Panorama internacional

Análise: exercício militar prepara a Rússia para a queda da 'máscara' da OTAN no conflito ucraniano

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas do setor de defesa afirmam que os exercícios militares realizados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e pela Rússia indicam a proximidade de um confronto direto, com alta possibilidade de uso de armas nucleares.
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O Ministério da Defesa da Rússia anunciou na manhã desta segunda-feira (6) que o Exército russo vai realizar exercícios de treinamento com uso de armas nucleares não estratégicas, que visam manter a prontidão para responder às "ameaças provocativas das nações ocidentais contra a Rússia".
"O exercício visa manter a prontidão do pessoal e do equipamento das unidades para o uso de combate de armas nucleares não estratégicas para responder e garantir incondicionalmente a integridade territorial e a soberania da Rússia em resposta a declarações provocativas e ameaças de autoridades ocidentais individuais contra a Rússia", diz o comunicado do ministério.
O anúncio é uma resposta ao exercício militar Steadfast Defender 24, da OTAN, anunciado em janeiro, que conta com manobras próximo à fronteira com a Rússia, tem duração de três meses e é dividido em duas etapas: a primeira naval e a segunda com manobras terrestres envolvendo países que fazem fronteira com a Rússia, como a Polônia, a Finlândia e a Estônia.
O exercício militar é o maior já realizado pela OTAN desde a Guerra Fria e envolve a participação de 90 mil soldados, provenientes de todos os países da aliança. A representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, afirmou que o exercício militar é a prova de que "os Estados da OTAN estão se preparando seriamente para um potencial conflito" com a Rússia.

"Neste momento a OTAN está realizando o Steadfast Defender, seu maior exercício desde a Guerra Fria, perto da fronteira russa. De acordo com o cenário, utilizando todas as ferramentas, incluindo as híbridas e as armas convencionais, estão exercendo ações de coligação contra a Rússia. Os Estados Unidos estão exercendo ações de coligação contra a Rússia. Temos de admitir que os Estados da OTAN estão se preparando seriamente para um potencial conflito conosco, sobre o qual, aliás, representantes do alto escalão da OTAN estão falando abertamente", disse Zakharova.

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Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas especializados em defesa explicam que os exercícios militares anunciados por Rússia e OTAN mostram que o conflito ucraniano caminha para uma nova fase, com eventual participação direta da aliança e alta possibilidade de uso de armas nucleares.

Moscou se prepara para uma 'guerra sem máscaras' com a OTAN

Para Héctor Saint-Pierre, especialista em segurança internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp), os exercícios militares da OTAN são uma tentativa da aliança de demonstrar poderio bélico em um momento que a Rússia avança no campo de batalha contra a Ucrânia, se aproximando de fraturar as linhas de defesa de Kiev.

"A Rússia está pronta para quebrar a linha de defesa ucraniana, o que levaria a um colapso de toda a estrutura defensiva e possivelmente seria anterior à chegada do auxílio financeiro enviado dos Estados Unidos, os US$ 61 bilhões [cerca de R$ 309 bilhões] que foram aprovados pelo Congresso dos EUA."

Pierre enfatiza que a verba aprovada pelos EUA vai levar tempo para chegar até a Ucrânia, e o montante não chegará todo de uma vez. Ademais, a verba será dividida, sendo uma parte destacada para o teatro de operações, e outra para pagar as dívidas de Kiev.
"Parte desse dinheiro vai ser para pagar dívidas que a Ucrânia tem com as fabricantes [de armas] norte-americanas. Mas então, por um lado, [os exercícios da OTAN] poderiam ser uma provocação, uma amostra do preparo europeu frente à possibilidade de uma fratura da linha de defesa ucraniana e à possibilidade, ao medo na Europa, de que a Rússia possa invadir os Bálcãs ou o Cáucaso e se alastrar pela Europa, coisa muito difícil, eu não acredito."
Ele afirma ainda que os exercícios militares da OTAN têm um viés doméstico, uma vez que alguns países da aliança têm eleições próximas "e se agarram a um fato para ganhar atenção e melhorar suas condições eleitorais".
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Pierre sublinha que os exercícios também podem ser uma preparação da OTAN para entrar no conflito ucraniano "sem máscara".

