Ao assumir o cargo de presidente da Argentina, em 10 de dezembro de 2023, Javier Milei demonstrou um alinhamento internacional irrestrito com Estados Unidos e Israel, mas decidiu ignorar o capítulo regional: as poucas referências a outros líderes latino-americanos foram, em sua maioria, em termos depreciativos.
As declarações públicas do argentino sobre líderes importantes do continente, como o mexicano Andrés Manuel López Obrador, a quem qualificou de "ignorante"; ou o colombiano Gustavo Petro, tachado de "assassino terrorista"; ou o líder brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem considerava "corrupto" e "ladrão".
Um novo capítulo na saga de idas e vindas de Milei com seus pares regionais contou com a participação do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou.
Convidado para o jantar anual da Fundação Libertad em Buenos Aires nesta semana, Lacalle Pou fez um discurso no qual enaltece a importância do Estado, indo na contramão das ideias do líder argentino. Diante do auditório onde Milei estava presente, Lacalle Pou considerou que "para haver liberdade, é preciso ter um Estado forte".
"Que difícil aproveitar a liberdade individual se vivemos em uma fazenda sem acesso à boa saúde […], temos que ter um Estado forte para que o indivíduo possa gozar do exercício da liberdade", afirmou o mandatário uruguaio. O contraste com o libertário – cuja premissa durante a campanha eleitoral consistiu em passar uma motosserra sobre a administração pública – é evidente.
Para o analista internacional Juan Venturino, "ao se identificar como anarcocapitalista, Milei praticamente descarta a possibilidade de concordar ideologicamente com outros líderes, além da relação pessoal que possa ter com cada um deles".
Segundo o especialista, entrevistado pela Sputnik, a diplomacia do presidente argentino gira em torno de um único eixo central da sua estratégia: a relação com Washington e seus aliados.
"Não parece haver uma política externa muito boa. É claro que houve um alinhamento explícito com Israel e os Estados Unidos, mas não muito mais. Parece que o resto dos países não são de todo relevantes, incluindo aqueles na região", ponderou Venturino.
Ao mesmo tempo, o especialista Néstor Guzzetti – membro do Instituto Argentino de Estudos Geopolíticos entrevistado pela Sputnik – acrescentou que "o governo Milei assumiu ser o carro-chefe da Casa Branca na região, e por isso, não se identifica muito com os demais países próximos. Raramente vimos um líder que praticamente não tivesse aliados próximos no subcontinente", sublinhou Guzzetti.
De acordo com Venturino, o posicionamento do líder argentino apresenta um denominador comum em relação a outros blocos estratégicos de calibre mundial.
"Milei fechou as portas à consolidação de uma forte aliança sul-americana, tal como se recusou a aderir ao BRICS, em uma decisão altamente condicionada pela sua inclinação ideológica. Ele rejeitou aderir aos BRICS praticamente em troca de nada. Ele nem parece ter exigido ajuda dos Estados Unidos junto ao Fundo Monetário Internacional. O posicionamento é difícil de entender do ponto de vista estratégico", considerou o especialista.
Por exemplo neste cenário, as declarações de Milei podem ser inscritas na última edição do Fórum Econômico de Davos, onde afirmou que "o Ocidente está em perigo porque aqueles que devem defender os seus valores se encontram cooptados por uma visão socialista", afirmou.
Para Venturino, a visão do mandatário faz referência a "uma narrativa de um mundo capitalista enfrentando o comunismo que foi truncada há mais de 40 anos, mas a qual Milei se apega quase cegamente", complementou.