma sessão rara neste sábado (20) para votar um pacote de US$ 95 bilhões (R$ 468 bilhões) para a Ucrânia, Israel e Taiwan. A votação ocorreu após meses de esforços de legisladores para concentrar recursos também na crise da fronteira sul do país com o México.
Sputnik
A Câmara aprovou o projeto de lei que dá assistência financeira para aliados, parceiros e Estados clientes dos EUA no exterior no sábado, após um impasse de seis meses com a oposição na Câmara. Quase US$ 61 bilhões (R$ 316 bilhões) são destinados a alimentar o conflito na Ucrânia, além de outros US$ 26 bilhões (R$ 35 bilhões) para Israel (quase oito vezes mais do que Washington normalmente envia para Tel Aviv em um ano). O valor restante, que é de US$ 8,12 bilhões (R$ 42,2 bilhões) vão intensificar as tensões com a China em Taiwan e na região do Indo-Pacífico de forma mais ampla.
Com a aprovação, o pacote de ajuda agora será votado no Senado, onde líderes de ambos os partidos têm clamado por meses para que a assistência externa seja urgentemente aprovada. Caso passe na Casa, a legislação acabará na mesa do presidente Biden para assinatura.
Apoiadores e opositores do pacote de ajuda externa fizeram discursos antes da votação reiterando suas posições. "Costumo dizer que nunca é tarde para fazer a coisa certa. Mas esperar para fazer a coisa certa tem um custo. Vimos esse custo em Israel nesta semana, enquanto um Irã encorajado lançou um ataque sem precedentes ao nosso aliado. Para a Ucrânia, o custo de nossa inação é grande, se não incalculável. É medido em vidas ucranianas, cidades e territórios perdidos. Hoje agimos. Agimos para deixar claro para o mundo que a América ainda é defensora da liberdade, da democracia e do direito internacional", disse o democrata de Maryland, Steny Hoyer.
A republicana da Geórgia, Marjorie Taylor Greene, uma ferrenha oponente de mais assistência dos EUA à Ucrânia, propôs uma emenda para reduzir o apoio a Kiev a zero. "O contribuinte dos Estados Unidos já enviou US$ 113 bilhões (R$ 587 bilhões) para a Ucrânia, e muito desse dinheiro não foi contabilizado", disse Greene.

"O governo federal continua a financiar o complexo militar-industrial, e esse é um modelo de negócios que exige que o Congresso continue votando por dinheiro para financiar guerras estrangeiras. Esse é um modelo de negócios que o povo americano não apoia. Eles não apoiam um modelo de negócios baseado em sangue, assassinato e guerra em países estrangeiros, enquanto esse mesmo governo não faz nada para proteger nossa fronteira. O povo americano tem mais de US$ 34 trilhões (R$ 176,9 bilhões) em dívida e a dívida está aumentando mais de US$ 40 bilhões (R$ 208 bilhões) todas as noites enquanto dormimos. No entanto, nada é feito para proteger nossa fronteira ou reduzir nossa dívida", afirmou.

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Ao comentar as pesquisas que indicam que a maioria dos americanos desaprova novas ajudas à Ucrânia, Greene disse que o Congresso escolheu votar para "proteger a Ucrânia" em vez de proteger "os cidadãos americanos que pagam seu salário".
"A Ucrânia nem mesmo é membro da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Mas a coisa mais importante que você ouve em Washington é que temos que enviar o dinheiro dos impostos arduamente ganhos pelos americanos para a Ucrânia e manter o dinheiro fluindo, para continuar a matar ucranianos, dizimar uma geração inteira de homens ucranianos. Que tipo de apoio é esse? É repulsivo," disse a republicana da Geórgia.

Financiamento vai prolongar crise ucraniana

Os bilhões de dólares em nova ajuda dos EUA podem prolongar a crise ucraniana, mas não poderão garantir uma vitória da OTAN na guerra por procuração contra a Rússia, diz o ex-analista sênior de política de segurança Michael Maloof. "O dinheiro que está indo para a Ucrânia, em grande parte, provavelmente irá para os contratantes de defesa dos EUA em vários estados, mas para fabricar equipamentos mais novos para nossos próprios estoques, o que permitirá que os EUA descarreguem equipamentos mais antigos para a Ucrânia", disse Maloof à Sputnik.
"Não será suficiente para a Ucrânia superar sua atual posição geoestratégica neste momento, simplesmente porque eles não têm uma capacidade consistente de armar", acrescentou o especialista, apontando que, junto com as armas em si, está a capacidade de encontrar militares para usá-las, algo com que o regime de Kiev tem cada vez mais dificuldade.
"Outras verbas a serem destinadas à Ucrânia são para pagar funcionários do governo", disse Karen Kwiatkowski, tenente-coronel aposentada da Força Aérea dos EUA, à Sputnik. "Portanto, presumivelmente, isso incluirá atender às necessidades dos soldados, mas será primeiro destinado aos burocratas de Kiev. Dada a forma como será alocado, muito pouco será percebido por aqueles que realmente estão lutando", acredita Kwiatkowski.
"Provavelmente, os bilhões que chegarem à Ucrânia serão instantaneamente absorvidos para pagar contas do governo em vez do esforço de guerra", disse ela, apontando para o enorme déficit orçamentário de Kiev.