"Porque a OTAN já entrou nessa guerra, é uma guerra por procuração. Os corpos que morrem são ucranianos a maioria, mas já também estão morrendo corpos europeus. E ultimamente, aparentemente, são corpos europeus não de meros mercenários, mas sim de soldados altamente preparados que estão defendendo as linhas da Ucrânia", explica o analista.

"Então pode ser uma preparação para realmente aumentar a interoperabilidade das forças da Europa e […] enfrentar uma guerra sem máscaras, uma guerra aberta da Europa, da OTAN, mais especificamente, contra a Rússia. De qualquer forma, isso vai ser um gasto enorme para a Europa, que já está em uma situação econômica bastante crítica. Por outro lado, vai aumentar o pânico da população europeia, o que pode ser favorável para algumas campanhas eleitorais", acrescenta.
Para Robinson Farinazzo, analista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, o anúncio do Ministério da Defesa russo mostra que "a Rússia não vai tolerar uma intervenção dos países da OTAN contra a sua operação militar especial".

"Se eles virem que existe um afluxo grande de tropas da OTAN, haverá combate — eu não tenho dúvida disso —, e a coisa pode escalar para uma guerra nuclear."

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Porém ele afirma que a OTAN atualmente não tem condições de enfrentar a Rússia na atual situação da Ucrânia, pois "precisaria mobilizar pelo menos 200 mil militares".
"Eu acho muito difícil a OTAN conseguir uma mobilização dessa magnitude, dada a situação econômica atual dos países e a própria deterioração da Ucrânia, que todo mundo sabe que não tem chance nessa guerra."
Pierre, por sua vez, afirma que a situação atual é delicada e destaca que a Rússia já considera Donbass parte de seu território, portanto uma intromissão da OTAN na região abriria caminho para a defesa com o uso de armas nucleares.
"Ninguém tem armas para não usar. As armas são para serem usadas, aquele que adquire armamento é para usá-lo. Obviamente que não vai usar por usar, mas para o caso de necessidade. A Rússia tem um potencial nuclear extraordinário, é a maior potência nuclear do mundo", diz o analista.
Farinazzo concorda que o quadro atual aponta para uma escalada de tensão que pode resultar em um confronto nuclear, embora afirme acreditar que, até o momento, a situação está controlada.

"Eu não penso que no momento o mundo esteja próximo de uma guerra nuclear, mas a gente não pode descartar, pode ser que o cenário se deteriore rapidamente. Até o momento eu vejo a coisa mais ou menos controlada."

China tenta apaziguar situação, mas reafirma posição pró-Rússia

Os analistas apontam ainda para o papel da China nesse contexto, e citam a viagem de Xi Jinping à França como uma tentativa de reafirmar a posição de Pequim favorável a Moscou.
Pierre lembra que recentemente o ministro das Relações Exteriores da China fez um discurso muito duro contra os Estados Unidos, afirmando que o país "tem levado a guerra através de mentiras sucessivas, […] participou praticamente de todas as guerras, tendo incitado muitas delas, e é um país de desestabilização".

"Então tem que analisar a visita de Xi Jinping à Europa também nesse sentido, talvez de tentar baixar o clima de tensão que só favorece as indústrias de armamento."

Farinazzo, por sua vez, afirma que a visita de Xi Jinping à França "pode jogar um balde de água fria nas intenções de [Emmanuel] Macron e de Ursula Von der Leyen [presidente da Comissão Europeia], no sentido de fazer com que a China pare de ajudar a Rússia".
"Eu acredito que a China vai continuar mantendo a política dela. E talvez a França perceba que a Ucrânia é um caso perdido e resolva ir tocar a vida."
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