Panorama internacional

Reforma agrária: Brasil pode superar subdesenvolvimento através da agricultura familiar?

O Brasil vive um novo capítulo na pauta da reforma agrária. No dia 15 de abril, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) lançou o programa Terra da Gente, que pretende assentar 295 mil famílias agricultoras até 2026. Nesse contexto, o que o Brasil pode aprender com a distribuição de terras na China?
Sputnik
Na semana passada, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse que o governo está empenhado na redução dos conflitos rurais e que vai intensificar a política de reforma agrária.
Para cumprir a demanda, está previsto um orçamento de R$ 520 milhões para a aquisição de imóveis pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), segundo o ministro. No ano passado, 50,9 mil famílias foram integradas ao programa de reforma agrária. A previsão atual é que quase 300 mil sejam assentadas até 2026.
Ao defender as políticas de assentamento, Teixeira frisou a importância do processo como essencial para "ter paz no campo".
Para a professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do LabChina Isabela Nogueira, a reforma agrária no Brasil significa, sobretudo, romper com o subdesenvolvimento.
A especialista vê como imprescindível colocar o agricultor familiar como figura central para a transformação da questão agrária no país.
"Enquanto a gente continua colocando o grande agronegócio no centro da política de desenvolvimento brasileira, a gente tende a reproduzir a nossa condição periférica de agrário exportador, de vendedor de commodities", argumenta.
Para mudar a rota, o Brasil pode aprender com parceiros importantes, como o caso da China, que, historicamente, passou por processos de distribuição da terra para as famílias de camponeses ao longo do século XX.

"A China, quando fez a sua reforma agrária, focou no camponês, entendeu que a transformação da sua condição era irrevogável para o processo de desenvolvimento de maneira alargada, para a superação do subdesenvolvimento", disse.

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Como aconteceu a reforma agrária na China?

Segundo Nogueira, para entender os processos da distribuição de terras para famílias camponesas e o investimento do Estado chinês na agricultura familiar, é necessário compreender o contexto histórico do país asiático.

"A China iniciou suas reformas agrárias em 1979. Ela vem de uma experiência socialista, que veio lá da era maoísta, desde a Revolução em 1949 até a morte de Mao em 1976, o que significa dizer que ela vem de um processo de coletivização da terra."

A partir de 1979, a China começa a criar pequenas unidades familiares, de menos de um hectare por família, em uma distribuição considerada "muito igualitária", de acordo com a especialista, para um país onde 80% da população vivia na zona rural.
"Isso trouxe um impacto inicial em termos de redução da pobreza extraordinário, então a reforma agrária chinesa em 1979 vai ser responsável pela maior redução na pobreza da história da humanidade. Segundo o Banco Mundial, são 400 milhões de pobres a menos ali no curtíssimo espaço dos sete anos iniciais das reformas na China, até 1986 mais ou menos", descreve.
Nesse sentido, Nogueira afirma que três pilares são importantes para entender a política chinesa:
Terra garantida para todas as famílias camponesas;
Instrumentos de preço que asseguraram que o Estado comprasse toda a produção desse camponês com preços subsidiados;
Processo de industrialização rural para gerar renda não agrícola.

"Esses três processos conjuntos — a terra em pequenos lotes de uso das famílias, eliminando a categoria do camponês sem terra, um sistema de preços muito favorável à agricultura, garantindo a compra pelo Estado, com um sistema robusto de compras públicas assegurado pelo Estado e a industrialização rural — garantiram um enorme crescimento na produtividade agrícola, um enorme crescimento da renda nas zonas rurais, que efetivamente fizeram com que as reformas na China começassem pelos mais pobres da pirâmide social", resume.

O que o Brasil pode aprender com a reforma agrária da China?

Nogueira garante que o Brasil tem, sim, muito a aprender com a transformação agrária chinesa. A produção agrícola no gigante asiático cresce mais rápido do que no Brasil.
De acordo com João Pedro Stédile, economista e liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), uma das coisas que o Brasil deveria aprender com os chineses é o investimento em pequenas máquinas agrícolas para o trabalho na agricultura familiar.
"Qual é o segredo tecnológico que nos interessa para o Brasil? Nós, aqui no Brasil, temos 3 milhões de unidades camponesas que não têm nenhuma utilização de máquinas", comenta, enquanto compara com a China que, segundo ele, tem cerca de 8 mil fábricas de máquinas agrícolas pulverizadas pelo país, o que facilita a chegada delas aos municípios.

"A nossa intenção, o que é? Fazer parcerias com as fábricas de máquinas chinesas para que eles transfiram a tecnologia. Aqui nós criaremos fábricas brasileiras com apenas a espécie de 'joint venture', onde os chineses entrarão com a tecnologia para nós conseguirmos construir máquinas pequenas que possam atender a esses milhões de agricultores familiares por todo o Brasil e, em especial, no Nordeste, que hoje estão à margem do acesso a máquinas agrícolas", prospecta.

Como o mercado brasileiro atualmente é controlado por cinco grandes empresas transnacionais, segundo Stédile, parcerias que permitam a venda de equipamentos agrícolas por valores mais acessíveis contribuem com o agricultor familiar.
Entre os maquinários, o líder do MST revela o interesse em tratores de pequeno porte. "Para você ter uma ideia, o menor trator disponível no mercado brasileiro, que é o da Agrale, custa R$ 52 mil. […] O trator chinês, pequenininho, de 20 cavalos, vai custar R$ 10 mil. E é somente assim que o camponês pobre vai poder ter acesso, claro, a partir também de programas do governo", exemplifica.
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Segundo Stédile, a reforma agrária e o investimento nos pequenos agricultores, responsáveis por 80% dos alimentos que vão para a mesa dos brasileiros, é um contraponto ao modelo do agronegócio, que classifica como "predador da natureza, que não gera emprego e não distribui riqueza".
No âmbito das relações entre Brasil e China, Nogueira avalia que o país asiático também ganharia com os avanços na distribuição de terra no parceiro sul-americano.
"A China tem avançado muito numa ideia de busca por uma agricultura que seja mais sustentável. Nisso, a agricultura familiar tem muito a oferecer com a sua produção orgânica", avalia.

"Então, por exemplo, uma parceria do pequeno, da agricultura familiar brasileira, em conjunto com uma agenda verde de preservação e daí vai, tem tudo a ver com o que são as prioridades da China neste momento", conclui a especialista.

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