"Eles não têm meios para empreender uma contraofensiva, e dados os volumes de artilharia que queimam, mesmo o que os EUA estão propondo provavelmente não duraria mais de seis meses, no melhor dos casos. E ainda é incerto o que a Europa vai fornecer. Então acho que a Ucrânia basicamente já era. É só uma questão de tempo para que os russos limpem o território. E vai levar um tempo para essa realidade cair para [o presidente Vladimir] Zelensky, que deveria começar a considerar sair de lá rápido porque eu acho que o país não vai durar muito tempo politicamente", disse Maloof sobre a proposta de assistência militar.

Quanto ao apoio imediato a Kiev, Maloof enfatizou que os EUA não têm o arsenal e nem a capacidade de produção para superar a Rússia, com o Exército ucraniano recorrendo a táticas desesperadas.
"Isso equivale a uma insurgência, o que não vai mudar a maré estratégica, de forma alguma, para a Ucrânia. Toda vez que a Ucrânia faz isso, os russos parecem responder com cerca de três vezes mais intensidade. E acho que isso é uma mensagem para os ucranianos de que eles devem resolver isso de uma vez por todas e tentar manter o que ainda têm", disse Maloof.
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Mais armas não vão salvar Zelensky

Kwiatkowski enfatizou que as expectativas de que os EUA serão capazes de resolver o problema dos projéteis de artilharia e mísseis de defesa aérea jogando mais dinheiro no problema "não são realistas de forma alguma, e descobrimos isso há dois anos com notícias sobre as taxas reais de produção de artilharia, munições e mísseis nos EUA. O sistema de produção de defesa dos EUA não é orientado para grandes volumes de itens de baixo valor, mas sim para volumes baixos de unidades de alto custo, junto com um ciclo de manutenção e suporte logístico com atualizações ao longo da vida útil."
Além disso, "a Europa também não está em posição financeira para lidar com a crise ucraniana a longo prazo", observou Maloof.

"Eles têm seus próprios problemas agora como resultado desta crise, e tentam se recuperar economicamente e politicamente e recuperar a qualidade de vida que tinham antes. Mas, agora, a Europa está em recessão. Eles cortaram suas fontes de energia. E vai levar muito tempo e muito capital para recuperar parte disso. O que tinham antes duvido que possam replicar num curto prazo. A Europa tem seus problemas e os EUA têm seus problemas, e estamos tentando ressuscitar um cachorro morto", enfatizou Maloof, referindo-se ao regime de Zelensky.

Vitória para o unipartidarismo

Quando questionado sobre os sentimentos expressos por alguns republicanos conservadores, incluindo Marjorie Taylor Greene, Paul Gosar e Matt Gaetz, de que o presidente da Câmara, Johnson, "traiu" a ala conservadora do partido e os eleitores ao priorizar ajuda a países estrangeiros em vez de focar na crise na fronteira sul, o professor de ciência política da Universidade de Iowa Timothy Hagle declarou à Sputnik que há algo a ser dito sobre isso.
"É certamente verdade que alguns da ala direita política sentem que o presidente Johnson os 'traiu'. Uma parte da base republicana e aqueles na direita têm há muito tempo estado insatisfeitos com o que agora é frequentemente referido como o 'unipartido'. O termo refere-se à noção de que muitos democratas e republicanos eleitos estão mais interessados em preservar seu poder e status governamentais do que trabalhar pelos interesses do povo", afirma.
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"Quanto ao aspecto de priorização, não é realmente uma questão de sugerir que um é mais importante do que o outro. Em vez disso, é provavelmente mais uma questão do que pode ser feito. Nessa linha, dada a posição do governo Biden e o controle dos democratas no Senado, não parece haver muito que os republicanos na Câmara possam fazer. Às vezes, eles podem fazer votações mesmo quando sabem que algo será rejeitado no Senado, mas mesmo isso pode ser difícil com uma maioria tão pequena", explicou o acadêmico.

Além disso, os apoiadores da ajuda para conflitos estrangeiros podem contar com o senso de "urgência" em Washington em relação ao financiamento, e com a 'facilidade' comparativa com que podem enviar dinheiro, algo que os apoiadores de medidas urgentes para conter a crise migratória não podem contar.
"Há uma urgência relacionada à ajuda para Israel e Ucrânia que parece não estar presente na questão da fronteira. Para ambos os países, a falta de ajuda pode afetar dramaticamente as guerras em que estão envolvidos. Em segundo lugar, é simplesmente mais fácil dar ajuda a um país do que resolver como lidar com o que está acontecendo na fronteira dos EUA", resumiu Hagle.
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